Editorial

A diplomacia da farra rija

“Diplomacia do croquete” foi uma expressão que é atribuída ao ex-primeiro-ministro português Durão Barroso (6 de Abril de 2002-17 de Julho de 2004) numa alusão à diplomacia representativa quando o seu Governo defendia uma nova abordagem à chamada diplomacia económica. A diplomacia representativa é e continua a ser importante, mas não chega, não deve ser um objectivo em si mesmo, tem de ser um valor acrescentado. A expressão de Durão Barroso ia ao encontro da ideia generalizada na altura de que os diplomatas portugueses passavam muito tempo em cocktails a beber champanhe e a comer croquetes e que era importante investir-se na diplomacia económica para atrair investimentos para Portugal. Era preciso mais acção, ousadia e criatividade por parte dos diplomatas, era o desafio da altura.

“A carreira diplomática, a vida diplomática e as embaixadas são quase sempre feitas para projectar a imagem que se quer de um país. E muitas vezes procura-se uma imagem melhor do que o país tem ou é”, diz Francisco Seixas da Costa, antigo embaixador de Portugal em Angola e França. A diplomacia é o contrário da inércia, ela é o risco da acção e não coacção, ela é paciente não impõe, convence. Hoje a diplomacia económica permite aos diplomatas saberem precisamente qual a sua missão nos países onde estão, para além daquilo que é a chamada diplomacia representativa.

Tradicionalmente, as nossas embaixadas e consulados não estão vocacionados para a diplomacia económica, e há necessidade de se criarem sistemas modernos e eficientes que contrariem a ideia de se olhar para as embaixadas e consulados, meramente, como fiéis e dignos patrocinadores de festas e almoços para animar as comunidades ou actividades das estruturas partidárias privilegiadas (MPLA, OMA e JMPLA). Elas não são lojas ou armazéns de fornecimento de produtos de cesta básica ou uma agência de organização de eventos. São espaços públicos multifuncionais suportados com o dinheiro dos contribuintes pelo que devem servir os interesses nacionais e não interesses corporativos ou de grupos. O conceito de diplomacia económica deve ser estudado e explicado. Há muitos diplomatas que ainda confundem o processo de promoção da imagem do país, de atracção de investimentos, de negociação de contratos favoráveis para o desenvolvimento económico do país com ser negociante, agindo muitas vezes em nome do Estado mas no interesse particular. Um político não é necessariamente um diplomata, mas muita da diplomacia em Angola é executada por políticos (e até militares), que se envolvem directamente em processos de negociação, criando choques nas estruturas de mediação diplomática.

Somos um país com uma imagem ainda muito difusa, negativa e pouco apelativa no exterior. O passado de corrupção, nepotismo, impunidade, desvios e riqueza ilícita também não ajudou muito, embora se assista a um compromisso da nova governação contra tais práticas nocivas e a ofensiva diplomática que o ministro Manuel Augusto tem realizado nos últimos anos mostrando a nova estratégia de Angola ao mundo. A política externa angolana e os esforços do Executivo angolano nesta matéria não se vêem, não se sentem no quotidiano de muitas das suas comunidades espalhadas pelo mundo. Não actuam junto delas, não são presentes e são muitas vezes distraídos e desleixados. Daí que defenda que faz falta uma diplomacia ao serviço da diáspora. A diplomacia económica pode funcionar a duas velocidades: atraindo para o país investimento privado estrangeiro e investimento de angolanos no estrangeiro.

Se em Portugal a diplomacia é conhecida como a “diplomacia do croquete”, no caso de Angola temos aquilo que passo a chamar “diplomacia da farra rija”. Em vários países da Europa, África ou América do Sul por que já passei, a principal referência que as comunidades ou cidadãos dos respectivos países têm das nossas missões diplomáticas e postos consulares são as farras rijas. Parece surpreendente? Mas é real. Anda-se num táxi e há uma memória distante da sua participação na guerra colonial em Angola, mas a memória mais recente é das festas badaladas organizadas pela embaixada de Angola, mesmo um certo saudosismo dos tempos das vacas gordas que proporcionavam as tais farras rijas. Mesmo em períodos difíceis a estratégia é a farra rija para animar a malta. Grande parte do dinheiro solicitado ou disponibilizado para as ditas associações da comunidade serve para patrocinar as actividades festivas ou farras rijas.

Gostamos do bom e do melhor, mas não é tanto pelo prazer de usufruir. É mais pelo gozo de ostentar e pela necessidade de sacar algum para os bolsos. Em Novembro de 2015 e em pleno período de crise económica, com diplomatas e funcionários com meses de salários em atraso, a maior parte das embaixadas e dos postos consulares angolanos organizaram farras rijas para celebrarem os 45 anos da independência nacional. Na altura , o posto consular de Angola em Lisboa organizou a sua farra rija no actual pavilhão Altice Arena (anterior MEO Arena), tendo desembolsado quase meio milhão de euros só para o aluguer do espaço, sem falar de serviços como catering, segurança e cachês dos artistas. E não deve ter sido diferente em Roma, Paris, Brasília, Washington, Pretória, Londres e outras “praças diplomáticas” angolanas. Era preciso mostrar que a crise não nos tinha afectado e que estávamos bem e daí a nossa mania das grandezas que se manifestam com as tais farras rijas.

Concordo com a recente orientação do MIREX no sentido de não se utilizar dinheiro do Estado para as chamadas “festas da independência”, priorizando pagamento de salários, despesas com saúde e educação. Penso que em tempos de diplomacia económica é preciso saber economizar e estabelecer prioridades. É preciso acabar com a ideia de que as datas de celebração nacional só podem ser “celebradas” com farras para animar a malta e para encher bolsos de alguns sem reflexos e benefícios práticos para a imagem do país. Organizem debates, palestras, acções de filantropia, apoiem projectos de mérito, excelência e desenvolvimento sustentável. Há um elemento de prestígio, há uma imagem de dignidade e até mesmo o bom senso que, actualmente, não se compadecem com certa ostentação e esbanjamento. Há juízos que só o tempo amadurece e muitos embaixadores e cônsules ainda não perceberam que o legado que deixaram ou vão deixando é o de organizadores/promotores de farras. Cada tempo tem o seu tempo e o tempo hoje é para outra postura, gestão e atitude. Confesso que não gosto desta diplomacia que usa a farra rija como seu principal cartão-de-visita, porque é fútil, é ridícula e sem estratégia. É preciso mudar o cenário. Mas o que tem de mudar não é só o cenário da farra, são também os organizadores das farras e certos farristas.

One Comment

  1. A muito que eu pessoalmente reparei e quando puder falei e comentei em todos meios de comunicação possível, como nas redes sociais em entrevista com algumas plataformas,mais como diz o velho ditado mais vale tarde do que nunca.

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