Cronistas

A democracia da distância invertida

Numa crónica que escrevi aqui com o título “A Democracia em movimento”, considera o metro como o meio de transporte mais democrático do mundo. Neste meio de transporte pessoas de diferentes extratos sociais partilham o mesmo espaço. Todos se encontram e privam num só espaço. Encontramos tudo e todos : o médico, a empregada de limpeza, o advogado, o estudante, o político até ao desempregado. Todos num mesmo espaço mas com destinos e percursos de vida completamente distintos. Um cenário interessante de apreciar, é curioso ver como classes, que diariamente têm dificuldade em conviver entre si, acabam todas “juntas e misturadas” no metro.
Mas nestas minhas viagens pelo metro, tenho constatado um outro fenómeno interessante é que passo aqui a chamar de: A Democracia da distância invertida.
As pessoas hoje estão a viver num mundo em que ninguém toca em ninguém, num mundo em que ninguém fala com ninguém mas, depois ficam doentes porque ninguém lhes toca ou porque ninguém lhes fala . Num universo democrático em que se vão discutindo várias teorias em torno da liberdade de expressão, a minha perplexidade perante vários casais de namorados que, num inequívoco a dois, passam o tempo a escrever nos respectivos telemóveis, reagindo com sorrisos e expressões de curiosidade ou indignação ao que se passa no ecrã, mas raramente olham um para o outro. Pessoas que estando próximas não comunicam entre si, mas que vão trocando mensagens instantâneas com pessoas que estão bem distantes de si.
Sou adepto e utilizo estes serviços de mensagens instantâneas, que permitem o diálogo constante e partilha de conteúdos com esta fisicamente distante. Contudo, estas novas formas de comunicação não podem substituir a necessidade de proximidade física, do contacto, do toque. Há forças vivas da oralidade, da linguagem gestual e corporal que se vão perdendo, sobretudo ao nível dos afectos e por muito que se queira não é a mesma coisa. Há sentimentos carnais que são completamente anulados e colocados à margem do ambiente envolvente. Fica difícil perceber como pessoas que passam o tempo a trocar entre si mensagens de amor, carinho, afecto e sedução, mas quando estão juntas nada têm para dizer e aproveitam esse tempo para alimentarem as várias relações que mantém nas relações sociais . A fala é reduzida ao grau zero e há um período de inactividade física que contrasta com uma intensa hiperactividade virtual. Há uma estrutura discursiva real que é praticamente anulada ( para não dizer aniquilada), dando lugar a diálogos virtuais que nos remetem para o universo das indagações, das interrogações.
É um isolamento da realidade física que contraria a natureza humana e, que faz com que sejamos convocados a elaborar uma interpretação sobre a existência destas novas entidade da vida real, mas que vivem no domínio do virtual. Cada nova resposta a estas interrogações, dá-nos a conhecer facetas da humanidade que abalam o nosso entendimento, desvendando certos receios que abalam a nossa mente . Há aqui uma prerrogativa humana que nos vai sendo imposta. Vivemos em silêncio, abstraídos na tentação, na ilusão de que a electrónica democratiza e de estarmos sempre a comunicar com muitos outros. Puro engano! Estes percursos feitos num silêncio real mas num intenso barulho virtual são desafiantes . Durante estas viagens, vou observando silêncios que extravasam tempos, que despertam olhares, provocam sentimentos diferentes e até são muitas vezes encarados como vaidades irritantes.
As necessidades supérfluas encontram hoje mais fácil e mais rápida satisfação do que certas necessidades fundamentais básicas . Uma interacção pessoal não é comparável ao envio de um SMS, o toque, o contacto olhos nos olhos . Provalvemente não partilhamos o mais importante, não dividimos aquilo que verdadeiramente deve ser distribuído . É um verdadeiro sentir do tempo que circulam pelos carris de um metro com uma multidão na sólidão, com silêncios preenchidos de olhares. Olhares que trazem para o tempo presente as dores, as injustiças, as traições, as incertezas então vividas. Silêncios que nos revelam esta nova prerrogativa humana de uma democracia que não comunica . A Democracia da distância invertida, da triste e preocupante realidade que vivemos hoje, onde as pessoas quanto mais próximas estão, mais distantes se sentem e vice-versa.
Fica a dica !

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