CronistasMárcio Roberto

E se Catalunha e Espanha estivessem na África? E se Espanha fosse um país africano?

No Sudão (1973), um movimento separatista que, veio a chamar-se Exército Popular de Libertação do Sudão (EPLS), liderado por John Garang, resolveu fazer soar a voz independentista que dominava o sul do país. Magicamente o grupo obteve “assets” bélicos e logo, iniciou-se uma guerra que até 2005 foi a mais longa registada em solo africano.

Surpreende-nos, e não podemos deixar de expor, o crescimento bélico do movimento rebelde independentista/separatista. Pois que, os Estados Unidos da América (EUA), confessaram apenas apoiar o grupo com “equipamento militar não-letal”, ou seja, apenas forneciam umas comidinhas, aguinhas e uniformes militares, “nada de armamentos”… Então, de onde terão as armas vindo?

Após declarar seu apoio aos rebeldes do EPLS, os EUA bombardearam uma fábrica farmacêutica na capital sudanesa, Cartum, alegando que a fábrica produzia armas químicas e que estava ligada a Osama Bin Laden. Em 2011, o país partiu-se em dois, e desta forma, temos hoje dois míseros Sudões, o Sudão e o Sudão do Sul, que além de registarem instabilidade interna, disputam sangrentamente a região de Abyei, uma região rica em petróleo.

Podíamos servir-nos de outros casos como o Etíope e Eritreu, o Marroquino e Sahara Ocidental ou mesmo o caso da Líbia, afinal, todos eles ilustram a “ingerência externa” da qual os países africanos têm sido vítima.  

Os catalães vêm reclamando independência para suas terras há anos, “muitas águas passaram”, até que, o governo catalão decidiu realizar o primeiro plebiscito (2014), onde 80% dos eleitores votaram a favor da separação, a favor da independência. No entanto, a justiça espanhola, considerou o processo ilegal.

No dia 1 de outubro, realizou-se o segundo plebiscito da história da comunidade, 90.9% dos eleitores votaram a favor do divórcio com Espanha. Espanha, mais uma vez, considerou o processo ilegal. Curiosamente, os EUA e a Organização das Nações (des)Unidas (ONU), que normalmente lideram as incursões bélicas em África, têm feito “vista grossa”, até agora não reagiram, nem a realização deste último plebiscito, nem as “surras” com que as tropas madrilenas têm brindado os cidadãos catalães. Bruxelas, por sua vez, veio através de Margaritis Schinas, porta-voz do bloco europeu, anunciar que não reconhece o plebiscito na Catalunha e insiste que a votação violou as “regras internas” e a constituição da Espanha. Por isso, a União Europeia (UE) qualifica a votação como um “assunto interno”, sendo que, a Catalunha com a independência unilateralmente declarada estará fora da UE. A porta-voz acrescentou ainda que, na base de todo este escarcéu está um “diminuído número de indivíduos” separatistas que querem forçar a independência da comunidade.   

A UE ignorou completamente ou esqueceu-se de verificar o resultado do plebiscito, afinal, assim como em 2014, este último plebiscito terá atestado a vontade dos catalãs de se separarem do Reino de Espanha. E não, não se trata de um diminuído número de indivíduos, são milhões os catalães desejosos de ver seu povo independente.

Por outro lado, salta-nos a vista o respeito que a UE declarou e demonstra ostentar pelos “assuntos internos” do estado espanhol. É uma pena que o mesmo não acontece com os países do continente berço, que assistem frequentemente suas soberanias serem violadas, e na maior parte dos casos, sustentadas por resoluções das Nações (des)Unidas.

Porém, o pronunciamento da EU foi prudente, uma vez que, a independência da Catalunha traria instabilidade para todo o continente, já que poderia servir de modelo para que outras regiões fizessem o mesmo, fracionando a Europa em pequenas nações. Prudente, também foi Carles Puigdemont, o presidente da Catalunha, que na terça-feira declarou a independência da região e imediatamente pediu a sua suspensão para que se iniciasse um processo de negociações. Puigdemont, pediu também à UE que se “empenhe a fundo e que vele pelos seus valores fundacionais”.   

E se Espanha e consequentemente, Catalunha estivessem na África?

Adivinho que, já todos ostentamos a resposta à esta questão. Sem subestimar a criatividade ocidental, o teatro começaria com um comunicado deles, apelando ao diálogo entre as partes envolvidas, depois, alguns aviões das forças americanas sem querer, “só mesmo sem querer”, deixavam cair alguns armamentos em Catalunha e assim, os separatistas já podiam combater as forças governamentais. Pouco depois, a Espanha estaria mergulhada numa guerra destrutiva e impiedosa com suas gentes.

Não podendo, distraidamente, voltar a “deixar cair” armas aos rebeldes, que nesta altura, calcula-se, já teriam algumas cidades catalães sob seu controlo, o ocidente, sempre liderado pelos EUA, inventaria alguma resolução com o carimbo da ONU para intervir no conflito, talvez, uma resolução que impusesse uma zona de exclusão aérea. Afinal, em África, o ocidente defende incondicionalmente a libertação e autoafirmação dos oprimidos e subjugados povos do continente.

A guerra tornaria-se cada vez mais desumana e sangrenta, e só terminaria depois que, a Espanha estivesse partida ao meio, a família real decapitada, os governantes, aqueles com sorte de sobreviver a chacina que se iniciara, teriam assento garantido no Tribunal Penal Internacional. E assim, embora de forma sangrenta e destrutiva, Catalunha conquistaria sua independência muito mais rápido se tivesse em África, do que o fará ou possivelmente o terá já feito estando na Europa.

“No entanto, desejamos que, o caso Catalão sirva de exemplo para África e suas gentes, deformas que, aprendam a substituir as armas pelo diálogo”.

Biografia
Márcio Roberto, nasceu em Luanda, aos 8 de maio de 1990. É licenciado em Relações Internacionais (Política-cultural). Autor do livro infantojuvenil “Inventores Negros”, reside em Londres, onde também encontra-se a concluir a sua segunda Licenciatura em Gestão de Negócios. É um confesso apaixonado por literatura e saxofones.

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