Cronistas

A praça do Savimbi

Não se pode falar de paz ou guerra em Angola sem que se mencione o nome de Jonas Savimbi. É incontornável. Seja pelas mais variadas visões e abordagens. Seja pelos aspectos positivos ou negativos. Não sou político e este é um capítulo que deixo aos políticos nos seus debates e quezílias. Mas não aqui no meu mural , ok ? Agradeço.

A minha abordagem hoje é mais ao nível da memória. No tempo do conflito armado, bem nos finais dos anos 80,vivia na Samba em estudava na escola Ngola Kiluanje ( estudei lá a sétima e oitava classe) e na caminhada diária para às aulas passava por um mercado ali na zona do Prenda . Ali fazíamos umas paragens para provar uma das suas ” preciosidades gastronómicas” , que eram duas : o pão com chouriço e o pão com mabangas.

Eram companheiros desta caminhada , o Claudio Patricio Bernardo Luis” Peticha”, o Luís, o Jordão, Diogoe o Danilson. E era obrigatório passar pelo tal mercado. Ouvíamos as conversas das vendedeiras, as suas discussões, as alegrias dos dias de ” Dikomba” . Aquele mercado tinha uma certa dinâmica e animação. Aquele mercado tinha uma actividade suave e ao mesmo tempo frenética. Era um mercado suis generis tanto pela sua localização, configuração e organização. Mas o que na altura nos causava uma certa preocupação e admiração era mesmo o nome deste mercado: Praça do Savimbi. Sim, era ( ou ainda é o seu nome ) , Praça do Savimbi.

Num tempo que era como que ” proibido ” mencionar o nome de Jonas Savimbi ou de sequer perguntar aos kotas quem era então este homem. Não havia até acesso a imagens do homem. E lembro- me que o Peticha, Jordão, Luis, vimos pela primeira vez uma imagem do homem num jornal português que o amigo e colega Fausto, havia sacado de uma tia que naquele tempo já era viajada. E lá tínhamos uma foto homem com boina é uma farda verde – oliva. A barba e o nariz eram compatíveis com anteriores descrições feitas pelos kotas . Na legenda da notícia vinha um nome : Jaguar Negro dos Jagas. E foi assim que de forma codificada íamos falando do homem, sem que os kotas se apercebessem que estávamos a falar de política.

Uma das versões naquele tempo, era de que o nome se devia a um morador da área que teria uma certa semelhança física ao ” Jaguar Negro dos Jagas”, e que os moradores em jeito de gozo e provocação assim o tratavam. É apenas uma das versões / explicações . Outra melhor sustentado fala de um ancião de seu nome Daniel que era um apoiante e admirador do ” Jaguar Negro dos Jagas” e que numa disputa com outro antigo funcionário da Imprensa Nacional, de seu nome Simão Arrobas, terão lançado uma espécie de ” referendo não – oficial” e sugerido a votação popular dois nomes para o mercado : 10 de Dezembro e Savimbi. Devido ao carisma, capacidade de mobilização e persistência, acabou sendo escolhido o nome de Savimbi para o mercado . Tendo mesmo existido um letreiro no local com a inscrição : ” Praça do Savimbi” .

Mas era difícil compreender e estranho para nós, o facto de naquele tempo existir em pleno bairro do Prenda, um mercado com o nome de Praça do Savimbi. Estariam as Brigadas Populares de Vigilância ( BPV) e a Organização de Defesa Popular ( ODP ) distraídas ? Como era possível naquela altura e contexto existir um mercado com aquele nome ? Como surgiu o mercado e como foi atribuído o nome? Nunca encontramos respostas para as várias perguntas que tínhamos . Um nome e figura que era ” politicamente incorreto e inconveniente “, mas do ponto de vista comercial e social, tinha ali mesmo aos olhos de todos , um mercado com o seu nome. Terá sido uma estratégia das extintas BRINDE ( polícia secreta e de inteligência da UNITA)? O então Comissariado Comunal do Prenda, ” apanhou do ar ” ? Certo é que mesmo em 1992, e durante o período em que esteve em Luanda, o Jaguar Negro dos Jagas nunca visitou o único mercado em Angola com o seu nome atribuído ( não sei se na Jamba havia algum mercado com o seu nome ) . E há mesmo quem até hoje desconheça a existência do mercado mais suis generis do país , pelo menos do ponto de vista da toponímia, localização e configuração. E engraçado será dizer que o nome do tal mercado associado ao da figura que lhe dava o nome chegou a constar de certos agregados familiares ( um documento muito comum na altura ) . Há coisas fantásticas não há ? Havia bem próximo umas casinhas de venda de kaporroto e Kimbombo ( a famosa Dega) e que tinham já umas musicas animadas. Tocam muita Sungura e Zouk, era divertido apreciar as discussões e brigas provocadas pelo consumo de elevados quantidades etílicas daqueles de líquidos fermentados e destilados em casebres rústicos.

Sei que o mercado ainda existe. Tem a mesma localização e algumas alterações na sua configuração. E quanto ao nome ? Continua o mesmo: Praça do Savimbi . Já não vendem o pão com chouriço e o pão com mabangas que naqueles tempos difíceis e do Kwanza Burro, nos aguentaram .

Fica aqui a história e testemunho de um mercado de ” saudosas memórias gastronómicas ” . São vivências. Perguntem ao Miller Gomes, ao Wholllo Mujimbo, ao Yuri Lengue que viveram nas proximidades do mercado para não dizerem que estou a inventar. Curioso será dizer que o ” Jaguar Negro dos Jagas” é o único dos três líderes históricos angolanos ( Agostinho Neto e Holden Roberto completam a tríade), que tem na capital de Angola um mercado com o seu nome . Um mercado que não é de nomeação oficial mas popular. Já viram?

Era só isso. Fica a dica!

Nota : Há uma versão que parece ser a mais consistente e foi aqui contada pelo amigo Daniel Arrobas , um amigo virtual que tenho e que aqui partilho :

“Salambende Mucari, nasci bem no centro desta praça e o letreiro “Praça do Savimbi” ficava na parede da casa dos meus avós. O nome surge a partir do ancião Daniel, um apoiante e fã-confesso de Jonas Savimbi, natural do Huambo e que vivia na mesma praça. Usava o penteado do seu ídolo, fazendo discursos em Umbundo tal e qual fazia Savimbi.

Teve um frente a frente com o um trabalhador da Imprensa Nacional, Simão Arrobas( pai de Daniel Arrobas, cantor piô), que sugerir “praça 10 de Dezembro” como nome, mas, pelo carisma e persistência, venceu, Savimbi.

A praça continua, o nome também, mas, já não como antes. Ainda estão lá os mais velhos daquele tempo que podem muito bem contar a história .

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