Como George H.W. Bush ajudou Portugal para a paz em Angola

A administração norte-americana liderada por George H. W. Bush foi fundamental para o desenvolvimento do processo de paz em Angola. “Nessa altura, trabalhei muito com os americanos”, recorda José Manuel Durão Barroso.
“A Administração do Bush-pai foi muito importante porque os norte-americanos estavam muito colados à UNITA mas, com o desenvolvimento do processo de paz, a situação começou a mudar”, diz Durão Barroso, então secretário de Estado dos Assuntos Externos e Cooperação.
“Fui mediador do processo de paz em Angola, estive com Nelson Mandela pouco depois da sua libertação e com José Eduardo dos Santos na noite de 20 de Março de 1990, o que viria a possibilitar a negociação”, prossegue.
“Nesse encontro, Eduardo dos Santos, que sempre se recusara a reunir-se com a UNITA de Jonas Savimbi, abriu a porta para uma primeira reunião”, relata .
“Um encontro que viria a decorrer, de forma secreta, no Conventinho de Évora, e que só muito posteriormente foi divulgado”, destaca.
“Depois, Portugal convidou os Estados Unidos e a URSS para observadores, que indicaram os seus diplomatas Hank Cohen e Smirnov”, precisa Barroso.
O soviético lia todos os dias o Financial Times para, como dizia com ironia perante os acontecimentos da Perestroika, saber se o seu país ainda existia. Então, Cohen, um judeu de Nova Iorque, foi mudando de opinião sobre a situação angolana.
Durão Barroso e os diplomatas tiveram um encontro com Savimbi no Huambo, depois da conquista da cidade pelas tropas da UNITA, quando as relações entre Washington e os opositores do MPLA já se tinham degradado. No regresso a Luanda, Cohen manifesta em voz alta dúvidas sobre Jonas Savimbi. O que, segundo algumas versões, se deveu a uma troca de cartas entre o líder da UNITA e o Presidente dos EUA, que desagradou muito a George Bush.
“Há uma mudança de opinião dos Estados Unidos”, resume Barroso. Uma alteração de posição encadeada numa sequência de factos inovadores da intervenção norte-americana na África Austral.
“A libertação de Nelson Mandela e o fim do apartheid na África do Sul, a independência da Namíbia e a saída dos cubanos de Angola foram três condições fundamentais para as negociações de paz em Angola”, descreve António Martins da Cruz, então assessor diplomático do primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva.
“A pressão para contrariar o apartheid e libertar Nelson Mandela já vinha do tempo do Presidente Ronald Reagan, no entanto, o grande mérito foi de Mandela e de [Frederik Willem] De Klerk, então Presidente da África do Sul”, contrapõe o embaixador Fernando Neves.
“A saída das tropas cubanas de Angola e a independência da Namíbia permitiram o desenvolvimento do processo diplomático “, insiste Durão Barroso.
Então, entra em liça o diplomata Chester Crocker, assistente do secretário de Estado para os Assuntos Africanos do Presidente Reagan quando George Bush era vice-presidente. É nessa condição que Bush -pai vem a Lisboa, em 1986, representando os Estados Unidos na tomada de posse de Mário Soares como Presidente de Portugal com Cavaco Silva em São Bento (residência oficial do primeiro-ministro).
“Cavaco e Bush criaram uma boa amizade em 1986 na posse de Soares, houve um jantar entre eles a que assistiram Pires Miranda, então ministro dos Negócios Estrangeiros, e os respectivos assessores diplomáticos, um dos primeiros jantares que organizei em São Bento”, recorda Martins da Cruz.
É com Bush na vice-presidência e Frank Carlucci, o antigo embaixador em Lisboa no Verão Quente de 1975, como secretário de Estado da Defesa de Reagan que Portugal recebe 12 caças F-16.
Cavaco passa um fim-de-semana na casa de campo do “vice” Bush, um rancho em Kennbunkport, no estado de Maine. “Conservo experiências únicas desta visita, como uma ida no domingo de manhã à Igreja dos protestantes, na qual Bush apresentou o primeiro-ministro português aos fiéis”, prossegue António Martins da Cruz.
“Em 2001, já com Bush como Presidente, estivemos [Cavaco Silva e o seu assessor] na Casa Branca e falámos sobre Portugal, África e as conversações de paz em Angola”, relata Martins da Cruz.
“Bush -pai foi um grande Presidente que soube manter o mundo estável perante a queda da URSS em vez de tentar tirar proveito da fraqueza dos soviéticos”, analisa Fernando Neves.
“Apesar de os EUA terem passado a ser a única superpotência, depois da implosão da URSS, Bush não quis uma ordem unilateral”, concorda Álvaro de Vasconcelos, ex-director do Instituto de Segurança da União Europeia.
“O que é mais relevante da sua acção foi um sentido muito apurado da diplomacia como arte de negociação e compromisso”, destaca .
Foi assim que a libertação do Kuwait foi feita ao abrigo de uma decisão da ONU, com uma vasta coligação internacional e árabe. “Então, estava no Parlamento Europeu e o grande problema era saber se ele iria ocupar o Iraque, como viria a fazer o filho, ele garantiu que não e cumpriu”, recorda Jorge Cravinho.
“Não me lembro de nenhum debate em Portugal, foi uma guerra consensual ao contrário da segunda [invasão do Iraque por George W. Bush], sintetiza Barroso.
Uma acção cirúrgica, com desenvolvimentos na questão palestina, da mesma forma que a relação dos Estados Unidos com a Europa e a reunificação alemã se inscreveu numa época de grande progresso do multilateralismo.
Fonte : PÚBLICO.