Sociedade

Aumento do fluxo migratório facilitou a degradação do Lobito

Lobito era considerado na época colonial o “chumbo” dos arquitectos, devido à complexa morfologia, caracterizada por uma parte baixa limitada em espaço e abundante em lagoas e mangais e uma parte alta, hoje dominada por bairros construídos sobretudo no início dos anos noventa. Nessa altura registou-se um fluxo sem precedentes de pessoas, do interior para o litoral, que procuravam segurança e melhores condições de vida. Mas, estas pessoas construíram sem preocupações de ordenamento urbano e de atendimento às questões de saneamento básico, mobilidade e segurança. Ocuparam linhas de escoamento de águas pluviais, obstruindo a rede de valas de drenagem, situação que ultimamente tem provocado tragédias humanas de grande monta quando se verifica a ocorrência de chuvas.

O senhor foi administrador do Lobito cerca de 10 anos. O que aconteceu para o Lobito chegar a este ponto crítico?
Não é fácil falar dos problemas do Lobito em poucas linhas. Convém recordar que a Baixa da cidade é uma área confinada por pântanos, campos agrícolas do vale da Catumbela, pela baía e pelos morros da Quileva. Não foi por acaso que, quando em 1838 os moradores de Benguela (São Fillipe de Benguela) solicitaram à Rainha Maria II para se mudarem para o Lobito, esta lavrou um despacho que continha as 13 primeiras normas urbanísticas regulamentares. Ela exigia que na Baixa fossem construídos apenas edifícios como a Alfândega, armazéns de retém dos comerciantes e escritórios. Exigia também que “a Casa do Governo, Igreja, Hospital, Cemitério e todas as habitações dos moradores fossem construídas na zona Alta da cidade, em terreno seco, bem arejadas e livres dos miasmas vindos dos terrenos baixos e húmidos”. Contudo, a ousadia e a arrogância do homem, permitiram que se construísse o núcleo da cidade, exactamente na zona alagada, que é a parte mais baixa. Acredito, piamente, que o crescimento económico e demográfico verificado nos últimos 70 anos, moldaram o figurino urbano actual da cidade do Lobito. Ao referirse
ao crescimento urbano do Lobito da década de 50 e início de 60, o arquitecto Castro Rodrigues escrevia no seu livro “Um cesto de cerejas, conversas, memórias, uma vida” que “o Lobito era uma cidade a crescer
por todos os poros, uma cidade impossível de trabalhar”.

Registou-se um êxodo massivo de pessoas do interior em direcção ao Lobito nos anos 90, portanto, já depois da independência. Quais foram as causas e as consequências?
Houve um movimento em resposta ao crescimento demográfico acelerado a partir de 1995, natural e por força do êxodo populacional das províncias do interior, principalmente as do Huambo e Bié, e do crescimento económico verificado no Lobito, com a instalação de grandes empresas do sector petrolífero, e as condições geográficas do relevo dos morros da Quileva. O problema da infra-estrutura urbana do Lobito, vias, redes de esgotos, drenagem e habitação ganhou uma dimensão gigantesca. Nesta fase consolidou-se a ocupação não só dos morros, mas também das encostas e linhas de água ao longo de todos os caminhos da Quileva.

A gestão urbana já era problemática naquela altura?
Estamos a falar dos anos 90. Não é, pois, de estranhar que a gestão urbana, isto é, dos terrenos e dos aterros, principalmente na Baixa da cidade, tenha sido e continue a ser o maior desafio de qualquer gestor da Administração Municipal do Lobito. Resumidamente, no Lobito há e sempre houve grande procura de lotes de terrenos e baixa oferta por parte do poder público. Este binómio oferta-procura potenciou e continua a potenciar o negócio imobiliário, criando enormes conflitos entre os agentes, transformando-se numa tarefa gigantesca para as autoridades municipais. O aumento vertiginoso da população em resultado da migração do interior para o litoral, redundou numa pressão urbana sem precedentes e facilitou a degradação da cidade.

Este fenómeno aconteceu em todas as cidades…
Sim, em maior ou menor dimensão, aconteceu em todas as cidades de Angola. O mercado e as perspectivas económicas da época obrigaram a que proprietários de casas nos bairros nobres começassem a arrendá-las ou vendê-las a empresas ou pessoas singulares a preços de ouro. Estes proprietários, por sua vez, começaram a solicitar e a adquirir terrenos noutros bairros como Compão, Bairro da Luz, Taka, Gama, Luongo e assim sucessivamente. Da mesma forma começou a procura desenfreada de lotes para construção de hotéis e similares e instalações fabris.

Começou então a venda abusiva e ilegal de terrenos…
Não seremos de certeza menos patriotas se afirmarmos que naquela época, o Estado em geral, e os governos locais, em particular, foram, por razões óbvias, incapazes de prover lotes de terrenos devidamente infra-estruturados para fazer face à grande procura, o que facilitou a indisciplina urbanística, o negócio imobiliário informal e o surgimento de conflitos de terras. À degradação do Lobito acresce o candente problema das estradas. Grande parte das vias do interior dos bairros encontra-se em estado sofrível. Em relação às avenidas principais, importa sublinhar que todas recebem um fluxo intenso de trânsito e elevadíssimas cargas. As ex-avenidas Norton de Matos (Obelisco-Africano) e Paulo Dias de Novais (Bombeiros-Bairro da Luz), por exemplo, são parte integrante da Estrada Nacional 100. Este conjunto de factores levaram o Lobito a chegar ao ponto em que se encontra hoje. Os problemas infraestruturais são, sim, de alta complexidade e sensibilidade.

Como conheceu o Lobito?
Eu cresci no Lobito, nos bairros do Alto Liro e da Caponte. Por isso, cresci brincando e jogando a bola nas salinas, nos largos, praças como do 1º de Maio onde está hoje a Shoprite e aprendi a pescar e a nadar nas margens dos mangais da Caponte. No local onde hoje está a Sonamet havia a lagoa do “Caloverde”, que fazia as nossas delícias. No local onde está as AAA, na Caponte, junto ao mangal, havia o areal (aterro de areias provenientes da dragagem do Porto). Em relação aos demais sinto-me absolutamente tranquilo, mas prefiro não entrar em detalhes. Não tenhamos ilusões. A Baixa da cidade do Lobito foi conquistada aos pântanos, salinas e à Baía. O nosso malogrado Diabiky já o dizia na sua canção: “olupito movava” – Lobito na água. Vale lembrar que as primeiras referências sobre o território que hoje constitui a cidade do Lobito constam das cartas geográficas de S. D’Abbeuuille de 1656 e posteriormente das cartas gerais de 1790. Indicam que os mangais do Lobito estavam cheios de ostras (para alimentação e produção de cal para exportação para o Congo Belga por via marítima) e de árvores chamadas tungas (para a construção de casas na Catumbela e Benguela). Eu vivo no Bairro da Caponte do Lobito desde 1977 e já não cheguei a observar nada disso. Então? Como desapareceram? Está provado que os aterros que ocorreram no Lobito e a intervenção do homem nos mangais são processos que já levam mais de 200 anos, sendo nitidamente uma consequência do desenvolvimento económico e demográfico da região, impulsionado pelo Porto e pelo CFB. Não havia (tenho dúvidas de que haja), como acontece hoje em todo o mundo, uma consciência de sustentabilidade ambiental para travar as forças do mercado.

Como avalia a qualidade ambiental da cidade do Lobito?
Durante a nossa comissão de serviço no Lobito, todas as decisões do projecto da refinaria foram antecedidas de estudos de impacto ambiental com discussão pública. A nosso pedido, o projecto da refinaria executou algumas compensações à comunidade do Lobito, nomeadamente a asfaltagem de mais de 20 quilómetros de vias na zona Alta da cidade até à entrada da Hanha do Norte e outras acções e na própria Aldeia da Hanha. Na minha opinião, o maior factor de impacto ambiental nos mangais do Lobito, tirando a exploração de ostras e de madeira no século XVI, ocorreu por volta de 1980 quando, por força da situação militar, se instalou a Central Térmica do Lobito (CTL), de 20 MW, na triagem junto aos mangais. A poluição sonora e a descarga de combustíveis e óleos desta central, ao longo de 25 anos foi nefasta para a manutenção da fauna e flora dos mangais do Lobito. Esta Central Térmica foi desactivada.

Fonte: Jornal de Angola

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