João Lourenço chega à procura de investidores, mas regresso a Angola pode tardar

O Presidente angolano vem a Portugal atrair investidores. Uma missão difícil, mesmo com o processo de dívidas a caminho de resolução e com centenas de milhões em garantias estatais para quem assinar contratos com Angola
A campanha inédita de diplomacia económica do Presidente angolano já garantiu ao país valores de financiamento superiores a 10 mil milhões de euros, como o próprio anunciou em outubro, no discurso do Estado da Nação. Mas o regresso do investimento tardará. Pelo menos, enquanto Angola não juntar às somas captadas um programa de assistência técnica e financeira em discussão com o Fundo Monetário Internacional desde agosto último.
“O fluxo de investimento estrangeiro para Angola está a melhorar, mas ainda não há uma mudança, se quisermos, dramática. Essa mudança vai ocorrer quando houver o acordo com o Fundo Monetário Internacional”, entende Agostinho Pereira de Miranda, advogado presente em Angola através da Miranda Alliance e especialista em Direito de Energia.
Os fluxos do investimento para Angola têm vindo a cair desde 2015, ano em que o país captou ainda mais de 9,28 mil milhões de dólares. No ano passado, o saldo de entrada e saída de investimentos era já negativo, de menos 2,3 mil milhões de dólares, de acordo com os dados da Conferência da ONU sobre o Comércio e o Desenvolvimento, a UNCTAD. A quebra dos fluxos foi de 23,2%.
Com a descida do preço do petróleo, Angola estava há três anos à entrada de um período de recessão de onde espera sair a partir do próximo ano. O Orçamento Geral do Estado prevê já para 2019 um crescimento de 2,8% (de 3,1% no setor petrolífero) fazendo contas a um preço mais alto do barril de petróleo. A referência de Luanda são 68 dólares, mais otimista que a do Fundo Monetário Internacional que fez contas em junho a 62,5 dólares o barril, prevendo então um crescimento de 2,5%.
O petróleo passou no início de outubro a marca dos 86 dólares por barril nos mercados de futuros, mas de então para cá tem vindo a deslizar para os níveis registados no início do ano, novamente abaixo dos 70 dólares. A Agência Internacional de Energia prevê para o próximo ano excesso de oferta em virtude da desaceleração económica que já se verifica em algumas das principais economias.
Com a descida do preço do petróleo, Angola estava há três anos à entrada de um período de recessão de onde espera sair a partir do próximo ano
“Temos que perceber que os recursos em liquidez do país são muito limitados neste momento, e esta descida do preço do barril do petróleo não está a ajudar nada. Tem um impacto significativo no orçamento que foi preparado com base num preço ligeiramente diferente”, diz Pereira de Miranda.
E tem impacto na capacidade de pagamento dos chamados “atrasados”: pagamentos de privados ao exterior limitados pela falta de divisas e pelos controlos do mercado de capitais, bem como dívidas da Administração, não só a empresas portuguesas como de outros países, e também domésticas.
Por ocasião da visita do primeiro-ministro António Costa a Luanda, em setembro, a parte portuguesa estimava um valor de entre 400 a 500 milhões de euros em dívida. Mas só um montante equivalente 90 milhões de euros estaria efetivamente enquadrado nos princípios orçamentais de Angola, fez então saber a parte angolana.
A conta final apurada, divulgada pelo ministro das Finanças, Archer Mangueira, em entrevista publicada no DN/Dinheiro Vivo no passado domingo, é afinal de 200 milhões de euros. Deverá ficar saldada até ao final do ano, e ainda assim parte será ressarcida em títulos do Tesouro e compensações de créditos fiscais.
“A solução encontrada não será totalmente satisfatória para quem tem créditos em Angola”, admite Pinheiro de Miranda. Ainda assim, está dado um sinal. “Criar confiança junto dos investidores passa também por transmitir a mensagem de que as dívidas passadas serão resolvidas”, diz João Traça, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola (CCIPA).
O dirigente da CCIPA defende que “o governo angolano está a tomar medidas para que a economia consiga ter os indicadores corretos para se incentivar e aceitar investimento, e nomeadamente investimento estrangeiro”.
O governo português aposta na retoma do relacionamento que viveu um momento político baixo, sobretudo, com o impasse entre as justiças portuguesa e angolana sobre o envio do processo que envolve o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente, acusado em Lisboa de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documentos. Era o chamado “irritante” das relações políticas entre as duas partes. O processo de certificação das dívidas seria o “irritante” do relacionamento económico, que agora, mais ou menos satisfatoriamente para as partes, caminha para ser ultrapassado.
1,5 mil milhões em seguros e 400 milhões de garantias
Lisboa quer dar o respaldo para um regresso a Angola ainda pouco desejado pelos empresários. O valor da Convenção entre Portugal e Angola Relativa à Cobertura de Riscos de Crédito à Exportação de Bens e Serviços de Origem Portuguesa foi ampliado em setembro em 500 milhões de euros para um valor total de 1,5 mil milhões de euros. No final do ano passado, estavam em vigor 13 apólices relativas à exportação de equipamentos e serviços portugueses nas áreas da construção de infraestruturas e agroindústria, no valor de 250 milhões de euros, segundo os dados da Cosec. Outros 11 projetos estão em avaliação este ano, segundo o Ministério das Finanças de Angola. Eram 9 os contratos em vista no final de 2017.
“Com o aumento do plafond, aumentam também as oportunidades de negócio para a empresas portuguesas em Angola”, diz o Ministério das Finanças português. Os fundos segurados vão limitar perdas para quem investir ao abrigo do acordo que Lisboa e Luanda firmaram em 2004. No ano passado, as indemnizações pagas pelo Estado português foram de 32,5 milhões de euros (mais 158% que em 2016), em contratos com Angola e Venezuela, mostra o relatório de atividade da Cosec.
“Criar confiança junto dos investidores passa também por transmitir a mensagem de que as dívidas passadas serão resolvidas”, diz João Traça, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola (CCIPA).
Além destes seguros de crédito, as relações de investimento entre Portugal e Angola poderão também beneficiar de 400 milhões de euros de garantias dadas pelo Estado português a empréstimos concedidos pelo Banco Africano de Desenvolvimento ao abrigo do acordo Compacto Lusófono, assinado no início deste mês na África do Sul pela secretária de Estado da Cooperação, Teresa Ribeiro, pelo banco de fomento e por quatro países de expressão portuguesa: Angola, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
O objetivo dos financiamentos do BAD – que tipicamente admitem períodos de carência de cinco anos e períodos de pagamento de até 15 anos – é, apoiado nas garantias portuguesas, suportar investimento privado, sem impacto na dívida pública dos países, que em Angola supera os 60% do PIB e mantém trajetória ascendente.
“O intuito é precisamente propiciar a continuidade do desenvolvimento de projetos de infraestruturas, mas sem estar a recorrer ao incremento do rácio de dívida pública sobre o PIB”, explica Pedro Amaral Jorge, perito do banco africano.
Os investimentos terão de estar em linha com os objetivos do BAD, que no “Country Strategy Paper” para Angola lista 20 projetos indicativos para financiamento, que abrangem transformação agrícola, redução das importações agroalimentares com enfoque no chamado corredor do Lobito, melhoramento da eficiência energética e construção redes de transmissão, aumento a capacidades nas renováveis, e construção de infraestruturas de transportes, incluindo ferrovia.
Agricultura e nova economia
A agricultura é um dos setores que Angola privilegia na captação de investimento. Muito dependente de importações alimentares – e das vendas portuguesas, que se mantêm em queda (menos 14,4% no terceiro trimestre deste ano) – Luanda procura a autossuficiência. E isso implica não são investimento agrícola, mas também nas infraestruturas deste mercado. A instalação de fibra ótica é uma necessidade apontada pelo BAD para o desenvolvimento agrícola do Lobito.
“Angola, com mais de 20 bacias hidrográficas, com uma extensão enorme de terra arável, importa, no entanto, em produtos alimentares dez vezes aquilo que a Nigéria importa. É verdadeiramente incompreensível. Os portugueses, de facto, podem fazer a diferença nesse domínio”, diz Pinheiro de Miranda.
Mas Angola é também um dos países que vive o que qualifica como um “terramoto demográfico”. A população cresce mais de 3% ao ano, segundo dados do Banco Mundial. E muitas das oportunidades que se abrem estão no campo da nova economia.
“Temos um significativo avanço nesse domínio em Portugal. Podemos ser um parceiro muitíssimo útil para Angola, onde o governo já disse que não está focado em soluções de salários baixos e de baixa produtividade para a diversificação da economia. Quer remunerar adequadamente o trabalho e está apostado nos novos segmentos da economia digital”, defende o advogado.
Angola é um dos países que vive o que qualifica como um “terramoto demográfico”. A população cresce mais de 3% ao ano
Mas, fora das garantias de crédito, será mais difícil ver um retorno dos investidores portugueses a Luanda. “Muitos dos empresários portugueses não querem arriscar enquanto não houver uma situação mais segura e mais estável no país”, afirma Duarte Líbano Monteiro, diretor em Portugal e Espanha da Ebury, uma fintech dedicada a gerir risco de câmbio nos pagamentos transfronteiriços.
Desde outubro, o Banco Nacional de Angola aumentou a regularidade e a distribuição na venda de divisas com leilões diários, mas para já nada mudou. Continua ser difícil obter pagamentos, e a desvalorização do kwanza – a Ebury estima uma queda de 20% em 2019 – contribui para apagar as margens dos exportadores. “O problema principal é que é muito difícil vender a um país onde não se vai conseguir recuperar [o dinheiro]”, diz Líbano Monteiro.
Fonte: DN