Editorial

João Lourenço é fixe?


Começo este texto com uma pergunta retórica e recuar até Portugal no ano 1986. Neste ano espalhado pelas T-shirts, pelos cartazes, pelos autocarros, pelas bandeiras e até crachás, em plena campanha presidencial, todos conheciam o slogan da candidatura de Mário Soares. Tinha eu 10 anos nesta altura em que foi lançado aquilo que até hoje é considerado dos mais originais e simbólicos slogans de uma eleição presidencial em Portugal. “Soares é fixe” foi um slogan que pretendia aproximar o candidato do Partido Socialista às camadas mais jovens do eleitorado. Mário Soares versus Freitas do Amaral, nas eleições mais disputadas de sempre da história da democracia portuguesa (hoje com 45 anos mas na altura ainda com uns pequenos 12 anos), que obrigariam a uma segunda volta onde Mário Soares viria alcançar 51,2% da votação contra os 48,8% de Freitas do Amaral. Mário Soares tornou-se no 16.º Presidente de Portugal e o primeiro Presidente civil em democracia.

“Soares é fixe” e “Vota fixe, vota Soares” acabaram por mudar a forma como grande parte do eleitorado, sobretudo o eleitorado mais jovem, olhava para o então candidato presidencial. Freitas do Amaral era mais novo mas parecia ter ideias velhas apesar de ter feito uma campanha à americana com muitas coisas modernas, com uma mulher bonita ao lado e com um slogan a puxar pelo país: “Prá frente Portugal-” Mário Soares era mais velho mas a sua campanha surgiu com uma mensagem mais jovem e bem dirigida à juventude. Mário Soares surgiu com a imagem desgastada e a popularidade afundanda, mas uma estratégia ousada de comunicação associada aos traços mais marcantes da personalidade de Soares como o espírito de combate e resistência, o gosto do risco e do desafio abriu caminho para uma nova forma de estar na política e entre os políticos. Aproximação de Mário Soares à juventude através de um forma de comunicar bem conhecida e apreciada por eles fez a diferença. Foi esta abordagem aos jovens, foi a mensagem de um “kota fixe” que mobilizou os jovens e ajudou Soares a conquistar o poder. Mais de três décadas depois, este “Soares é fixe” é um marco na história da política e da democracia portuguesa, é um facto incontornável. Mas o que é realmente incontornável é o facto de Mário Soares ter sido um político que nunca teve medo de o ser. 

“(…) Neste âmbito, importa salientar o papel reservado à juventude, a única força motriz capaz de vencer todos os desafios. É importante que se aprofunde a qualidade da sua educação, no plano técnico e cultural, para que a sua formação específica não deixe de levar em conta o contributo dos grandes homens das diferentes culturas e civilizações, que ao longo dos séculos nos ajudaram a compreender e a amar o mundo e os nossos semelhantes. É com esperança no empenho dessa juventude que mantenho o optimismo e continuo a acreditar que podemos legar um mundo melhor aos nossos descendentes”, disse o Presidente João Lourenço, no seu discurso na última Assembleia-Geral da ONU, no dia 24 de Setembro. A inclusão da juventude nos discursos e nas políticas do Executivo é importante e crucial, João Lourenço sabe disso e ao longo destes dois anos procurou deixar isso vincado nos seus discursos, em território nacional ou no estrangeiro. A inclusão de quadros jovens com funções relevantes no seu Executivo, nos quadros da Cidade Alta ou até mesmo no seu partido (MPLA) é um sinal bastante revelador de uma estratégia de governação que passa pela juventude através da renovação geracional em curso.

Desejo de mudança, renovação geracional, revisão de métodos, equilíbrio financeiro, diversificação e crescimento da economia, afirmação do Estado democrático e de direito, o combate à corrupção, promoção de uma cultura de responsabilização e prestação de contas pelos servidores públicos, aumento da oferta de emprego, justiça social e igualdade de oportunidades são causas ou bandeiras que João Lourenço assumiu há dois anos para o seu mandato de cinco anos (2017-2022). A parte teórica está bem elaborada e estruturada, o grande problema está na aplicação prática desta estratégia. Os jovens sentem que a sua vez tarda a chegar, que as políticas não estão a ter efeitos práticos, aumenta o desemprego entre os jovens, observa-se também a “fuga” para o exterior de quadros jovens e qualificados, aumenta a criminalidade (principalmente aquela que é praticada pelos jovens), com a difícil situação económica e financeira, a promessa eleitoral dos 500 mil empregos até 2022 começa a ser uma utopia. A equipa económica herdada da governação anterior não transmite confiança nem segurança. Em termos diplomáticos vão-se abrindo portas e marcando presença nos grandes certames, mas apesar do empenho de João Lourenço e do seu chefe da diplomacia, Manuel Augusto, a diplomacia económica tarda em atrair investimento estrangeiro, sendo também visível que muitos diplomatas parecem ainda não perceber qual a estratégia e a orientação neste capítulo, o que complica mais a situação. Quanto ao repatriamento voluntário de capitais, a montanha pariu um rato e em termos de repatriamento coercivo as coisas parecem estar em banho-maria. As “forças de bloqueio” internas e externas vão fazendo o trabalho de desconstrução da imagem do Executivo e de desvalorização das suas conquistas. A ausência de uma estratégia coordenada de comunicação e de vasos comunicantes (entre governantes e governados) também não ajuda o Executivo de João Lourenço a passar com clareza e objectividade a sua mensagem. 

“A governação dos povos tem sempre presente a marca dos governantes. A personalidade e o programa presidencial de Vossa Excelência representam essa marca”, disse Marcelo Rebelo de Sousa quando recebeu o seu homólogo angolano, João Lourenço, no Palácio de Belém em Novembro de 2018. Uma mensagem bem elucidativa e que ressalta a necessidade de João Lourenço deixar a sua marca durante a governação, de mobilizar os jovens para as grandes causas e de caminhar com eles em busca de soluções práticas e objectivas. Falar com objectividade, verdade e não fugir à realidade. 2019 está a ser um ano difícil, 2020 será um ano exigente e de sacrifícios. Em 2021 os resultados precisam de começar a aparecer e novas causas vão ter de começar a aparecer no seu discurso político. Acabou a euforia do “Exonerador Implacável”, o tal que “exonera bem, mas nomeia mal”. Ao longo destes dois anos, João Lourenço continua a ter um discurso fixe mas entre a teoria e a prática ainda há um longo caminho. Tal como Mário Soares em 1986 reverteu o cenário desfavorável que tinha e fez aquela campanha memorável, para os próximos três anos, João Lourenço tem grandes desafios, grandes obstáculos para contornar e batalhas para vencer. Mas ainda vai a tempo de ser fixe ou de ouvir a juventude dizer: “JLO é fixe.” Bastando não apenas “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem”, mas também não colocar “sal na gasosa” de expectativas e sonhos que deu aos jovens. 

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