A Insustentável Dureza do Ser*

Afastada da liderança da Sonangol por um relatório arrasador, onde se fala em ” ausência de liderança e de estratégia ” , atrasos nos pagamentos a companhias estrangeiras em particular americanas, e favorecimento na nomeação de funcionários, alguns deles portugueses . Isabel reagiu um comunicado, dizendo que em Junho de 2016 encontrou a petrolífera angolana numa situação de pré -falência, agradeceu os seus colaboradores e falou em ” ética inquestionável “. João Lourenço deixou depois um aviso à nova administração da Sonango, depois de dar posse à equipa liderada por Carlos Saturnino, que a empresa ” continue a ser para a economia angolana, a galinha dos ovos de ouro ” .
Em 50 dias de presidência, João Lourenço efectuou 60 exonerações e traçou o rumo da sua governação : abertura da comunicação social, combate à corrupção, combate aos monopólios e aos despesismo, moralização da vida económica e social, e garantir um capital de credibilidade do país para o exterior . João Lourenço fez o que muitos consideravam impossível num tão curto espaço de tempo. Demitiu Isabel dos Santos da Sonangol, colocou fim ao contrato do Governo ( via Ministério da Comunicação Social) com a Semba Produções de Tchizé dos Santos e José Paulino dos Santos ” Coreón Dú” e prepara-se para afastar José Filomeno dos Santos ” Zenú” da direcção do Fundo Soberano. Uma mudança que já está a mexer na estrutura económica e uma oportunidade para redigindo estratégias . Estratégias analisadas ao pormenor como os movimentos num jogo de xadrez, não fosse todo este cenário muito semelhante aos duelos de Karpov versus Kasparov.
Uma partida de xadrez que começa em Junho de 2016, onde um ” Karpov Solitário ” coloca no tabuleiro político a sua peça mais valiosa : A sua Rainha. O jogo correu lindamente enquanto jogou só e movimentava as peças, enquanto protegia a sua adorável e até então intocável Rainha. Forçado pelas circunstâncias, pelos sinais dos tempos e pelo desgaste físico e mental de várias horas de jogo solitário, é então “forçado ” a arranjar um companheiro para um jogo onde a estratégia é fundamental. Surge em cena um amante de xadrez, um estudioso de estratégia e que tal como até então ” Karpov Solitário ” , também havia adquirido a paixão pelo jogo ainda na antiga URSS, de saudosa memória para ambos . Este ” Mimoso Kasparov ” passou a ser o companheiro de jogo do ” Karpov Solitário ” , num convite em que impunha condições para as partidas de xadrez : ser um parceiro passivo e de companhia perante um jogador solitário e, que como dono do tabuleiro de jogo impunha outro condição de ouro : o movimento das peças jamais deveriam colocar a Rainha em situação aflitiva ou em xeque . Acordo feito e começm as jogadas com peões , bispos e torres mas sem nunca incomodar a Rainha , sua pose e majestade.
Tendo tomado as rédeas do jogo, ” Mimoso Kasparov ” inspirado na ” arte da guerra” de Sun Tzu , decidi imprimir nova dinâmica ao jogo e lança uma jogada relâmpago contra ” Karpov Solitário ” visando retirar a sua Rainha do tabuleiro de jogo . Neste confronto entre discípulos da escola russa , ” Mimoso Karpov” sabe ter paciência chinesa, e na sua estratégia conta com o “poder popular”, com apoio da mídia e das novas formas de comunicação sustentadas pelas TIC’s que foram mobilizadas para dar um ” Xeque” a Rainha , criando as condições para que 50 dias depois de ” assumir o game”, aplicasse um vigoroso ” Mate”, que resultaria num ” Xeque-Mate” quase terminal. E resultou numa insustentável dureza do ser pertencente à nobreza nacional.
Com as exonerações no BNA, Endiama, Sodiam e com a exoneração de Isabel dos Santos, João Lourenço afirma a sua personalidade. Mostra que tem poder e que pretende exercer este poder sem medo, sem titubear . Tem inteligência suficiente para perceber que a sua afirmação como líder passa também por isso , por mostrar que tem iniciativa, que tem vontade própria e que não há poderes paralelos . Percebeu que tinha de agir, que tinha de dar uma sinal de certa independência , de ausência de qualquer subserviência em relação ao seu antecessor . Em políticas as grandes mudanças são feitas no início do mandato, João Lourenço sabe que se não fizesse agora teria mais dificuldades no futuro . Uma decisão que marca uma clara ruptura com a gestão de JES. Com isso, João Lourenço está afirmar o poder político que ganhou nas urnas .Sabe que nunca há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão .
Na perspectiva de ” Corrigir o que está mal” era essencial colocar a Sonangol na gestão do Estado. Era essencial fazer a moralização da coisa pública e mais do que uma perseguição a Isabel dos Santos, a sua exoneração pode ser aquilo que o economista Carlos Rosado de Carvalho , chamou de ” tentativa de moralização da vida ecónomica ” . É o primado ético da condução dos destinos do país e da gestão da coisa pública. Penso que ganhamos todos em ter um Presidente comprometido com a moralização do Estado e da sociedade. Um Presidente que sabe que há excesso de Partido no Estado e que é fundamental separar o Estado do Partido. Um Presidente que impõe disciplina governativa sem faltar com a disciplina partidária .
Um país que não é tido como sério não prospera, não goza de capital de credibilidade , passa uma imagem negativa de si mesmo. Deixamos de ter uma reserva moral, a sociedade perdeu as referências morais . Quando vezes ouvimos dizer : este país não é sério . Este país não vai longe . Quantas vezes ? O exercício do poder é também afrontar e enfrentar os poderes instalados. Há neste momento no seio da população uma grande expectativa de mudança na frase ” corrigir o que está mal “, e agora é preciso que elas resultem numa efectiva melhor gestão e benefício para o Estado. E que não basta apenas corrigir o que está mal ( que já é um bom sinal), mas também responsabilizar que se serve dos bens e meios do Estado em benefício próprio . A responsabilidade e a responsabilização devem também fazer parte do novo léxico governativo.
Era inevitável que estas mudanças políticas tivessem lugar, o que certamente espanta é a velocidade com que estas decisões foram tomadas. Sabia-se que tais decisões seriam tomadas mas nunca em apenas 50 dias . É legítimo que um Presidente queira ter em empresas fundamentais para o país, pessoas em que tem confiança política , porque isso o pode ajudar a ter êxito governativo . Angola tem carências brutais de divisas e é preciso que os mercados, que os investidores recuperem a confiança na nossa economia . É preciso mostrar transparência na gestão das contas públicas , afastar as Pessoas Politicamente Expostas e conquistar credibilidade internacional .
E tudo isso revela aqui três factos interessantes : Primeiro que com a sua estratégia João Lourenço apanha de surpresa toda a oposição política e deixa-os sem actuação momentânea .Segundo, é que com a entrevista de Isabel dos Santos a TV Zimbo cria uma facto inédito : é a primeira vez que um gestor público depois de exonerado vai a televisão ” dizer de sua justiça ” . E por fim, um inédito editorial do Jornal de Angola sobre a exoneração de Isabel dos Santos e que numa passagem diz : ” A troca de Isabel dos Santos por Carlos Saturnino deve ser lida como uma alteração que se impõe , em defesa dos mais altos interesses da Nação ” . E a ” Insustentável Dureza do Ser” ainda na fase em que se está a ” corrigir o que está mal” , veremos o que virá na fase do ” melhor o que está bem ” .
Fica a dica !
* ” A Insustentável Leveza do Ser” é o título da mais famosa obra literária de Milan Kundera, escritor checo naturalizado francês . O título da presente crónica foi inspirado neste clássico literário.
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