E agora, Zedú?

E agora, Zedú ?
O Congresso acabou
O reinado terminou
A luz apagou
O povo sumiu
A noite esfriou
E agora, Zedú ?
A culpa é do povo? Do revú ? Ou do bajú ?
Você que é sem nome
Que zomba dos outros.
Você que fez dos discursos, lei
Você que odeia,condena e protesta.
Você que fez Constituição
Parte da sua ementa e degustação
Tudo bem na perfeição.
E agora, Zedú ?
Está sem mulher
Está sem discurso
Perdeu a garra e o pulso
Sente saudades do poder e do luxo?
Ainda pode beber
Ainda pode jogar
Nunca gostou de fumar
E agora, Zedú ?
Você que promoveu o bajú
Perseguiu e prendeu o revú
Era dono e senhor do kumbú
E agora, Zedú ?
A culpa é do povo? Do revú ? Ou do bajú ?
E agora, Zedú ?
Já faz parte da geração da utopia ?
Que grande ironia
Quer ir para o Sambizanga ?
Não adianta, acabou a sua banga
Vai pra Barcelona ?
Quem garante que depois retorna ?
Quer trabalhar com a sociedade civil ?
Você que sempre esteve fechado num covil
Não combina com o seu perfil.
O Kopé? Continua aí ao pé ?
O Dino ? Continua sendo um bom menino ?
O Zé Maria ? Deve achar tudo isso uma heresia .
O MV ? Está zangado e já não quer saber de você .
E agora, Zedú ?
A culpa é do povo? Do revú? Ou do bajú?
E agora, Zedú ?
A sua incoerência e o peso na consciência
Está sem nome na praça, sem graça
E politicamente na desgraça.
Com a chave na mão
Quer abrir o portão
Já não existe portão.
Sozinho na varanda do Miramar
Olhando para o mar
Confinado no seu canto
Planeando o seu último acto
Assim vai o velho Makalakato
E agora, Zedú ?
A culpa é do povo ? Do revú ? Ou do bajú ?
Se você gritasse
Se você gemesse
Se você dançasse
O Semba do povo angolense
Se você sofresse
A dor daquele que padece
Se você perdesse
Se você soubesse
Que o fim seria esse
Talvez outro sucessor escolhesse
É duro.
E agora , Zedú ?
Sozinho no escuro
Feito bicho-do-mato
Sem parede numa
Sem amigos pra conversar
Sem tropas para comandar
Sem Mercedes pretos para “se estilar”
Sem UGP para lhe escoltar
Sem poder para mandar exonerar
Sem o povo para lhe idolatrar.
Você caminha, Zedú !
Para onde, Zedú ?
Para lá do mar
Que você vê da varanda do Miramar ?
É tudo miragem
Acabou a sacanagem
Chega de vadiagem
Terminou a viagem !
E agora, Zedú ?
A culpa é do povo ? Do revú ? Ou do bajú ?
Salambende Mucari.
* Adaptação do poema “José” de autoria de Carlos Drummond de Andrade foi publicado originalmente em 1942, na colectânea Poesias. Ilustra o sentimento de solidão e abandono do indivíduo na cidade grande, a sua falta de esperança e a sensação de que está perdido na vida, sem saber que caminho tomar. A adaptação surge para situar um momento muito actual da realidade política e social angolana. A poesia de Carlos Drummond de Andrade serviu de inspiração para este jovem escriba angolano descrever uma realidade do seu país . Boa leitura e reflexão .