Falando do ano político que findou, 2019

O ano findo, 2019, foi caracterizado por intensa actividade presidencial, pela renovação da UNITA e pelo agravamento da situação económica e social.
João Lourenço, desde que iniciou o seu mandato, tem proclamado a necessidade de democratização do País, combate à corrupção e medidas de reestruturação económica. Em Junho deste ano, no sétimo congresso extraordinário do MPLA, o presidente voltou a falar na democratização do país e no combate à corrupção. No seu discurso do estado da Nação, proferido na Assembleia Nacional, em Outubro, referiu duas escolhas estratégicas do seu Executivo: democratizar e instituir no país uma clara e eficiente economia de mercado. Na sua mensagem de Ano Novo, João Lourenço frisou que havia mais liberdade de expressão em Angola, melhor ambiente de negócios, tudo isto necessário para relançar a economia.
No que respeita à democratização da sociedade e uma profunda reconciliação, João Lourenço, no prosseguimento do ano anterior, deu claros sinais. Em Maio foi criado por decreto presidencial a Comissão para o Plano de Acção de homenagem às vítimas de conflitos políticos; em Julho foram realizadas oficialmente as exéquias fúnebres de Savimbi. Em Novembro, por ocasião da celebração da Independência, João Lourenço condecorou várias personalidades da luta de libertação, muitas a título póstumo, algumas tidas como traidoras pelos presidentes anteriores. Entre os vivos condecorados, destaca-se o activista Rafael Marques, que denunciou os actos de corrupção e repressivos no consulado do anterior presidente, José Eduardo dos Santos (JES).
Elemento fundamental da democratização é a instituição do poder autárquico. Tanto o Executivo como a oposição estão de acordo sobre esta asserção. Em Julho, Governo e UNITA apresentaram na Assembleia Nacional projectos de lei sobre modelo e modos de implantação do poder autárquico. Na discussão no parlamento, havia divergências sobre o modo de sua implementação: ou só em certas regiões inicialmente, ou no todo geográfico. O pacote legislativo ainda não acabou de ser aprovado; com este atraso será difícil que o poder autárquico seja implantado em 2020, conforme fora anunciado.
No combate à corrupção, tão enfaticamente referido nos discursos presidenciais, assistiu-se ao súbito acordar da PGR para a investigação de actos daquela natureza e a prisões e julgamentos mediáticos. Entretanto, era encetada a reforma na Justiça com a criação de mais comarcas. Em Fevereiro houve a detenção de funcionários, foi prolongada a prisão preventiva de Zenu e ficam proibidos de sair do país Kopelipa e Rabelais, objectos de investigação judicial. Em Abril foram arrestadas empresas dos generais Dino e Kopelipa. Em Junho, começou o julgamento do ex-ministro dos Transportes, Augusto Tomás que acabaria por ser condenado a pesada pena de prisão. Nas vésperas do sétimo congresso extraordinário do MPLA, o presidente assinou decretos para confiscação de empresas de Manuel Vicente, generais Dino e Kopelipa. Ainda neste Junho o general Zé Maria era colocado em detenção domiciliária até ao seu julgamento que se iniciou em Setembro e se concluiu em Dezembro com a sua condenação, mas pena suspensa. Em Novembro funcionários bancários eram colocados sob vigilância policial por suspeita de tráfico de divisas.
Abordando agora as medidas governamentais referentes ao sector económico, verifica-se que, em 2019, o Executivo prosseguiu a sua política de busca de ajuda externa imediata e a médio prazo; tomou medidas para atrair investimentos externos e encorajar o investimento interno, reorganizar o aparelho do Estado sobretudo ao nível da fiscalidade, sanear o sector financeiro.
Na procura de apoio externo, João Lourenço esteve na China, na Rússia, nos Emirados Árabes, no Vaticano. O FMI concedeu créditos, assim como o Banco Mundial. Procurou alargar a cooperação com Portugal em vários domínios nomeadamente na Justiça. O presidente português foi calorosamente recebido em Março deste ano e a ministra portuguesa da Justiça fez prolongada visita de trabalho a Angola, em Abril. Em Novembro era aprovada na AN a Lei sobre branqueamento de capitais, instrumento para melhorar a credibilidade externa de Angola. Iniciou-se o programa de privatização das numerosas empresas de que o Estado tem a propriedade. Em Agosto foi publicada a lista de grande e médias empresas a privatizar, em Novembro foi decidida a privatização de grandes fazendas agrícolas do Estado. Para encorajar empresários nacionais a investirem foi criado em Junho um programa especial de ajuda financeira no quadro do PRODESI (Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações). Por outro lado, para acudir a carências graves, foi lançado em Junho o PIIM (Programa Integrado de Intervenção nos Municípios), financiado com dois mil milhões de dólares do Fundo Soberano. Foi lançado (tardiamente, diga-se) um plano de socorro às populações do Sul vítimas de uma seca que dura há anos. Na reorganização fiscal há a salientar a difícil implantação do imposto IVA, a partir de Outubro.
Portanto, vemos que o Executivo está preocupado em implementar uma eficiente economia de mercado, objectivo que implica porfiado combate à corrupção e credibilização de Angola no Exterior.
No combate à corrupção, João Lourenço tem tido como alvo principal o superpoderoso núcleo político e económico constituído pelo ex-presidente, JES, a sua família e indivíduos da sua confiança política e pessoal. O que quer dizer que esse combate visa muita gente, incluindo notáveis do MPLA.
Daí os obstáculos que o presidente tem encontrado: na própria actuação dos colaboradores que escolhe; nas resistências que encontra dentro do seu partido; no encapotado ou aberto incitamento à revolta por parte de indivíduos do poderoso núcleo que referi. As frequentíssimas exonerações e nomeações efectuadas por João Lourenço desde a sua tomada de posse talvez se possam explicar pelas dúvidas que ele tem quanto ao desempenho de muitos dos seus colaboradores ou pela falta de confiança neles.
Além da virulenta campanha de Tchizé dos Santos contra o presidente, chegando (em Maio) a pedir publicamente a sua destituição, há outras manobras e acções menos visíveis que levaram João Lourenço, no Congresso da JMPLA, em Outubro, a denunciar a campanha contra o seu governo que, segundo ele, era conduzida por “aqueles que sugaram o Estado”. Essa campanha é suficientemente multiforme e forte para ter levado o próprio Samakuva, então ainda líder da UNITA, a afirmar publicamente o seguinte: “as forças de bloqueio que estão no governo, nos tribunais, na banca, na academia, em todo o lado, saíram da toca, reorganizaram-se e querem atacar”.
No combate contra os seus opositores internos João Lourenço recorreu à realização de um congresso extraordinário do MPLA, em Junho, onde foi aprovado o alargamento do Comité Central que passou de 363 membros para 497, ou seja um aumento de 37%. Consequentemente foi renovado o Bureau Político e o Secretariado deste órgão, certamente com indivíduos da sua confiança. Dois meses depois era o congresso da Juventude do MPLA, onde houve renovação de responsáveis.
No campo económico e social, em 2019, continuaram ou agravaram-se os problemas porque o país não tem uma economia diversificada, vivia de importações pagas com as avultadas receitas do petróleo, cuja cotação se mantém baixa. O país não tem meios financeiros, não tem divisas, o kwanza desvalorizou-se (vale cinco vezes menos que em 2015), a economia está em recessão. Tudo isto se reflecte negativamente no quotidiano das pessoas.
João Lourenço tem bastante apoio político internacional e Angola tem recebido apoios financeiros, mas é crucial que haja investimentos na economia angolana, em todos os sectores, e no quadro da sua diversificação. Ora esses investimentos tardam. O Executivo não conseguiu o tão propalado objectivo de fazer retornar ao país os capitais exportados ao longo dos anos por aqueles que, como ele disse, sugaram o Estado. Os constrangimentos financeiros diminuem a capacidade de os empresários angolanos investirem. Apesar das leis aprovadas para encorajarem o investimento externo e das anunciadas medidas de reorganização e moralização do Estado, não são visíveis os seus efeitos porque são profundos e endémicos os males de que padece o aparelho estatal. Este facto e a crescente criminalidade desencorajam os investimentos, essencialmente os externos.
Neste quadro, sobem as reivindicações sociais e políticas. Há greves, há grupos de activistas incitando a manifestações e os partidos da oposição levantam a voz. Na realidade, a oposição partidária, exceptuando a UNITA, tem fraco desempenho. Este partido realizou em Novembro um congresso para eleger novo presidente. Nesse congresso, o presidente que saía, Samakuva, afirmou que “Angola chegou ao fim de um ciclo, o ciclo do MPLA, preparando-se para entrar no ciclo da UNITA”. A eleição do novo presidente, Adalberto Costa Júnior, parece indicar que este partido entrou em profunda renovação, abandonando a cartilha de Muangai e as referências savimbistas para entrar na discussão dos problemas do país e de perspectivas do futuro. Resta ver que soluções propõe, que capacidade terá para atrair os descontentes com a governação e com a preponderância do MPLA e, até, como a UNITA será capaz de atrair muitos dos simpatizantes ou militantes do partido governamental, que estejam desiludidos.
Um elemento essencial na democratização e na realização de medidas governativas tendentes ao progresso do país é o recurso à sociedade civil e à sua valorização. Tem havido aberturas do Executivo nesse sentido, mas são insuficientes, a ponto de vários sectores estarem a perder a confiança que depositaram na mudança de presidência ocorrida em 2017. Para um Executivo obter a confiança da sociedade civil é necessário que a escolha para cargos de responsabilidade, seja feita por critérios transparentes: a competência e o abandono da prática de só recrutar no círculo do partido no poder. Portanto, é urgente encetar a despartidarização do Estado.
Em suma, 1919 foi um ano de muitas medidas do Executivo que ainda não produziram efeitos visíveis na reestruturação do aparelho do Estado, no crescimento económico, nem no quotidiano das pessoas. A imagem presidencial tem sofrido desgaste devido à situação económica e social do País e à campanha de indivíduos do núcleo em torno de JES (detentor de enorme poder económico e político), bem como à acção de alguns activistas. No plano exterior, o presidente continuou a gozar de forte aceitação. No campo da oposição só a UNITA se distinguiu: pela implantação que tem; pela sua coesão; e pela renovação que parece ter encetado.