CronistasMárcio Roberto

O mundo está mais racista que nunca (?)

Conheci o Bairro da Jamaica através da crónica de Armindo Laureano, “Uma Jamaica lusitana com costela africana”. No texto, o autor falou das origens do bairro e das suas gentes, não deixando de assinalar a precariedade de que se reveste o sítio. Pessoalmente nunca o experimentei, nunca o visitei até assistir da pelicula que ilustrava uma intervenção abusiva, violenta – completamente desproporcional à situação – de agentes da PSP, que “espancavam” a seu bel-prazer uma família Angolana. Incluindo o senhor e a senhora Coxi de 64 e 52 anos de idade, respetivamente. Nunca experimentara tal bairro até aquele instante, pois, cada murro, cada pontapé, cada porretada, cada impetuoso gesto daqueles agentes também feriam-me o corpo, cicatrizaram-me a pele e a alma.

Existe um “alto índice de racismo” em Portugal, indica a pesquiza realizada pela European Social Survey em 2017. Nesta pesquisa, que mede o Racismo Biológico e Racismo Cultural, Portugal obteve dos índices mais elevados: 52,9% no biológico, e 54,1% no cultural, quando a média europeia é de 29,2%.  

Outro estudo, The Role of Egalitarian and Meritocratic Norms on the Depersonalization of Black People O Papel das Normas Igualitárias e Meritocráticas na Despersonalização do Negro (Tradução livre) –, aponta o mesmo, Portugal é dos países europeus mais racistas. Naquele país, “uma pessoa branca quase quotidianamente despersonaliza outra de cor negra e mais rapidamente associa o negro a um grupo em vez de olhar para as suas especificidades”. Ademais, os portugueses preferem selecionar um currículo de uma pessoa branca ao de uma pessoa negra. Portanto, nesse aspecto, “nas atitudes, no tratamento na justiça vamos encontrar um enviesamento do sistema que é muito mais punitivo para as pessoas negras do que para as pessoas brancas”, revela a pesquisa.

À vista disso, é-nos quase impossível dissociar os últimos acontecimentos na Jamaica de um racismo institucional que vai impondo ao negro (em Portugal) a condição de sub-humano, de estranho que ali não “deve miar nem piar”. Importa realçar, não interessa o que terá acontecido antes do acto, pois a verdade todos a vemos, foi abusiva, desproporcional, atroz a atuação dos agentes da PSP, é visível, no acto, a falta de zelo e despreocupação em ferir às vítimas. Conquanto, tentar justificar tais agressões com um apedrejamento, que segundo as vitimas não terá acontecido, é tentar tapar a luz do sol com um filtro de vento, já que a peneira se apresenta mais grossa.

Face à relutância em aceitar o racismo como o principal motivador das agressões, condenemos então, por si só, à violência produzida pelos agentes, uma vez que, independentemente do tom de pele com que somos “pintados”, devemos admitir; é assustador que existam indivíduos, agentes da ordem pública desprovidos dos princípios elementares da sua função. Assim, se hoje batem numa humilde família da Jamaica, amanhã poderão espancar a nossa.

Há que responsabilizar, punir os agentes agressores.

– Os tempos recentes vêm evidenciando cada vez mais a questão do racismo. As agressões na Jamaica conduziram-nos à interrogação seguinte:

Será temos hoje um mundo mais racista?

Na apresentação do relatório anual do Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), no ano transato, o Alto-comissário para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al-Hussein, manifestou a preocupação da organização que representa com a expansão do racismo, da xenofobia e do incitamento ao ódio na Europa. Estes temas chegam a dominar a cena política em alguns países. Recordou que dois terços dos parlamentos europeus têm partidos de extrema-direita. Hungria, Polónia, Áustria, República Checa e Itália são exemplos visíveis da crescente tendência populista, anti-imigração, xenófoba e racista no velho continente.

Na Hungria, o primeiro-ministro, Viktor Orban, um individuo assumidamente xenófobo e racista, chegou mesmo de afirmar que “não quer que a sua cor de pele se misture com outras”. Na Áustria, verificou-se o encerramento de associações, escolas muçulmanas e locais de culto”, bem como uma ampla criminalização dos imigrantes indocumentados para expulsões automáticas. Na República Checa, destaca-se a discriminação dos ciganos e a segregação das crianças desta etnia nas escolas.

Todos os dias somos evadidos por títulos, notícias onde o racismo constitui pano de fundo, isso deve-se a avalanche migratória que se tem registrado da Asia e/ou de África para a Europa, diriam alguns para justificar o racismo e enxaguar a vergonha de rostos alheios. Desconfio muito de tal constatação. Então os casos que vão emergindo de outras partes do planeta como das américas do norte e do sul?

Tenho para mim que o mundo está tão racista hoje quanto o era ontem. Ocorre que de quando em quando, apenas quando lhes é oportuno, os racistas, xenófobos e seus peers manifestam-se. Quando os poderes, sobretudo o político, se lhes assiste favorável e conivente. Com a eleição de D. Trump nas presidenciais americanas de 2016, o universo racista viu-se motivado, e emergiu. É chocante constatar o desprezo pelos migrantes e pelos direitos humanos no Mundo, os países estão demasiado centrados em prevenir a chegada de migrantes e deportar o máximo possível em vez de buscarem vias legais para regular a imigração. A avalanche migratória, o nacionalismos e o protecionismo nada mais são se não subterfúgios para o fortalecimento de uma extrema-direita que não esconde sua cede. O mundo está tão racista quanto sempre o foi.

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