Cronistas

Eleições em Angola: Um Sociodrama que sai de cena?

Foram publicados os resultados definitivos das eleições de 23 de Agosto. Neste pleito eleitoral ganhou o MPLA. Terá 150 deputados na Assembleia Nacional e o conjunto da oposição terá 70. Ou seja, o partido do poder tem mais do dobro dos deputados que os oponentes; ou seja, terá as mãos totalmente livres para aprovar as modificações constitucionais ou leis que eventualmente desejar conceber.

Eu não duvido do facto de que o MPLA ganhou estas eleições de 2017, mas posso questionar se a sua vitória teria sido assim tão expressiva, apesar dos recuos em relação a eleições anteriores.

E porquê as minhas dúvidas?
Começo pelo próprio processo eleitoral. Recordo que ficou publicamente evidente ter havido irregularidades e atropelos que os próprios observadores da SADC referiram. Ao reconhecerem a maneira ordeira como decorreram as eleições, eles também aconselharam a que certos procedimentos sejam revistos em próximas eleições. Pouco depois dos fechos das urnas, desencadearam-se vigorosas contestações e justificações. No meio das paixões partidárias – traduzidas em comunicados, desmentidos e comentários individuais nas redes sociais – apareceram, contudo, serenas análises, tranquilos questionamentos como os de Reginaldo Silva, Ismael Mateus e Nok Nogueira sobre as contradições de um longo processo pouco transparente, começado no registo eleitoral e terminado na publicitação dos resultados. Entre os vários factos referidos, estão a preponderância do Ministério da Administração do Território no processo e a subalternidade da CNE, a maciça utilização de meios estatais em favor do partido no poder (com destaque para a comunicação social), a atabalhoada e inexplicável atitude da CNE ao publicitar resultados provisórios globais não escrutinados devidamente.

É certo que a oposição foi obrigada a disputar as eleições segundo as regras ditadas pelo seu adversário, o MPLA, partido no poder desde a Independência. Ela contestou, em diversas fases, aspectos do processo eleitoral e denunciou os procedimentos da CNE no apuramento e divulgação dos resultados das eleições. Contudo, não foi capaz de contrapor aos números publicitados outros números que refutassem de modo liminar os anunciados oficialmente. Apenas elencou atropelos à lei.

Na minha opinião, a oposição perdeu perante a esmagadora máquina que é o MPLA, um partido-estado, dono do poder em Angola há 42 anos, mas continua a ser o partido mais transversal à tão diversa sociedade angolana e fez uma inteligente e poderosa campanha eleitoral. Outra razão é o facto de a oposição ainda não ter conseguido apresentar às populações um programa verdadeiramente alternativo ao do seu adversário. Registe-se, porém, as suas significativas vitórias em Cabinda e Luanda

Chegados ao fim deste tumultuoso sociodrama que foram as eleições em Angola, temos mais uma vez um MPLA com plenos poderes para legislar e governar como quiser, através de um executivo que a Assembleia Nacional está impedida de fiscalizar por ser presidido pelo presidente da república (esta foi, há tempos, a opinião do Tribunal Constitucional). Teremos um novo presidente da república, é certo, mas com as mesmas prerrogativas sobre o poder judicial e legislativo que o anterior, garantidas pelo figurino da Constituição de 2010.

Todavia este quadro não é o adequado ao actual momento de Angola porque é urgente vencer-se a crise e procurar as melhores vias para o futuro. Para isso falta o essencial: a capacidade de o MPLA abandonar a sua concepção de partido-estado com a qual tomou o poder em 1975. É tempo de os seus dirigentes, quadros e militantes abandonarem a sua persistente e arrogante atitude segundo a qual os outros só podem existir como cidadãos na medida em que o MPLA o permitir.

A realidade não se compadece com estas concepções e posturas porque o país precisa de todos e porque a tão necessária plena cidadania – a todos abrangendo – irá beneficiar o colectivo nacional, mesmo a elite dona do poder.

Infelizmente ainda não vejo significativos sinais nesse sentido. No entanto, bastante já mudou em Angola com estas eleições:

  • O MPLA foi fortemente contestado no seu emblemático bastião, Luanda, o que reflecte peremptoriamente o desagrado da população pela sua governação
  • O temor de maus resultados eleitorais exigiu grande mobilização nos meios afectos ao MPLA, o que levou ao reaparecimento de personalidades que estavam marginalizadas e possíveis novas ideias no seu seio
  • Na oposição, o cerrado combate eleitoral levou a alianças e à maior visibilidade de personalidades portadoras de ideias de progresso
  • -Na sociedade civil emergiram vozes descomplexadas fazendo múltiplos questionamentos, entre eles a diminuição do papel intervencionista  e coercivo do poder político sobre a sociedade.

Enfim, respirou-se melhor neste período eleitoral. Faço votos para que as janelas continuem abertas e melhor se aproveitem os eventuais ares saudáveis.

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