“Interesse Público” ou “interesse do MPLA”?

Antes de começar a descrever os aspectos positivos e negativos verificados pelo Termómetro da Imprensa (TI), na semana 20-26 de Fevereiro de 2018, a partir de meios de comunicação social situados em Luanda (local de amostra da minha observação), permita-me fazer uma introdução sobre a “razão” de ter posto o título “Interesse Público” ou “Interesse do MPLA” na edição de hoje.
Há muito que reparo que não há um respeito rigoroso pelo “Interesse Público”, consagrado na Constituição da República de Angola (CRA) e na Lei de Imprensa. Poucos órgãos de comunicação social angolanos respeitam o “peso” do “Interesse Público” nas decisões do alinhamento informativo de seus jornais, assim como nos critérios que adoptam para se fazer reportagens, entrevistas, crónicas e opiniões. É verdade! Até uma crónica ou opinião tem de ter “Interesse Público”.
A problemática do que deve ser definido como “Interesse Público” não é singular a Angola. Na verdade, “é uma problemática dos media no século XXI”, segundo professores universitários que já tinham alertado sobre isso, principalmente nos séculos XX e XXI. Vários jornalistas chegam a casa maldispostos, depois de serem contrariados – no ângulo de abordagem que tiveram de dar a uma determinada matéria de sua autoria, contra a sua vontade, ou mesmo pela escolha do tema jornalístico que teve de desenvolver, por orientações superiores – pelos seus editores/chefes de redacção/directores de informação, com base em interesses muitas vezes alheios ao jornalismo isento e imparcial.
Os que defendem o “mal-fazer” poderão dizer que não existe “jornalismo isento e imparcial” em nenhuma parte do mundo para justificar as suas más práticas diárias. E nós, angolanos, somos especialistas em imitar o errado para servir como exemplo. Pode até não existir uma isenção e imparcialidade como os medias desejariam. Mas que existe jornalismo mais evoluído que outros ninguém (honesto) me pode contrariar.
Então, por que não investir num jornalismo mais evoluído e sonharmos ser classificados mundialmente como um dos melhores?
Aí vem a problemática do “Interesse Público”. O que pode ser considerado “Interesse Público”? “Interesse Público” é “interesse privado”? É divulgar a vida privada das pessoas?
Hodges, no seu livro “Privacy and the Press”, diz que o jornalista se confronta diariamente com a determinação da fronteira entre o direito da sociedade a saber e o direito do indivíduo a ocultar, que impõe a necessidade de caracterizar o conceito de interesse público. O jornalista e Professor Convidado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, em “A noção de interesse público e a defesa da vida privada”, diz ser consensual que “interesse público decorre do direito-dever dos jornalistas a informar, para satisfação do direito do público a ser informado, e que obedece a balizas tão definidas quanto possível. (…). Em jornalismo, interesse público não coincide forçosamente com interesse nacional, não traduz o interesse das audiências, habitualmente associado pelos teóricos ao “interesse do público”, no sentido de saciar curiosidades mórbidas.”
David Morrison e Michael Svennegic, em “The Public Interest, the Midea and Privacy”, referem que um estudo realizado na Grã-Bretanha em 2002, envolvendo jornalistas, reguladores e representantes da indústria dos media e do público, os inquiridos caracterizaram “interesse público” como “direitos do público que devem ser do conhecimento geral” (34%), “efeitos no público” (28%) e “interesse nacional” (3%).
Como pode ver, a variável “direitos do público que devem ser do conhecimento geral” pesou mais que um eventual “interesse nacional” ou “interesse de grupos que nomeiam gestores para os órgãos de comunicação social”.
Um partido no poder, ou que tem capacidade decisiva para nomeação/exoneração de gestores que definem conteúdos de órgãos de comunicação social, sente-se tentado a confundir as suas “decisões” de conteúdos com “interesse nacional” (na sua óptica), visto que dificilmente vai deixar passar notícias e informações que passem um cheque com valor imensurável de incompetência a si próprio. Principalmente em países africanos, o normal é sempre culpabilizar o anterior governo, a anterior gestão, a anterior qualquer coisa e nunca a sua gestão actual.
Portanto, o jornalista (sério) deve ter cuidado para não ser um mero instrumento de propaganda de quem está no poder. Deve saber definir bem o que é “interesse público” e o que é “interesse de privados” – mesmo que estes privados representem hipoteticamente a maioria de um determinado público. Não se pode confundir “interesse público” com “interesse do público”, alerta o jornalista e Professor Paulo Martins.
Agora que já fui buscar ideias de pessoas que sabem mais do que eu, deixe-me, por favor, começar com o negativo no TI de hoje, para seguirmos o raciocínio da minha introdução.
O Negativo
Por ordem de peso negativo, começo com a entrevista da TPA, realizada pelo jornalista Paulo Julião, director-geral da TPA, na passada sexta-feira, 23, no programa designado “Grande Entrevista”, cujo entrevistado foi o jornalista e escritor “Sousa Jamba”. O mesmo entrevistado que terá revelado “estórias” de Jonas Savimbi (assassino familiar) no Jornal de Angola, uma matéria que “mereceu” manchete e que já foi analisada aqui no nosso Termómetro da Imprensa com o título “Savimbi ressuscita na Imprensa”.
Paulo Julião começa a “Grande Entrevista” – que pode ser uma “Entrevista Grande” – fazendo uma apresentação do currículo do entrevistado. Não explica a “razão jornalística” de o seu programa ter escolhido uma “Grande Entrevista” na Televisão Pública de Angola, em horário nobre, com o jornalista Sousa Jamba, que duas semanas antes também deu uma “Grande Entrevista” para o Jornal de Angola e que mereceu um grande destaque com o título em letras garrafais “SAVIMBI ERA UM HOMEM CHEIO DE CONTRADIÇÕES”.
A primeira pergunta que me veio à cabeça foi: Sousa Jamba outra vez num órgão público em menos de duas semanas, e numa semana em que se aprovou, na generalidade, a Proposta de Lei sobre o repatriamento de capitais? Numa semana que se registou enchentes com danos materiais e humanos por causa da chuva? Numa semana em que o Presidente da República dá uma luz (tímida) para a realização das Autarquias Locais? Qual é o interesse público que existe numa “Grande Entrevista”, numa televisão paga com a contribuição de todos os angolanos, com um entrevistado jornalista, por mais currículo rico que tenha, numa semana com conteúdos claramente de interesse público? Qual é a ligação de Sousa Jamba com o público para merecer tanto destaque nos últimos tempos?
Para não tirar ilações precipitadas, preferi gravá-la para a analisar com calma. É possível que as minhas perguntas iniciais não faziam sentido. Preferi seguir a “teoria do absurdo” e, por acaso, deixei de respirar até ao fim da entrevista. Não pretendia perder nenhum momento. É assim que reparei que Paulo Julião começa por descrever o currículo do entrevistado, tratando-o por “tu” – o mesmo que aconteceu com o jornalista Santos Vilola na entrevista do Jornal de Angola, um tratamento que os manuais de jornalismo não recomendam, pelo menos para a nossa realidade.
As nossas regras de tratamento têm peso gramatical e cultural. Recomenda-se que se trate as pessoas com quem não temos intimidade, supostamente o equidistante entrevistado, neste caso, por “você”, por mais que seja nosso amigo, para demonstrar certa equidistância com a fonte e maior credibilidade do “sumo” do exercício jornalístico. O público precisa de sentir que o jornalista está a fazer um trabalho profissional. Não é uma conversa entre dois amigos ou com o nosso filho, como a que fazemos diariamente – com diferença de haver câmaras a filmar e microfones pendurados no casaco ou na gravata –, mas uma conversa profissional. E a conversa profissional, em jornalismo, tem regras. Não é uma conversa num programa de entretenimento em que se podia usar uma linguagem menos formal.
1.ª pergunta do entrevistador: Sousa, vem a Angola com muita regularidade? (Tem interesse público?)
3.ª pergunta: E como é que tem visto Luanda ano após ano quando vens nestas suas vindas por Luanda? (Tem interesse público?)
Repare que o entrevistador deixa transparecer haver “intimidade” entre si e o entrevistado, pois “escorrega” no uso do tratamento por “tu” e “você” ao mesmo tempo, o que já peca na variável “Interesse Público”. O uso das duas formas de tratamento revela ou desconhecimento das regras de tratamento por parte do entrevistador – o que, ao ser verdade, pode ser considerado “grave”, face ao cargo (director-geral) que o referido jornalista tem – ou tem mesmo “intimidade” com o entrevistado, o que terá pesado no critério de escolha para uma “Grande Entrevista” num órgão público. Parte-se do princípio de que um jornalista com uma função tão elevada domine as regras de tratamento que devem ser usadas numa “Grande Entrevista”. Fico mais inclinado para a segunda hipótese, embora não descarte a primeira.
Eu estava à espera das “reais” perguntas da entrevista. Pretendia perceber a relevância da entrevista e lógica jornalística de ter sido convidado o mesmo entrevistado que terá revelado que Savimbi era um “serial killer” no Jornal de Angola na era “João Lourenço”, há poucos dias.
A impressão que tive é que o entrevistador fez várias perguntas genéricas ao entrevistado, com o sentido de o conduzir a fazer elogios “forçados” ao Executivo. Perguntava sempre o antes e depois em algumas coisas, de âmbito social, que, à partida, como é de domínio público, constituem de facto evolução – mesmo que tímida! –, e a pergunta de uma (pseudo)abertura na imprensa, para fazer uma comparação com o “reinado” de José Eduardo dos Santos não fugiu à regra.
Há “interesse público”?
É assim que quase a terminar a entrevista, faltando 15 minutos de uma Grande Entrevista de uma hora, o entrevistador questiona uma alegada censura por parte da UNITA no lançamento de um livro em que, segundo diz, pretendia revelar assassinatos de Savimbi. Ou seja, o entrevistador já sabia do assunto e isto terá pesado para a definição do seu “interesse público” numa televisão pública.
Não vê quem não quer que existe claramente um “investimento” da imprensa pública (Jornal de Angola e agora a TPA) na procura de distracções de “interesse público”. Está-se a confundir “interesse público” com “interesse do MPLA”. É preciso mudar o quadro, sob pena de cairmos nos mesmos erros do passado, com a diferença de termos tido um Presidente com um nome e agora outro com outro nome, mas que representam as mesmas práticas que provaram não ser a solução para os problemas do povo angolano.
Várias máterias podiam ser abordadas na “Grande Entrevista” de sexta-feira da TPA. Se eu estivesse naquela redacção, teria definido a matéria da Proposta de Lei sobre o Repatriamento de Capitais como “Interesse Público” prioritário, pelo sentido de oportunidade, já que ainda não foi aprovada na especialidade. A Televisão Pública podia desempenhar um grande serviço púbico se apresentasse os argumentos de razão do maior partido da oposição, para o “cavalo de batalha” do MPLA (combate à corrupção), já que, para falar sobre a visão do Executivo sobre a futura lei, se faz todos os dias. Por que não explorar uma “Grande Entrevista” com assuntos e pessoas que poucas vezes falam na TPA? Se é para fazer forçosamente “Grande Entrevista”, podiam ter convidado um jurista ou responsável da UNITA, uma vez que é a única força na oposição que apresentou uma proposta de lei diferente da do MPLA, sobre um assunto do momento: fazer o dinheiro de Angola voltar ao país.
A produção de conteúdos que nos podem “salvar” devem merecer outro tratamento e até incentivo. Noutrora, falava-se muito que a UNITA só criticava e que não apresentava soluções para o país. Por que não explorar as “soluções” apresentadas pelo maior partido da oposição? Não teria maior interesse para os angolanos mostrar os argumentos defendidos pela UNITA, para uma lei tão importante para Angola, mesmo se tais argumentos tivessem de ser reprovados pelo público? O presidente do grupo parlamentar da UNITA, Adalberto Costa Júnior, teve de fazer uma comunicação via internet para fazer passar a ideia da UNITA, quando temos uma televisão pública, de todos nós (supostamente) para servir os angolanos, sem excepção. Se o problema é fazer uma “Grande Entrevista” com um responsável da UNITA, que se promovesse um debate com todas as forças políticas, incluindo especialistas e cidadãos apartidários que pudessem apresentar publicamente as suas ideias. Por que não aproveitar as eventuais boas ideias de todos, para se melhorar a lei que ainda pode ser alterada?
Luaty Beirão, por exemplo, também apresentou ideias, via internet, que reprovam tanto a proposta do MPLA quanto a da UNITA. Com a realização de um “Grande Debate”, o público e o próprio Executivo podia colher as boas opiniões de todos. Por que se perdeu uma grande oportunidade para se mostrar que estamos mesmo noutra era da imprensa pública? Vamos esperar cometer-se eventuais más decisões na lei para depois correr atrás do prejuízo?
“Outronão”, noto que não existe um espírito de união entre os vários órgãos de CS. Cada órgão pretende mostrar que é melhor que outro imitando o que os outros fazem bem, mas sem fazer igual ou melhor.
Nos países normais, quando um órgão entrevista alguém que diz alguma coisa de interesse público, o normal é ir buscar a gravação e citar a fonte. Não há necessidade racional de se convidar a mesma fonte para falar sobre o mesmo assunto em todas as rádios e TV. Sousa Jamba já tinha passado pela MFM em Dezembro do ano passado, numa entrevista conduzida por João de Almeida. A LAC também o convidou na semana seguinte para o “Café da Manhã” de José Rodrigues. Há menos de duas semanas, o mesmo entrevistado fala para o Jornal de Angola. A TPA também o convidou para dizer a mesma coisa. A seguir vai à RNA ou à TV Zimbo?
O normal é que os gestores de conteúdos dos órgãos fiquem sempre atentos ao que os concorrentes fazem para, se acharem necessário, fazerem menção das “bocas” do entrevistado e citar a fonte. Não é desprestígio nenhum uma TPA buscar uma peça bem feita da TV Zimbo e vice-versa, desde que se cite a fonte da peça primária. E o seguimento, com outros ângulos de abordagem, até pode ser mais vantajoso para quem retomou a mesma matéria, em termos de concorrência, do que para quem noticiou em primeira mão. O “exclusivo” não pressupõe maior qualidade nem maior “interesse público”, pois os consumidores das matérias também avaliam os ângulos de abordagem de cada um. E quando algo já não é novidade perde interesse. O que Sousa Jamba disse na TPA, que não disse na MFM, LAC e Jornal de Angola? E não fique surpreendido que ainda pode aparecer numa “Grande Entrevista” na RNA depois de mais alguns dias para dizer exactamente a mesma coisa, pois não há união entre os órgãos de comunicação social em Angola. Ninguém consegue pedir uma peça do outro e citar a fonte, o que noutros países é absolutamente normal.
Penso que se deve reflectir bem e agir com urgência sobre os critérios que se usam, nos órgãos públicos, principalmente, para se definir o que é “Interesse Público” e o que é “interesse privado”, sob pena de se estar numa (pseudo)abertura à imprensa, mas, em termos de conteúdos, sermos iguais ou pior do que o passado.
Abertura não é “plantar” as mesmas pessoas nos comentários do Telejornal, como se cada um tivesse de ir assinar o ponto. Cada tema deve merecer um tratamento diferenciado de alguém que percebe mais do que outros. Os fenómenos são variáveis. Os entrevistados também o devem ser. A prova disso é que, positivamente, o telejornal da TPA, de domingo, 25, abordou a questão da aprovação da Proposta de Lei sobre o Repatriamento de Recursos Financeiros, mas, negativamente, com comentadores residentes que mostraram apenas duas visões sobre a referida matéria: MPLA e CASA-CE. A UNITA, que até produziu uma Proposta de Lei, não teve espaço para mostrar aos angolanos o que produziu. A CASA-CE, que não produziu nada, apenas ficou na abstenção, teve voz. Aí está o perigo de se ter comentadores residentes de partidos políticos no Telejornal, como se só os políticos é que podem opinar num espaço que tem a contribuição financeira de todos. É preciso adequar os temas aos correspondentes entrevistados/comentadores. E não precisam ser todos militantes de partidos. Onde fica a sociedade civil? Onde ficam os técnicos?
A segunda nota negativa vai para a imprensa pública no geral, porquanto não noticiou o facto de os jornalistas Rafael Marques, Graça Campos, Severino Carlos e Mariano Brás terem sido constituídos arguidos num processo que, aparentemente, não se vê atropelo nenhum por parte dos colegas no exercício da sua profissão, rumo à liberdade de imprensa que tanto se apregoa. Não percebo por que a Angop, Jornal de Angola, RNA e TPA conseguiram “fingir” que não viram nem ouviram nada a respeito. Até prova em contrário, todo o mundo é inocente – quanto mais colegas da mesma classe!
Quando um órgão de comunicação social público não “defende” – noticiando e procurando investigar o que se passa – os seus próprios colegas de profissão, não podemos considerar haver “abertura” na imprensa, já que os queixosos são angolanos que desempenharam altos cargos na gestão cessante do país, num mandato de um Presidente que ainda é o primeiro do partido que governa, o mesmo partido que é do actual Presidente da República. Onde está a abertura na imprensa pública com tais comportamentos? Eu não vejo.
Positivamente, sublinho, aqui a postura da rádio MFM e do jornal “O País” que destacaram o facto de os referidos jornalistas terem sido constituídos arguidos e até foram buscar argumentos jurídicos que apontam que não se pode criminalizá-los.
A terceira nota negativa vai para a Rádio Nacional de Angola, um programa designado “Sábado 10 e 10” – substituiu o “Tendências e Debates” –, que mereceu publicidade no Telejornal de sexta-feira, com rosto da administradora da TPA para conteúdos, Paula Simons. Positivamente, há de facto “interesse público” em percebermos cada vez mais os moldes de como serão realizadas as Autarquias Locais antes de 2022, como apontou o discurso do Presidente da República, João Lourenço, em Benguela na semana passada. Dou aqui uma nota negativa porque a apresentadora do espaço – e há a questão de se um (a) administrador (a) para a área de conteúdos pode ou não apresentar uma “Grande Entrevista” ou “debate”, algumas vozes defendem que não, uma delas é a do conceituado jornalista Ismael Mateus que antes de ser indicado para o Conselho da República criticou Francisco Mendes da TPA, no seu facebook, por fazer o mesmo exercício na mesma condição de chefia, restando saber se mantém a mesma opinião agora que é membro do Conselho da República! – não trouxe também nada de novo ao público angolano na entrevista feita ao ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, Adão de Almeida.
Para não variar, o entrevistado chamou responsáveis da UNITA de “pouco sérios” por terem sugerido a data de 2019 ou 2020 como a ideal para a realização das Autarquias. Criticou a oposição, por ter avançado datas, mas não respondeu à pergunta da entrevistadora sobre qual para si seria a data ideal para as eleições Autárquicas no país. Mostrou claramente que está a depender da decisão do Titular do Poder Executivo. E a entrevistadora não conseguiu mesmo a resposta até ao fim. Concretamente, Adão de Almeida não conseguiu dizer nada de novo. Mostrou vários paradigmas de outros países sem mostrar soluções para Angola. Volto à minha pergunta “qual é o Interesse Público” que esteve na base de se retirar da grelha um espaço de debate (Tendências e Debates), que dava oportunidade a várias vozes, com ideias diferentes, para se criar uma “Grande Entrevista”?
E um ministro para se falar o que Executivo já explicou sobre a sua visão do gradualismo, o que já se sabe, para quê? Não seria mais fácil dar voz, por exemplo, à UNITA, que produziu a primeira Proposta de Lei sobre o Poder Local, antes mesmo do MPLA, para explicar a sua visão? Por que não se manteve o espaço de debate para dar oportunidade a várias vozes, incluindo as da oposição, e até com cidadãos apartidários? Em vez de pluralizarmos vamos singularizar a RNA? É este o caminho certo?
Por outro lado, o que os manuais de jornalismo orientam, em relação a um novo programa na grelha, é explicar ao público o que mudou e porquê. O Tendências e Debates tinha o seu público tradicional. E mais: a entrevistadora Paula Simons termina a entrevista dizendo que estava a conversar com o referido ministro, de uma maneira que não obedece às regras de cortesia que se deve ter no fim de uma entrevista, e entra a seguir uma música, com vozes do estúdio ainda no fundo do som. Uma demonstração de que o trabalho de casa não terá sido bem feito. Estranhamente, a música é cortada de repente e a apresentadora, no mesmo espaço que parecia ter sido encerrado, entra com o jornalista Ismael Mateus ao telefone. Outra pergunta surge: por que o jornalista Ismael Mateus entrou para reagir num espaço aparentemente de “Grande Entrevista”, quando o entrevistado (o ministro) já se tinha sido despedido? Aliás, foi a própria jornalista que “forçou” o entrevistado a despedir-se por “imperativos de tempo”?
E o caricato é que Ismael Mateus entra a discordar dos argumentos do ministro. Daria um debate e não uma entrevista, então, não? Qual é o verdadeiro objectivo do novo espaço “Sábado 10 e 10”? É termos “Grande Entrevista” para depois pôr alguém a reagir, sem justificar ao ouvinte por que se reage depois de terminar a entrevista com a figura do Executivo escolhida, ou o “Tendências e Debates” continua com mudança de nome e com um formato de debate em que há uma figura principal a ser entrevistada, e depois aparece, no fim do programa, uma voz a concordar ou discordar?
Não fez muito sentido, tanto mais que o editor do jornal das 13h, Africano Neto, nem sequer conseguiu destacar um título, fruto da entrevista que tinha acabado de ouvir no exclusivo à RNA. Quando se produz um programa com essa natureza, o objectivo é sempre produzir notícias ou informações relevantes para alimentar o jornal da própria estação que o produziu. Do ponto de vista jornalístico, Africano Neto – o editor que entrou a ler os destaques que começaria às 13h, uma prática que já era do extinto Tendências e Debates – agiu bem em não anunciar nenhum título vindo da entrevista, pois Adão de Almeida não disse nada de novo. Não houve notícia. Houve uma ou outra informação. O novo programa da RNA, com voz de Paula Simons, começa mal. Vou acompanhar a próxima edição para perceber bem o que se pretende com o “Sábado 10 e 10”, com o sentido de ter uma opinião jornalística mais bem formada, já que eu não percebi nada.
Quarta nota negativa vai para o Exclusivo TPA no telejornal de domingo, que mostra uma alegada apreensão de 500 quilogramas de cocaína no Porto de Luanda, uma peça da jornalista Florência Baltazar. O Telejornal, positivamente, abriu com uma notícia: apreensão de droga abre qualquer jornal do mundo. É notícia. O negativo é que o “Exclusivo TPA” não mostra o que põe no lead, lido pelo apresentador Alexandre Cose. Na entrevista com o director nacional da Interpol, Destino Pedro, fala-se que existe um flagrante delito com informações presumíveis de um facto que pode não ser facto de facto. O entrevistado diz “… estamos a proceder à apreensão de presumivelmente droga, o produto se presume droga na base dos textos preliminares que fizemos e as quantidades provavelmente estarão ali a rondar acima de 400/500 quilos, ainda não fizemos a pesagem certa de todo o produto mas deduz-se estar entre os 400 e 500 quilos.”
E depois diz que a apreensão aconteceu “graças à cooperação entre polícias africanas e europeias que prestaram a informação devida a Angola.” Ora, se a apreensão é fruto de uma investigação policial – que se pressupõe ter elementos que mostram haver crime –, por que o discurso em baseado em suposições e qual é a dificuldade de se saber se a mercadoria veio em nome de quem, se o navio tem um registo? E se saiu do Brasil quem mandou a suposta droga para Angola, já que há cooperação com outras polícias? Há ou não investigação? E por que não entrevistou os responsáveis do navio? Por que não se entrevistou responsáveis do Porto de Luanda? Será que é uma rede? Será que as medidas de segurança no Porto de Luanda são as ideiais? Podia explorar a matéria em vários ângulos. Se era para não dizer nada, não havia lógica do “Exclusivo TPA”.
A jornalista ficou presa no discurso do dirigente. E com a agravante de ter noticiado presunções. Noticiou um “presumível facto”. O facto não é presumível. Ou é ou não é. Não se tem a certeza de nada, mesmo com investigação feita por outras polícias do mundo, o que não deixa de ser curioso. Se a jornalista tivesse perícia em jornalismo investigativo, teria pensado fora da caixa. É preciso que os jornalistas tenham cuidado para não servirem de papagaios de dirigentes. O trabalho de um jornalista com perfil para um telejornal (sério) é buscar factos com as devidas provas, independentemente de ser “exclusivo” ou não da estação. E se for exclusivo até tem margem de manobra para apresentar um trabalho mais bem elaborado e com alguma profundidade. Não precisava de ter pressa de lançar a matéria, já que só a TPA é que esteve no tal “flagrante delito”.
A quinta nota negativa, ainda relacionada com a Polícia, dou à abertura do Telejornal de terça-feira, com Mário Vaz. Abre com uma matéria seca de um discurso do comandante-geral da Polícia Nacional, comissário-geral Alfredo Mingas “Panda”, revelando – o que, na verdade, não é novo, já o tinha feito no seu primeiro discurso de tomada de posse – a venda de patentes dentro da instituição e uma alegada existência de efectivos que recebem salários sem fazer nada.
Esta notícia/informação não é nova. Já não pode ser notícia de abertura de um Telejornal. O comandante-geral está sempre a repetir os mesmos discursos desde que tomou posse. O jornalista tem de estar atento para não reportar sempre a mesma coisa. A jornalista ali tinha de lhe questionar o que já fez para resolver um problema que não é novo. Acima de discursos estão os actos. E a sociedade sabe que, da mesma maneira que é possível haver efectivos que tenham patentes sem que o tempo de graduação chegasse, há muita gente na PN que tem a mesma patente há anos sem beneficiar da devida graduação no tempo que devia. E o comandante Panda não é novo na Polícia. Conhece esta realidade. O que fez no passado para inverter o quadro?
O que se pode provocar com tal atitude? Não se propicia a corrupção? Os dois lados têm de ser vistos. Por que uma Polícia, que até tem cérebros e instrumentos de investigação de especialidade, não consegue mostrar actos contra a corrupção? Só fica em discursos? O jornalista não serve para promover populismo. E se o dirigente não quiser dar entrevista para o jornalista completar a sua peça, se quiser ficar preso ao discurso pré-elaborado, o jornalista não é obrigado a elaborar peças “não profissionais”. Se não há novidade no que o dirigente diz, não há interesse público para reportar repetições, ponto final parágrafo.
A sexta nota negativa vai igualmente para o Telejornal da TPA de quarta-feira, 21. O Telejornal deste dia foi um autêntico “copy and paste” do programa “Ecos e Factos”, emitido das 18h às 19h. Positivamente, o “Ecos e Factos” tem tido mais conteúdo jornalístico, sob o ponto de vista do que é “Interesse Público”, do que o Telejornal. Tem dúvida? Repare no “Ecos e Factos” de hoje e compare-o com o Telejornal. Vai ver que o TJ tem estado a socorrer-se das peças do “Ecos e Factos”. Só vê novidade no TJ quem não assistiu antes ao “Ecos e Factos”. Se as matérias são as mesmas das 18 às 19h, não faz sentido haver uma repetição de tudo das 20h às 21h. Ou então substitui-se o “Ecos e Factos” com outro programa. A mesma informação em períodos muito próximos, quando não é um canal de especialidade, não faz muito sentido num jornalismo sério. Até o “alinhamento informativo” (a ordem das peças) foi igual. O principal serviço de informação da Televisão Pública de Angola deste dia foi um papagaio do “Ecos e Factos”, com excepção de três peças, ligadas à promoção do Executivo.
A sétima nota negativa dou à RNA. No tempo de JES, era habitual vermos sempre os mesmos “jornalistas presidenciais” a cobrir actividades dirigidas pelo Presidente da República. Com João Lourenço no poder, verificou-se na segunda, 12, o mesmo cenário. A Rádio Nacional de Angola reportou reacções de membros do Executivo, a propósito das Autarquias Locais, a partir de Benguela, numa reunião dirigida por João Lourenço, com o jornalista Manuel Esperança que trabalha em Luanda. Se a RNA gasta dinheiros públicos para pagar jornalistas espalhados em todo o país, qual é a razão objectiva de se levar um repórter que vive em Luanda para Benguela, quando, supostamente, há lá jornalistas competentes que podem fazer o mesmo trabalho? Não será que pouparíamos dinheiro do Estado se não tivéssemos deslocações de jornalistas de Luanda a províncias onde a Angop, Jornal de Angola, RNA e TPA estão presentes? Há direcções provinciais para quê? Para verbo-de-encher? Os jornalistas “das províncias” não servem para cobrir uma “matéria presidencial”?
A oitava nota negativa dou ao “Comunicado de Imprensa” do MPLA, elaborado, supostamente, pelo “Departamento de Informação e Propaganda do MPLA”, desmentindo uma alegada notícia produzida contra Paulo Kassoma, quando não houve nenhuma notícia de facto. Há uma imagem, até agora, no YouTube sem tratamento jornalístico, e que foi usada para a ligar a dizeres que apontam que um alegado valor de 270 milhões de doláres pertencem a Paulo Kassoma.
Não pode ser tratada como “fake news” porque não é uma notícia sequer. Não havia necessidade de se produzir um comunicado público com uma linguagem musculada, para não variar, já que nenhum jornalista entrou a dizer que o dinheiro da imagem pertencia a militantes do MPLA. E nada garante que o “brincalhão” (se de facto a informação é mentira!) pertence a forças políticas da oposição, como o comunicado tentou mostrar. Quem garante que a “brincadeira” não parte mesmo do seio de militantes do MPLA? É uma possibilidade que pode ser tida em conta pela “teoria do absurdo”. E a “teoria do absurdo” existe.
Por outro lado, é um texto que não respeita as regras da variante-padrão da língua portuguesa que se usa em Angola. Um partido com a dimensão do MPLA não pode mais elaborar comunicados com erros de português de palmatória. Os comunicados públicos são um espelho da instituição que os elabora. Sugiro que o MPLA contrate linguistas para fazer uma revisão linguística dos seus comunicados, se quiser ser visto como um partido com idoneidade.
Falando em comunicados, notas de imprensa ou press release, o meu conselho é extensivo a todas as instituições credíveis. É preciso investir-se em profissionais que estudaram a língua portuguesa. É lamentável ler o que lemos, vindos de colegas que fazem “assessoria de imprensa”. O facto de alguém ter formação superior em Jornalismo; Comunicação Social; Ciências da Comunicação; Direito ; ou outras ciências que usam a língua como ferramenta principal de trabalho não garante necessariamente que se tenha de dominar todos os aspectos de redacção de textos. A figura de revisor de textos é muito importante para as instituições que pretendem que o público as interprete como sérias. Um comunicado é um espelho da instituição. É mais fácil este meu texto ter erros – um texto de opinião pessoal, sem vínculo de redacção com uma instituição, e de minha simples autoria – do que um texto de uma instituição que pretenda ser encarada como credível.
A nona nota negativa vai para a TV Zimbo que elaborou uma entrevista com o Presidente da CASA-CE, Abel Chivukuvuku, na sexta-feira, 23. Com todas as matérias da semana descritas acima e os argumentos do que deve ser considerado “interesse público”, faz-me afirmar que não houve “interesse público” para que Chivukuvuku fosse entrevistado numa “Grande Entrevista”, para além de que a nossa imprensa mostrou, mais uma vez, ser incapaz de travar a capacidade retórica do entrevistado. Chivukuvuku domina sempre os entrevistadores que o entrevistam. Consegue fazer a sua propaganda política sem um contrapeso do entrevistador à altura. David Diogo foi também “engolido” pelo entrevistado. Chivukuvuku já “engoliu” Francisco Mendes na TV Zimbo, Paulo Julião e José Rodrigues na TPA e agora fê-lo, uma vez mais, com David Diogo. Também não disse nada de novo. É o tal problema da definição do que é “Interesse Público” versus interesses de partidos, alheios ao jornalismo.
O Positivo
- O facto de a Rádio MFM e o jornal “O País” terem destacado a notícia que aponta que Rafael Marques, Graça Campos, Severino Carlos e Mariano Brás terem sido constituídos arguidos, embora tenham dado mais ênfase aos dois jornalistas do Correio Angolense. Deviam ter dado o mesmo destaque a todos os arguidos. A entrevista feita ao secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, Teixeira Cândido, a respeito do sentido de se descriminalizar jornalistas foi muito oportuna para o jornal “O País”.
- O alinhamento informativo (sequência das peças) que o editor da Rádio Mais, Roque Segunda Cahamba, deu ao “seu” noticiário do passado dia 23. Usou muito bem a regra da pirâmide invertida e com peças que são notícias. A apresentadora e os repórteres não deram um maior impacto ao noticiário, mas fiquei bem impressionado com o trabalho jornalístico do referido editor. Tem futuro. É só apertar mais alguns aspectos de redacção.
- O alinhamento informativo que o editor Estevão Borges deu ao “seu” noticiário da RNA, no dia 23, às 20h, com uma excelente condução da apresentadora Mara D´Alva. As matérias de abertura que mostram a dificuldade que vários cidadãos têm para conseguir tratar o Bilhete de Identidade é de grande interesse público. Uma boa produção da redacção da RNA. Um bom sentido de análise do editor e da equipa, num dia em que também se noticiou que João Lourenço recebeu certificados de mérito do representante da ONU para Alimentação e Agricultura, Mamadou Diallo. Noutra altura, a homenagem ao Presidente da República é que seria a primeira notícia, quando até se pode questionar a real intenção dos certificados de mérito, tendo em conta o pouco tempo que João Lourenço tem no poder. Os angolanos ainda não estão a sentir efeitos de uma eventual evolução da Agricultura. Foi uma peça que entrou no meio do jornal, menos mal, até podia entrar no fim, pois as outras peças tinham mais valor noticioso. Mas, a grosso modo, a RNA está de parabéns por esse jornal. Fez um bom serviço público. Fez o que uma rádio pública devia fazer todos os dias.
- O tratamento jornalístico que o jornal das 18h30 do passado dia 21 da Rádio Ecclésia deu à matéria sobre o “Projecto de Lei sobre o Repatriamento de Recursos Financeiros”. Foi a rádio, segundo a análise do Termómetro da Imprensa, que melhorou elaborou esta notícia, explorando vários ângulos. A sua equipa que trabalhou neste dia está de parabéns. Bom serviço público de uma equipa jovem, embora tenha havido matérias que não mereceram o mesmo aprofundamento.
- Não obstante a Rádio MFM ter realizado um debate no sábado, 24, às 10h, sobre a Reforma do Estado e as Autarquias – um debate que não perderia interesse público se fosse realizado num outro dia, já que as Autarquias não vão perder actualidade tão cedo –, gostei da forma como o entrevistador João de Almeida conduziu o debate. Conseguiu obter “sumo”, o que foi bem aproveitado no seu noticiário das 13h. Na verdade, fez o que a RNA não conseguiu fazer no outro lado com um “debate?” (Grande Entrevista?) com o mesmo tema e na mesma hora. A RNA pode ter ganho na audiência face à publicidade que fez no Telejornal, mas em termos jornalísticos, a MFM produziu resultados mais concretos.
Foi assim descrito os aspectos mais negativos e os mais positivos da semana na imprensa angolana. O Termómetro da Imprensa elogia o que estiver bem e critica o que estiver mal. Estaremos juntos na próxima terça-feira para medir mais temperaturas da imprensa angolana! Até lá!