CronistasMárcio Roberto

E as nossas crianças, estão vivas?

Quando pensamos numa criança a imagem que transpira é de um ser feliz, robusto, inteligente e com saúde que, com o passar dos anos, vai assumindo os ciclos dos estudos e brincadeiras. – A criança é a inocência personificada num corpo pequeno e frágil, mas com muitas possibilidades cognitivas. Infelizmente, o quadro inicialmente ilustrado nem sempre se concretiza. Se de um lado, há crianças amparadas por famílias que propiciam todo o aparato para que estas tenham seus direitos assistidos. Do outro, temos petizes criados com e através das precárias condições de vida que suas famílias experimentam. Para mais, a história social da criança revela que os adultos nem sempre valorizaram a infância, por esta razão, a criança nunca foi entendida de fato; o seu papel continua a ser negligenciado pela sociedade.

 

O pior lugar do mundo para nascer ou ser criança já foi Angola. A alta taxa de mortalidade infantil associada ao deficitário sistema de saúde, e ao erguido nível de miséria das famílias, transformaram à terra de Nzinga Mbande num “Estado infanticida”. Em 2015, o país então governado por José Eduardo dos Santos tinha uma média de 166 mortos para cada 1.000 crianças abaixo dos 5 anos. Taxa superior as registadas por países em situação de guerra como a Síria ou o Sudão do Sul. Esta é certamente uma posição que devia envergonhar o regime de JES, este que teve sempre atrelado a si o desmérito de ser “um dos regimes mais corruptos do mundo”, isto quando não o quisessem chamar “o mais corrupto” do mundo, pois o país também liderava este ranking. Entre as principais causas do falecimento de tantas crianças – não maiores de 5 anos – estavam doenças como a pneumonia e a diarreia, enquanto no período neo-natal – recém-nascidos até aos 27 dias – os nascimentos prematuros lideravam os óbitos.

 

Era aflitivo assistir à indiferença do governo angolano que, mesmo diante desta crise, cortou o orçamento da saúde em 30%. Por outro lado, o paradoxo de um país rico em recursos naturais com crianças a morrem feito animais, levou Nicholas Kristof, conhecido repórter da CNN, a visitar Angola para reportar a incongruência. A reportagem de Kristof principia com o cadáver de um bebé, que morrera quando já sobre os cuidados de uma unidade hospitalar no interior do país, a ser enrolado em trapos, enquanto a mãe sussurrava palavras de dor e sofrimento que traduziam as lágrimas que jorrava. Durante os 10 minutos e 8 segundos de película são ilustrados alguns dos problemas que estariam na base do erguido número de mortes, e estes vão deste a carência de hospitais a falta de profissionais qualificados, porém, como sabemos, e também é apontado na reportagem, todos estes males jaziam/jazem sobre os altos níveis de corrupção do governo.

 

Contudo, para a sorte dos nossos pequenos e para a nossa felicidade, Angola saiu do grupo dos 10 países com as maiores taxas de mortalidade infantil no mundo. Porém, está ainda muito longe do lugar desejado, pois, segundo o relatório da Ceoworld Magazine (2018), o país aparece na 12ª posição do ranking liderado pelo Paquistão, país onde mais de 1 em cada 22 crianças morre antes mesmo de completar um mês de vida. O relatório revela que Angola tem atualmente uma taxa de 67,6 mortos para 1.000 crianças abaixo dos 5 anos de idade. Atrás do nosso país, na 13ª posição, está outro país lusófono, Moçambique, com uma taxa de mortalidade a rondar os 66 mortos para 1000 crianças. Em Angola, e um pouco por todos os países que integram a lista dos vinte países com as maiores taxas de mortalidade infantil, as principais causas de óbito continuam a ser as doenças como a pneumonia e a diarreia, assim como a desnutrição e os nascimentos prematuros.

 

 

Evidentemente, a redução do número de mortes para menos da metade ilustra uma tendência positiva. Todavia, reiteramos, os números ainda estão longe do ideal e muito distante dos Objectivos do Milénio que ambiciona alcançar um máximo de 25 mortes a cada mil nascimentos. Por isso, Angola terá de multiplicar por cinco o ritmo do combate à mortalidade infantil, isto se quiser alcançar os objectivos acima mencionados. E, portanto, é aqui onde surge nosso maior receio, apesar de melhoramos significativamente o ranking e experimentarmos um redução na taxa de mortalidade infantil, não vemos medidas serem tomadas para prevenir que voltemos a ser o pior país do Globo para se nascer, não existe um projecto de governo que vise reformar e melhorar o sector da saúde. Pelo contrário, assistimos a degradação do sistema. Os hospitais não têm medicamentos, quase metade da população ainda não tem acesso aos serviços de saúde, e ainda assim assistimos, boquiabertos, o novo governo alocar uma fatia ínfima, extremamente irrisória para o sector no seu OGE inaugural. Enfim, não há sinais que nos ajudem a perspetivar dias melhores para a saúde, dias felizes para as nossas maternidades e hospitais pediátricos. “Não há sinais de que nossas crianças deixarão de morrer como cães” (com o devido respeito que ostento e merecem aqueles e todos os outros animais).

 

Todos estes “senãos” poderão indicar que a melhoria no serviço de saúde voltado para as crianças, que resultaram na redução da taxa de mortalidade infantil, é mera aparência, é uma melhoria não substancial e temporária. Voltar para o primeiro lugar poderá ser só e apenas uma questão de tempo. Por isso, é urgente e vital que o governo desenvolva e execute um programa que objective reformar, melhorar e fortalecer o sector da saúde, é necessário investir em infraestruturas e qualificar os profissionais de modo a encararem os desafios do sector.

 

À vista do exposto, neste décimo sexto dia do mês de Junho, mais que desejar um “feliz Dia da Criança Africana” às nossas crianças, quero as desejar “vida”, quero que elas, as crianças angolanas, tenham toda a sorte necessária para sobreviverem num país hostil à sua existência.

 

“Saúde prás crianças africanas – Saúde prôs povos africanos ”

 

 

 

 

 

 

 

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