Cronistas

É a hora da mudança – o que mudou?

A conjuntura económica e social angolana apresenta-se particularmente difícil porque é o resultado de muitos anos de estratégias políticas erradas, má governação, apropriação do Estado por uma parte da elite angolana, generalizada corrupção. Este foi o legado que João Lourenço recebeu ao tornar-se presidente da República de Angola, há dois anos. Um presidente oriundo do mesmo partido que governa Angola desde a independência e do sistema político comandado por esse partido, o MPLA.

Apesar destas circunstâncias (ou talvez por isso) João Lourenço tinha consciência de que era necessário realizar urgentes e profundas mudanças: uma nova estratégia económica, uma nova postura do poder perante os cidadãos, a moralização do Estado e da sociedade. E logo anunciou os seus propósitos no discurso de investidura, há dois anos, e em outras intervenções públicas: o combate à corrupção; o ataque a núcleos monopolistas que controlam a economia, ligados intimamente ao seu antecessor; nova política económica; democratização da vida pública; apelo à colaboração da sociedade civil.

O presidente iniciou o seu mandato quando Angola estava mergulhada em profunda crise económica em virtude da baixa cotação do crude, responsável por cerca 95% das exportações e cerca de70% das receitas do Estado, o que demonstra como era e é frágil a economia angolana, inteiramente dependente do petróleo e com fraca produção agrícola e incipiente actividade industrial. Acresce a generalizada insuficiência de estruturas e mau funcionamento de sectores fundamentais como a Saúde e a Educação.

João Lourenço partiu para uma intensa actividade diplomática no sentido de credibilizar Angola na arena internacional e conseguir investimentos para reestruturar o aparelho económico e incrementar a produção de bens básicos e de exportação, no quadro da necessária diversificação da economia. Entre as suas preocupações estavam a reorganização do sistema financeiro. Algo foi conseguido quanto a este sector, mas tardam as mudanças na economia e – pelo arrastamento que vinha de anos anteriores – Angola está em recessão, o que se repercute gravemente na vida dos cidadãos: desemprego a aumentar, inflação, escassez de géneros. Isto num país que tem um crescimento galopante de população levando a que, em cada ano, cheguem milhões de crianças à idade escolar, largas centenas de milhares ao chamado mercado do trabalho, em busca do seu primeiro emprego.

Entretanto, começa a ser visível o combate à corrupção (embora haja quem se interrogue se esse combate não é demasiado selectivo ou suficientemente eficaz). Também há uma outra respiração política, graças à nova postura do poder e de iniciativas de democratização, entre elas a instituição do poder autárquico (havendo alguns sectores contestando os actuais projectos do Executivo, no que toca ao

gradualismo da implementação).

Certamente que o Presidente da República enfrenta muitas dificuldades. As mais sérias resultam dos obstáculos que lhe levantam numerosos membros da elite dirigente do país – nomeadamente dentro do seu próprio partido e alguns dos seus próprios colaboradores (o que talvez possa explicar as frequentíssimas exonerações e nomeações a que assistimos desde o início do seu mandato).

Convém debruçarmo-nos um pouco mais sobre os referidos obstáculos. Tal como já várias vezes afirmei em textos meus, o poder político angolano foi formatado, desde a Independência, para exercer o seu domínio na vida política, económica, social e cultural do país. Ora, nos tempos actuais – que têm de ser de mudança – é necessário abdicar dessa concepção e desse hábito de governar. Por esta razão e pelos obstáculos que encontra, João Lourenço devia procurar na sociedade civil os quadros competentes e credíveis para integrar funções governativas e da alta Administração do Estado. É verdade que logo terá a reacção dos altos membros do MPLA, que se sentem legitimados para só eles serem dirigentes no aparelho do Estado. Por isso, João Lourenço não pode deixar de estar atento ao seu partido: para contrariar essas atitudes e para incutir-lhe a postura correcta neste tempo de necessária democratização da sociedade. Só através da transparência da acção governativa, da democratização da vida nacional e da confiança da sociedade civil é que o presidente poderá vencer os obstáculos que encontra e encontrará na condução do país para a urgente e efectiva mudança que é necessário realizar.

Ao fim destes dois anos de mandato do presidente João Lourenço muitos afirmam que nada mudou. De facto, há um agravamento das condições económicas e sociais das populações, mas isso é o resultado de todos os erros e desmandos da anterior governação (ainda não houve tempo para que novas medidas governativas dessem resultados). Por outro lado, mantêm-se, ao nível do poder, alguns hábitos anteriores: certa improvisação na tomada de medidas; incongruência em decisões; deficiente acompanhamento da execução das medidas. Contudo, são visíveis os esforços para a moralização da vida pública, e uma nova postura presidencial, mais próxima dos cidadãos. As preocupações que João Lourenço manifesta em resolver os complexos problemas do país devem ter mais eco nas populações. Como? Através de acções concretas para minorar as graves carências sociais, implicando não só o anúncio de programas como o PIIM, mas sobretudo a sua eficaz aplicação, o que pressupõe ter gente competente e honesta na sua implementação e saber envolver a sociedade civil.

No meu mais recente livro ANGOLA – A HORA DA MUDANÇA, onde há textos de análise dos últimos anos da governação de José Eduardo dos Santos, há outros sobre discursos de João Lourenço e iniciativas e medidas que foi tomando. Um dos capítulos desse livro intitula-se “Ventos de mudança e interrogações”. Mantenho várias das interrogações ali expressas porque – embora eu reafirme que a hora é de mudança (obrigatoriamente, para evitar o abismo) – a mudança, para se realizar, precisa de mais

medidas de fundo e de políticas mais afirmativas, apesar do grande esforço já desenvolvido.

E neste momento há questões a exigirem adequadas respostas (no seu conteúdo e tempo de implementação). Por exemplo: políticas públicas viradas de forma decisiva para a urgente erradicação da pobreza estrutural; uma reestruturação do sector primário que fixe populações, garanta uma competitiva produção e sua transformação e escoamento dentro de uma sustentabilidade eco-económica; maciça formação de técnicos com vários níveis para operarem na agricultura, indústria, serviços e nos sectores de educação e de saúde.

A profunda mudança de que Angola necessita tem de se concretizar. Está na hora!

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