
Em entrevista ao semanário Expresso, publicada na véspera da sua primeira visita de Estado a Portugal, reconheceu que vai ser um trabalho árduo recuperar o dinheiro depositado no estrangeiro, por isso, o Estado vai recorrer aos “chamados caçadores de fortunas”.
João Lourenço disse que o importante é haver vontade de reaver esses recursos.
“O Estado vai ter que fazer acordos judiciários com outros Estados, como o que fez com Portugal para, desta forma, em várias frentes, ir apertando o cerco até que se descubram os esconderijos do dinheiro de Angola”, afirmou João Lourenço.
O Presidente da República reconheceu que o processo de recuperação do dinheiro transferido ilegalmente para o estrangeiro vai ser longo.
“Isto vai acontecer em maior ou menor medida, e as pessoas que não pensem que em Janeiro de 2019 vamos anunciar: olhem, recuperámos todo o dinheiro que saiu de Angola ao longo destes anos…”, disse.
O chefe de Estado angolano pediu trabalho conjunto entre polícias, serviços secretos, unidades de informação financeira, bancos estrangeiros, entre outros serviços.
“Não posso ser mais claro do que isto, não posso dizer se já estamos a fazer isso ou se vamos fazer. O simples facto de termos dado uma moratória de seis meses, alguns talvez tenham já tentado ludibriar as autoridades…”, disse.
João Lourenço disse não conhecer ainda caso de algum angolano que tenha repatriado voluntariamente para Angola o dinheiro que tem no estrangeiro.
Questionado se admitia, perante a gravidade de alguns dos casos de corrupção praticados alegadamente no mandato do ex-Presidente, que este possa um dia vir a ser chamado a depor em tribunal, João Lourenço afirmou que :
“Há um estatuto do ex-Presidente, em que estes, seja qual for a situação, durante um certo período, não podem ser incriminados. Por outra razão, se os crimes são cometidos por outrem, quem os cometeu que assuma a responsabilidade”.
João Lourenço afirmou que “prestaria um grande serviço à nação” se José Eduardo dos Santos, numa situação de fragilidade e de desespero, viesse publicamente dizer que deu oportunidade de negócios a muita gente mesmo que incluísse o cidadão João Lourenço.
” Eu encorajá-lo-ia a fazer isso mas, mesmo que não denuncie quem beneficiou do banquete, as figuras que de forma vergonhosa delapidaram o erário são conhecidas…”, acrescentou o Presidente da República.
João Lourenço afirmou que não tem receio nem necessidade de esconder que os activos que tem foram adquiridos ao longo de anos.
“Não sou milionário e muito menos bilionário. Não me sinto parte do grupo de pessoas que, sem justificação, têm grandes fortunas”, acentuou .
Questionado sobre se sentia que traiu a confiança que o ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, depositou nele, João Lourenço rejeitou falar em traição.
“Não me fale em traição. São conhecidos os que traíram a pátria, a nação conhece-os, sabe quem são e o que fizeram”, afirmou.
Cofres do Estado vazios
O Presidente da República admitiu ter ficado surpreendido com o facto de, depois de José Eduardo dos Santos ter estado 38 anos no poder, a passagem de testemunho ter sido feita em menos de meia hora.
“Para ser sincero, a mim também me surpreendeu. Não era, portanto, isso que esperava (…) Esperava uma verdadeira passagem de pasta em que me fosse dado a conhecer os grandes dossiês do país e isso, de facto, não aconteceu”, afirmou João Lourenço
Questionado se achou isso estranho, o Presidente João Lourenço disse :
” Não tenho que me lamentar se voluntária ou involuntariamente nada me foi apresentado. Era minha obrigação ir atrás dos dossiês e conhecer a fundo o que se estava a passar”.
O chefe de Estado afirmou que foi empossado no auge da crise que se instalou em 2014.
“Como se isso não bastasse, ainda houve a tentativa de retirada dos parcos recursos do Estado de cerca de 1,5 mil milhões de dólares para serem depositados numa conta no exterior de uma empresa de fachada”, afirmou João Lourenço.
O Presidente da República qualificou esta acção como “uma jogada de alto risco”. Felizmente, graças à colaboração da autoridades britânicas, foi abortada, depois de terem saído 500 milhões de dólares”, reconheceu João Lourenço.
“Esta é a situação que encontrámos : os cofres do Estado já vazios com a tentativa de os esvaziarem ainda mais !”, acrescentou.
Em relação ao confisco de bens dentro e fora do país de pessoas que se oponham ao repatriamento voluntário de capitais ilicitamente saídos de Angola, João Lourenço disse que nestas situações é difícil ter noção do valor exacto do montante e, muitas vezes, aproximado.
“Sabe-se que serão recursos avultados. Conhecemos experiências idênticas, como a da Nigéria”, disse, reconhecendo que foi difícil encontrar os dossiês sobre o assunto.
“Estivemos diante de uma anormalidade com despachos feitos em vésperas da minha investidura, nomeadamente, entre outros, sobre o porto da Barra do Dande, para favorecer quem pretendiam favorecer. Nada me foi dado a conhecer, apesar de ser o Presidente-eleito…”desabafou João Lourenço.
João Lourenço afirmou que tudo isto está já ultrapassado.
“Com base nas descobertas que fui fazendo, num curto espaço de tempo, imprimi una dinâmica de trabalho jamais vista com importantes reformas em praticamente quase todos os domínios”, acrescentou.
Fonte: Jornal de Angola.