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Estreia literária de Israel Campos devolve esperança à nova geração

Romance "E o Céu Mudou de Cor" foi apresentado em Lisboa para uma plateia ávida em participar das mudanças no país

“E o Céu Mudou de Cor” (também) para o jornalista Israel Campos no final da tarde desta quarta-feira, 22 de Fevereiro, na rua Duque de Palmela, 4, em Lisboa. A sala da livraria LeYa foi pequena demais para tanta gente (e gente boa!) interessada em testemunhar o brilho deste jovem de 22 anos de idade que, como realça no prefácio Alexandra Simeão, nasceu já adulto.

A cerimónia de apresentação e sessão de autógrafos da sua primeira obra literária foi uma demonstração de que existe, ainda, alguma “Esperança” no seio de muitos cidadãos angolanos, na diáspora ou não, a depositar nesta “Geração da Paz” da qual Israel Campos faz parte, e, com ela, uma luz além do céu cinzento que paira sobre o país.

Embora diante de uma plateia cheia, na qual se distinguia o pai, Graça Campos, um “dinossauro” do jornalismo escrito em Angola, e a sua progenitora, o bom do “miúdo” manteve-se sereno todo tempo (perto de três horas), mas aparentemente satisfeito com a presença de cada um e até surpreendido com as apresentações feitas à volta do seu livro, nomeadamente pela arquitecta angolana Maria João Teles Grilo e pelos jornalistas, também angolanos, João de Almeida e Sedrick de Carvalho.

A arquitecta foi a primeira a tomar a palavra na cerimónia de apresentação do romance “E o Céu Mudou de Cor”, centrando a sua reflexão no espaço físico em que se desenrola a estória (ou as estórias) narrada por Israel Campos: uma Luanda marcada por uma certa bipolaridade “que tem a ver com a tal cidade dos endinheirados e todas as outras pessoas dos bairros, vulgo musseques, que não têm água potável nem luz eléctrica”.

“Israel fala neste livro de uma situação problemática que é o facto de o poder estar sempre a empurrar e a criar barreiras, a criar cisões para que as pessoas destes bairros não acedam a chamada cidade do cimento, à cidade do betão”, refere, citando o autor que a dado momento escreve: “como se se tratassem de dois mundos a parte situados geograficamente exactamente no mesmo sítio”.

Maria João Teles Grilo considera este romance como “um livro claramente político”, com situações de pessoas que se mantêm indiferentes à autocracia ou cleptocracia. “Eu costumo dizer que não levantamos a cabeça desde há mais de 500 anos – tivemos 400 anos de escravatura, 100 anos de colonialismo e há 47 anos que temos andando numa ditadura encapotada…”.

O jornalista João de almeida começou por considerar Israel Campos como “o futuro do futuro”, uma expressão usada pela prefaciadora Alexandra Simeão que parece dar algum alento à “Esperança Moribunda” cantada por Don Kikas. “Acho que quando a gente fala ou escreve sobre “Esperança” num livro estamos a falar de coisas profundas, que podem ser atingidas”.

“Sente-se, no livro, que o autor está angustiado com o contexto, com a vida dos angolanos naqueles bairros de Luanda”, disse, considerando Israel Campos como um bom contador de estórias. “Para quem quiser saber da vivência, dos dramas dos nossos jovens nos bairros de Luanda certamente que este livro é um dos melhores indicadores e uma das melhores referências”.

Sedrick de Carvalho vê o livro como um perfeito guião de fácil adaptação ao cinema, e também como um registo de várias reportagens sobre as quais esteve de forma emocionada a falar durante exaustivos 45 minutos, caindo na tentação de querer “contar” o que todos na plateia queriam ler com os próprios olhos.

“Estamos só a escrever qualquer coisa que nos ocorra e preocupe”        

 Foi com estas palavras que Israel Campos “justificou” o nascimento do seu primeiro romance, intitulado “E o Céu Mudou de Cor”.

“Em casa, ao escrevermos, estamos só a escrever qualquer coisa que nos ocorra e preocupe. E eu tenho esta preocupação; para quem conhece um bocado o meu trabalho é nítida a preocupação que tenho com o nosso país e é nítida também esta reflexão que estamos constantemente a fazer: que país é que nós queremos? Que papel é que nós, jovens, podemos desempenhar neste país?”.

O jornalista refere que é importante pensar que cada geração acaba por ter uma responsabilidade histórica, e no caso de Angola, houve uma geração que lutou pela independência em 1975 e outra que contribuiu para o alcance da paz em 2002.

“E nós, o que seremos ou o que precisamos de ser? Tive essa resposta nas últimas eleições em que estive a trabalhar como jornalista, onde vi a firmeza com que os jovens estavam decididos em controlar as eleições, garantir que as eleições não fossem roubadas. Há essa preocupação, e eu partilho desta preocupação”.

Graça Campos, pai de Israel, tomou a palavra e disse sentir que o seu filho lhe tira um peso da consciência ao assumir que a sua geração tem de participar na construção de um futuro melhor para o país.

“Frequentes vezes, em nossa casa, o Israel e os seus amigos responsabilizam a minha geração e a anterior pelo desastre do país; dizem que o nosso país está no estado em que está porque não fizemos o suficiente, não lutamos o suficiente. Isso é um bocado injusto; muitos de nós demos o melhor que tínhamos, interrompemos a formação porque era preciso ir para as forças armadas, fazer uma série de coisas; não foi por falta de vontade, de determinação da nossa parte. E é bom que a tua geração assuma de facto a responsabilidade do país, porque nós, de facto, já não temos muito para dar”, disse, provocando risadas e arrancando aplausos na plateia.

O livro e o autor

A estreia de Israel Campo no mundo da literatura com o livro “E o Céu Mudou de Cor” tem como parceiro a Kacimbo Editora, de direito angolano. O romance, apresentado inicialmente à margem do encontro literário “Correntes D’Escritas 2023”, a 16 de Fevereiro último, na Póvoa de Varzim, norte de Portugal, conta com prefácio da colunista e ex-vice ministra da Educação de Angola, Alexandra de Victória Pereira Simeão.

“Israel Campos nasceu num tempo de indefinição, em que muitas coisas deixaram de fazer sentido em Angola e, por isso, cresceu preocupado com o “futuro do futuro”, começa por escrever a colunista que mais a frente refere: “faz parte da Geração da Paz, aquela que votou pela primeira vez e pela primeira vez esta geração defendeu o seu voto. Uma geração que não está contaminada pelos desentendimentos do passado, que acredita que a mudança vai acontecer (…)”.

Nascido em Março de 2000, na capital angolana, Israel Campos é licenciado em Jornalismo pela City University of London, trabalhando como jornalista freelancer entre Luanda, Lisboa e Londres. Começou a sua carreira como locutor da Rádio Luanda e actualmente é colaborador do serviço em português da VOA (Voz da América) e da BBC (British Broadcasting Corporation). Teve passagens pelo jornal O País e pelo site informativo Maka Angola.

EM 2021, foi vencedor do prémio “EU GCCAA+ Youth Awards for the best climate storytelling”, da União Europeia; em 2022, foi finalista dos prémios Free Press Award e do prémio “Amnesty Media Award. Foi ainda homenageado pelo seu contributo ao jornalismo, numa acção da Gala Afrodescendente realizada em Zurique, Suíça.

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