Eugénio Costa AlmeidaOpinião

A Literatura em Angola; um pequeno ensaio

Na passada quarta-feira, 12 de Junho, e por iniciativa da editora Perfil Criativo – Edições e de João Ricardo Rodrigues, na biblioteca municipal do Palácio dos Coruchéus, de Lisboa, aconteceu uma tertúlia literária a que foi dada o sugestivo nome de “Angola o papel do escritor”.

Uma reunião literária que juntou, como causas do debate, os escritores Lopito Feijóo (Experimentais Poéticos), João N’Gola Trindade (O papel do Escritor na Sociedade Colonial Angolana), Sandra Poulson (Tambwokenu – Viagens pela Minha Terra) e Tomás Lima Coelho (Autores e Escritores de Angola 164-2018 – livro de bolso), que apresentaram estas suas novas obras (assinaladas entre parêntesis) e dos convidados, o jornalista e escritor Armindo Laureano e eu próprio.

Uma pequena sala que ficou liliputiana tal o interesse que esta tertúlia captou junto da comunidade nacional e que a encheu como, sublinho, não via, há muito tempo, talvez, mesmo, há muitos anos, totalmente cheia por razões literárias.

Uma iniciativa que repto a ser levada pelo resto de Portugal onde vivem muitos angolanos e que desejam estar em contacto com os seus antigos e novos autores, a maioria dos quais, talvez, lhes sejam desconhecidos por não estarem, e como sublinharam Lima Coelho e Lopito Feijóo, «subordinados» “a uma grande máquina de propaganda por trás, uma grande editora” que lhes dão a visibilidade que outros já o conseguiram. E, no entanto, são reconhecidos e laureados fora do País.

Para a altura, preparei um pequeno ensaio, uma pequena introdução ao debate, mas que, e até para permitir, como bem salientava João Ricardo, a participação de todos os que estavam presentes naquele nosso jango, ainda que não à sombra da Mulemba, só fiz uso de uma pequena parte.

Começava e comecei por tentar definir o que é, ou consiste, Literatura, em geral, e Angolana, em particular.

Okwiya k’uwa v’ondjango (do umbundo, Bem-vindos a este Jango a esta Conversa)

O que é Literatura?

No sentido lato sensu será tudo o que tecnicamente o que seja composto de uma exposição de textos escritos em prosa ou em verso.

Se formos pela base latina veremos que Literatura (do latim litteris, ou seja, letras) é um conjunto de saberes ou habilidades de escrever e ler bem, e que se relaciona com as técnicas da gramática, da retórica e da poética; ou seja, alude, especificamente, à arte ou função de escrever.

Se no primeiro caso, parece que tudo se pode incluir na Literatura, como – e recordo que isso foi abordado na tertúlia – um compêndio de matemática, de geografia ou similar. Na perspectiva do que os latinos nos ofereceram, contaria – contará – só os textos que visem informar, educar, clarificar temas que interessem à população, bem como a arte de bem escrever e clamar poesia, tendo em conta o bom uso da gramática na construção desses textos e poemas.

Dito isto, o que é a Literatura Angolana?

Aqui, sustento-me de 3 “antigos” autores, que o jornalista e ensaísta nacional Carlos Ervedosa, no seu Roteiro da Literatura Angolana – uma edição dos princípios dos anos 70, da Sociedade Cultural de Angola, que me introduziu na nossa Literatura, até então pouco, ou nada, conhecida no nosso meio secundário – nos oferece e que estudaram os primórdios da nossa arte literária, que, segundo eles, terá tido o seu início na nossa tradicional oralidade: o linguista e missionário protestante suíço Heli Chatelain, que terá estado em Angola entre 1884 e 1897/98 e escreveu o “primeiro” Grammatica Elementar Do Kimbundu Ou Lingua de Angola (Genebra, 1888-89) e os Folk-tales of Angola (Contos Populares de Angola), publicados em New York, em 1894; o missionário espiritano e antropólogo franco-alemão Carlos Estermann (esteve em Angola, predominantemente na região da Huíla, entre 1924 e 1976, onde faleceu), cuja obra mais paradigmática foi Etnografia do Sudoeste de Angola (3 volumes); e o angolano Óscar Ribas com a compilação Missosso.

Ainda que Carlos Ervedosa dê maior relevo a estes 3 insignes autores, reconhece que uma das primeiras recolhas da literatura oral de Angola aconteceu com o brasileiro Saturnino de Sousa e Oliveira e o angolano Manuel Alves de Castro Francina, com a obra, de 1864, Elementos Grammaticaes da Língua Nbundu onde estavam compilados 20 provérbios em quimbundo.

Chatelain defendeu e explicou que a nossa Literatura estava dividida em 6 classes:

  • histórias tradicionais de ficção (as mi-soso)
  • histórias verdadeiras (designadas por maka)
  • narrativas históricas (ma-lunda ou mi-sendu)
  • histórias filosóficas (moral) representadas por provérbios (ligadas à maka)
  • poesia e música (seno que as canções são designadas por mi-imbu)
  • adivinhas (ou ji-nongongo)

Por sua vez Estermann fez, essencialmente, recolhas e tradução de poesia – ou metáforas ou provérbios em poemeto – que obteve junto dos Ambós, dos Nhaneca-Humbe e dos Hereros, povos do nosso sudoeste.

Já Óscar Ribas, penso ser pouco necessário dar quaisquer elementos que não sejam do conhecimento de todos nós. A compilação Misoso – de que, por acaso, só, e ainda, tenho o 1º volume – é uma das suas maiores obras de recolha e publicação de conto, provérbios e adivinhas, em língua quimbundo e com tradução e explicação em português.

António Videira, que Ervedosa, juntamente com Tomaz Vieira da Cruz, definia como sendo da “geração de «A Província de Angola»” definiu Angola como «Angola: o imbondeiro e o homem, nada mais. Resumo: – Job”; Sandra Poulson, nesta sua mais recente obra (Tambwokenu – Viagens pela Minha Terra), definiu-nos como «Angola é um diamante no mundo. Gema de África, clara do Universo»; já eu costumo a definir Angola como «Chão forte como um elefante, graciosa como um delicado voo duma gaivina, suave como uma savana, ágil como um saguim, frondosa como o Maiombe e bela e esbelta como um flamingo».

Ora são estas definições – principalmente as duas primeiras – que caracterizam, em cada período da nossa Literatura. E tendo por base esses períodos gostaria de recordar alguns – aleatoriamente – autores nacionais que nos têm oferecido – umas maiores que outras – grandes obras literárias:

Mais antigos, aqueles que por serem poucos, principalmente os nascidos em Angola se enquadram na definição de António Videira:

Tomaz Vieira da Cruz (Quissange); Alda Lar (Poemas); Mário (Coelho) Pinto de Andrade (Antologia da Poesia Negra de Expressão Portuguesa); Ernesto Lara Filho (Picada de Marimbondo); Alexandre e Sócrates Dáskalos (fizeram parte da Geração da Mensagem da literatura angolana); José Luandino Vieira (Luuanda); Manuel Rui (Poesia sem notícias); Albano Neves e Sousa (Batuque); Jorge Macedo (Tetembu); António Agostinho Neto (Sagrada Esperança);

Depois, porque se mostraram fortes quando necessário, elegantes na escrita, ágeis na forma como tornearam as dificuldades, enquadro aqui a minha definição de Angola:

Da geração da independência

Uanhemga Xitu; Rui Romano; David Mestre; Adolfo Maria; Adriano Botelho de Vasconcelos; António Cardoso; António Jacinto; Ruy Duarte de Carvalho; Pepetela; Manuel dos Santos Lima; Adriano Parreira; Jonas Savimbi; João Azevedo e Silva; José de Freitas; José Eduardo dos Santos; Luís Gonzaga Lambo;

Da geração pós-independência:

Lopito Feijóo, José Luís Mendonça; Rui de Melo; José Mena Abrantes; José Patrício; Jorge Pessoa; Adriano Sebastião; Lúcio Lara; Luís Kandjimbo; Filipe Zau; Filomena Embaló; Maria Eugénia Neto; Manuel Fragata de Morais; Manuel Pedro Pacavira; Raul David; Orlando Castro; Tomás Lima Coelho; Fernando Baião; José Filipe Rodrigues;

Na nova geração, a belíssima definição de Sandra Poulson, porque somos já muitos que estão acreditados foram de Angola, lidos e  traduzidos como belas gemas de diamantes e, já não poucos, com prémios no exterior como Lopito Feijóo, Eduardo Agualusa ou Lúcia Morais:

Lueji Dharma; José Eduardo Agualusa, Ondjaki; Jonuel Gonçalves; Luís Mascarenhas Galvão; Sandra Poulson; Ana Paula Tavares; Sandro Feijó; Sousa Jamba; Isabel Ferreira; Zetho Cunha Gonçalves; Lúcia Morais; Onofre dos Santos; (Duque) Kate Hama; Márcio Roberto; Alberto Oliveira Pinto;

E muitos, muitos mais, principalmente nesta nova geração, o que nos faz crer que a nossa Literatura está bem salvaguardada e recomenda-se.

Salapo tchiwa (do umbundo, fiquem bem).

* Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e investigação para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**

** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado

One Comment

  1. Muitos destes escritores antigos conheçi pessoalmente e li alguns dos seus livros que guardo religiosamente.. Dos mais novos leio Eduardo Agualusa , que é filho de uma senhora que foi minha professora em Nova Lisboa e vou procurar comprar por curiosidade livro de Lúcia Morais.. Grata pela informação

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