Editorial

Big Brother Bancários

A mediatização do crime na nossa sociedade passou a ter outros contornos e abordagens com o surgimento das redes sociais. Se antes havia um jornalismo que “filtrava e trabalhava” a informação, no sentido de se evitarem certas exposições e violações de regras deontológicas, hoje, por via redes sociais, tudo nos chega à velocidade de um cometa. As imagens são partilhadas sem filtros e viralizam numa fracção de minutos, lançam a polémica e o debate no Facebook e no WhatsApp, aumentando a sensação de insegurança e os apelos de punição. Nos debates todos passam a ser experts em matéria criminal, todos dominam Direito Penal, todos julgam e condenam, todos dominam a investigação criminal, todos são jornalistas de investigação e exímios na construção de notícias. Todos têm uma solução para o problema, mas o curioso é que o problema persiste.

Nas últimas semanas foram bastante mediatizados e noticiados vários assaltos (alguns deles resultaram mesmo em mortes) nas imediações de agências bancárias, sendo as vítimas pessoas que tinham estado antes nessas agências a realizar operações bancárias. Criou-se logo um clima de suspeição popular, uma relação causa-efeito entre os assaltos e os funcionários bancários, criando-se a ideia (e em alguns casos mesmo certezas) de que os meliantes teriam uma fonte de informação que funcionava (ou funciona) nas agências bancárias. Está descoberta a origem de todos os males: os funcionários das agências bancárias eram quem passava a informação sigilosa sobre os clientes aos meliantes! Ponto final! Circularam nas redes sociais e na imprensa tradicional os áudios em que pessoas relatavam as suas experiências ou desconfianças em relação aos funcionários bancários (sem fazer prova dos factos) e tomou-se o “todo” pela “parte”, ou seja, por uns passaram a pagar todos. Estava colocado o rótulo e o alerta circulava através de mensagens explícitas nas redes sociais ou implícitas nas notícias, nos debates televisivos, nos pronunciamentos de altos responsáveis da Polícia Nacional e do sindicato dos trabalhadores bancários: os funcionários bancários são cúmplices dos assaltos.

Com a nossa vocação de justiceiros virtuais sobre realidades e matérias que não dominamos, acabamos por substituir o princípio de presunção de inocência pelo princípio de presunção de culpabilidade, ou seja, os bancários são os culpados até prova em contrário! A Polícia Nacional “convoca” os responsáveis da banca para consultas e nisso junta a imprensa para que o encontro tenha impacto mediático e também para “mostrar serviço” à população. Na reunião alerta as chefias bancárias para controlarem os seus funcionários e vai mais longe, advertindo também que, doravante, o levantamento de certas quantias monetárias só será possível com a presença e protecção da Polícia Nacional. Sugere ainda que os funcionários bancários deixem de utilizar os telemóveis no local de trabalho e até a ideia de se “fumar” os vidros das agências bancárias se ouviu. E eis que surge o sindicato dos trabalhadores bancários a propor o maior absurdo do momento: escutas telefónicas aos funcionários bancários. Sim! Colocam-se os seus telemóveis sob escuta e está o problema resolvido. O homem deve pensar que é assim simples. É só chegar com a polícia à Unitel e à Movicel e declarar “todos os bancários sob escuta” e já está. Não há questões de Direitos, Liberdades e Garantias consagradas na Constituição a respeitar. Com um sindicato como este os bancários estão tão mal servidos que já nem precisam de inimigos.

Concordo que em muitos casos os bancos têm investido pouco e até falhado no capítulo da formação dos seus funcionários. Há uma grande preocupação com o domínio de operações bancárias, balanços e balancetes, entre outras, e ficam de parte questões éticas e deontológicas. A facilidade com que alguns destes funcionários violam o sigilo profissional põe muitas vezes em causa o seu prestígio e o das instituições perante os clientes. É uma realidade que temos alguns bancários que já estiveram presos ou estão presos porque quebraram a confiança dos clientes nas instituições bancárias. Outros que, pelo facto de lidarem diariamente com altos valores monetários ou terem o dinheiro à mão de semear, não resistem e acabam por meter “a mão na massa” alheia. Daí a generalizar-se a ideia de que os funcionários são os principais culpados destes crimes que acontecem nas imediações das agências bancárias, de os rotular como criminosos, de procurar limitar os seus direitos, liberdades e garantias, de criar um clima de desconfiança entre os clientes e os bancários é um exagero e uma grave falta de prudência. É até negativo para a imagem do País no exterior, pois quando o Presidente João Lourenço, o ministro Manuel Augusto (Relações Exteriores), a ministra Vera Daves (Finanças) ou os embaixadores forem procurar captar investimento estrangeiro para Angola, qual será o empresário estrangeiro que vai querer investir num país onde se passa a ideia de que os autores morais dos roubos estão dentro dos bancos? Como se pretende ter sucesso na campanha de “bancarização” nacional quando se espalham de forma deliberada e inconsequente tais suspeitas sobre bancários? E pior é que além dos rótulos também já se faz um escrutínio ao estilo de vida e modus vivendi dos bancários, tendo-se dado início a um triste, grave e lamentável Big Brother Bancários.

Nós somos assim, infelizmente.

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