Cronistas

A “solidão” do mérito…

Tem sido recorrente, e ainda bem, na nossa sociedade a advocacia da meritocracia em detrimento da “cunha”, do compadrio, do nepotismo e clientelismo para o exercício e/ou ascendência no exercício de funções públicas e políticas e não poderia estar mais de acordo.

Sempre pensei deste modo, até que no início desta semana recebi um agradável telefonema de um amigo de longa data com quem partilhei imensos debates, no 28, Lobito, sobre os mais diversos assuntos do nosso futuro e do posicionamento da juventude e o exemplo dos adultos na construção de Angola. O ponto da conversa foi efectivamente se o MÉRITO seria o condimento bastante para confecionar a “refeição” da nova Angola, e se sim que critérios e/ou parâmetros se deve utilizar para aferir do mérito, enquanto via expressa e adequada para o exercício daquelas funções.

A definição dos parâmetros do “mérito” são fundamentais para se perceber da justiça da opção e/ou das opções. Ao longo da nossa conversa lembrei-me então dos medos e dos receios que podem ensombrar aquele pressuposto e criar uma nova forma de solidificar as desigualdades sociais e o fosso entre os que têm/sempre tiveram oportunidades e bens e os que sempre se viram privados destes.

Algumas famílias “tiveram” a oportunidade e/ou capacidade para formar os filhos e afins nas melhores escolas e universidades do “Ocidente”, designadamente entre os EUA e o Reino Unido, outras formaram os filhos na península ibérica, América latina e na África anglófona. A maioria formou os filhos, quando conseguiam, nas nossas escolas públicas e outras reduzidas, na Primeira Universidade Pública. Quando conseguiam era em qualquer curso, pois as opções vocacionais não coincidiam com as ofertas de então.

Logo, se um dos parâmetros for o território onde se formou, pode-se criar uma constante no “ciclo vicioso da pobreza” e continuar-se a promover os que sempre tiveram oportunidades. De igual modo se outro parâmetro for “competências” que se possuem, será necessário ter-se em conta se o ambiente que existia no mercado educacional e/ou formativo oferecia este número de competências de forma mais ou menos abrangente a todos/maioria dos cidadãos. Poderia citar outros tantos exemplos, creio que estes são suficientes para se perceber o “espírito desta pena”. Muitas vezes quando se utiliza de forma “solitária” o Mérito, acabamos por esbarrar em consequências desastrosas, basta olhar para imensa gente que teve acesso à “educação de qualidade” no ocidente e não mencionam em que universidade foi, as vezes nem sequer constariam no Ranking das nossas 15 melhores e noutros casos, tendo frequentado universidades a sério faltavam-lhes competências outras para acudirem os grandes desafios em frente das organizações onde são colocados.

É necessário olharmos para este desafio do MÉRITO num prisma de “salada de frutas” com outros princípios e valores, usando necessariamente uma dosimetria de equilíbrio quando for ponderar entre o cidadão A e B. Terá ou não mérito o jovem que desde tenra idade viu-se enquadrado nas fileiras de um exército e enfrentou uma guerra e não teve tempo de ir à Universidade? Terá mérito a parteira que mesmo no posto médico, ou do que restou dele, numa qualquer comuna no interior do País ajudou centenas de mães a darem a luz a filhos? Terá aquele Jovem soldado as mesmas competências que outro da sua idade que estudou em Londres? Terá aquela parteira as mesmas competências que a sua colega que sempre trabalhou na Lucrécia Paim? Terá o licenciado no Núcleo as mesmas competências e oportunidades que o seu colega que se licenciou na sede da Faculdade? Terá o estudante que vivendo só ou em grupo sem saber o que comer antes e depois das aulas, com preocupações de empurrar-se nos autocarros/táxi as mesmas competências que o estudante que vivendo com os pais, tem motorista e os livros todos para estudar? Terá o “simples” estudante a mesma oportunidade e competência do estudante do quadro de honra? A estas interrogações podemos ter várias respostas, entretanto podemos ao ex soldado, a parteira e ao licenciado no Núcleo outas valências que nunca deveriam ser descuradas: a fidelidade à Pátria, o sacrifício, o amor pela profissão, a resiliência, a audácia, a verticalidade e a lealdade.

É preciso interiorizar que em muitos casos a avaliação pura e simples das competências académicas e/ou profissionais não são a garantia de sucesso e/ou de bem-fazer ou desempenhar uma função pública ou privada, antes pelo contrário as vezes podem ser sinônimo de mau ambiente de trabalho e uma desenfreada corrida ao ter a qualquer custo e sem olhar a meios.

Outras vezes estas competências e o mérito são meras retóricas, pois na prática são incapazes de as demonstrar e escudam-se na arrogância para ocultarem as debilidades e/ou insuficiências. Por isso é fundamental que como ponto de partida estejam definidos todos os parâmetros que serão usados como recheio do Mérito e da competência. É mais fácil fazer transformar em competente um cidadão vertical, leal, destemido, comprometido, humilde e honesto do que o contrário. Por isso é preciso ter-se cuidado quando se assume que a meritocracia deve ser o critério quando o conteúdo lá não estiver claramente identificado.

De igual modo é quase impossível transformar em honesto, vertical e probo um cidadão que cuja qualidade isolada é a “competência”, quando toda a vida viveu sobre feitos e ideias alheias, tratou com arrogância os seus pares e colaboradores. Diz-se que «quando se está diante de uma grande personalidade descobrimos o que queremos ser», porém, cada indivíduo tem dentro de si um conceito diferente de “grande personalidade” por isso, se diz também: “diz-me quem são os teus ídolos e dir-te-ei o que de ti se espera”…

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