Ana Gomes: Reformas em Angola têm de “passar pela Justiça “

A Justiça portuguesa insiste, por vias legais, em ouvir em Lisboa o antigo presidente da petrolífera estatal angolana Sonangol por envolvimento em crimes de corrupção e branqueamento de capitais, de acordo com a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal ( DCIAP). Fontes judiciais já avançam que o julgamento está agendado para janeiro de 2018, depois de diligências junto das autoridades angolanas.
A eurodeputada socialista Ana Gomes não tem dúvidas que assim será , por confiar na independência dos tribunais em Portugal.
” Espero que em Portugal ninguém tenha a ousadia de impedir a Justiça de fazer o seu trabalho”, afirma Ana Gomes em entrevista à DW. ” Tanto quanto eu sei, houve uma consideração de um Tribunal de Recurso no sentido de manter a submissão de Manuel Vicente, não lhe conhecendo qualquer imunidade. Portanto, o processo de investigação de branqueamento de capitais deverá prosseguir em Portugal .”
” Ponto de honra em defesa de Vicente “
Na semana passada, o chefe da diplomacia angolana, Manuel Augusto, afirmou, em defesa do ex-vice-Presidente Manuel Vicente, que ” Enquanto o caso não tiver um desfecho , o Estado angolano não se moverá nas acções […] de colaboração com Portugal “.
” Este já não é um caso individual de Justiça, é um caso do Estado angolano e enquanto não tiver um desfecho, o Estado angolano não se moverá nas acções de cooperação com Portugal, e competirá às autoridades do Estado português verem se vale a pena esta guerra”, sublinhou Manuel Augusto.
A eurodeputada Ana Gomes diz , no entanto, que ” é absurdo ver o Estado angolano a fazer ponto de honra em defesa de Manuel Vicente “, pois o caso remonta ao período em que Manuel Vicente liderava a Sonangol, antes da sua nomeação para vice-Presidência angolana , ” quando não estava coberto por nenhumas imunidades”. Mesmo se tivessem sido actos ocorridos durante o seu tempo como vice -Presidente de Angola, Manuel Vicente não teria imunidade diplomática -apenas o chefe de Estado poderá considerar-se imune, nos termos da Convenção Diplomática de Viena, sublinha.
” Não sei se é verdade ou não , dizem que ele ( Manuel Vicente) tem um relacionamento especial com o Presidente João Lourenço “. Seria ” muito trágico para Angola que venhamos a assistir um esquema idêntico ao que acontecia com a nomenclatura de dos Santos, que usa o Estado angolano para proteger os seus, quando os seus são quem defraudou o Estado angolano e quem praticou crimes, designadamente em Portugal, de branqueamento de capitais”, comenta Ana Gomes .
” Não há ninguém mais corrupto do que o actual Procurador -Geral”
Neste contexto, Ana Gomes aplaude as primeiras medidas tomadas por João Lourenço, que considera ser um sinal de rotura com o passado, mas também defende a necessidade de uma reforma da Justiça em Angola, face à promessa do novo Presidente de combate à corrupção.
” É claro que nada disto é sustentável se, de facto, não passar pelo sistema de Justiça, justamente porque tudo foi contaminado pela corrupção em Angola e o sistema de Justiça foi absolutamente instrumentalizado para os corruptos”, diz Ana Gomes.
” Quer dizer , não há ninguém mais profundamente corrupto em Angola do que o actual Procurador- Geral [ da República ], João Maria de Sousa, que está em vias de ser substituído e foi objecto de uma investigação por branqueamento de capitais aqui em Portugal “.
A eurodeputada acredita na capacidade e seriedade de João Lourenço em fazer mudanças e , como tal, acrescenta, também deve ” dar sinais muito claros de que a justiça em Angola vai passar a funcionar de forma independente “. Ana Gomes não poupa igualmente críticas a alguns empresários , banqueiros e advogados portugueses corruptos e coniventes com a corrupção, envolvidos em “esquemas de organização de branqueamento de capitais” com parceiros angolanos .
” Isto não pode ser a base saudável do relacionamento duradouro entre Portugal e Angola “, avisa numa longa entrevista à DW em que também questiona, a propósito da investigação Paradise Papers, o facto de o Fundo Soberano estar ainda nas mãos de José Filomeno dos Santos .