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“José Eduardo dos Santos hoje é uma figura ridícula em Angola”, afirma Rafael Marques

“As relações entre Portugal e Angola sempre foram ditadas pela vontade dos interesses particulares quer dos governantes angolanos quer dos sectores dos interesses empresariais portugueses”, mas a visita que António Costa vai fazer 17 e 18 de Setembro a Angola pode ser o primeiro sinal de alteração desta correlação de forças. A análise é de Rafael Marques, jornalista angolano.

” Esperamos que com esta visita de António Costa se possa começar a olhar para a relação entre os dois países como relações verdadeiramente de Estado e que possam ser mutuamente benéficas, quer para a população angolana quer para a população portuguesa, porque até aqui tem sido apenas benéfica para os interesses da elite corrupta angolana e dos seus parceiros portugueses”, disse o jornalista.

Rafael Marques falava aos jornalistas à margem do Fórum Socialismo, a rentrée do Bloco de Esquerda que está a decorrer este fim-de-semana em Leiria e em que participou como orador.

” Dentro de Angola todos sabem que o poder de José Eduardo [dos Santos] chegou definitivamente ao fim e o poder da sua família também”, explica.

Para que a democratização do país aconteça não pode haver uma transferência directa de poderes de um homem para outro. É necessário que haja “reformas constitucionais e outras que garantam uma democracia participativa”. Se isso não acontecer, Angola irá “depender da vontade de João Lourenço e não se constrói um país com a vontade de um só homem”.

A oportunidade é, agora, melhor do que alguma vez se afigurou. A influência de José Eduardo dos Santos é pouca e a possibilidade de potenciar a sua ausência pode permitir uma melhoria das relações entre os dois países.

“Na verdade, José Eduardo dos Santos hoje é uma figura ridícula em Angola e portanto a ideia de que possa ter poderes secretos, possa ter poderes para além dos seus dias enquanto presidente do MPLA, é apenas um mito que prevalece fora de Angola”, esclarece Rafael Marques.

O jornalista angolano teve direito a um painel em que era figura única nesta rentrée bloquista. E desde cedo se percebeu que era um dos nomes que mais curiosidade despertavam entre os militantes bloquistas. A sala estava cheia para o ouvir comprovou-o.

“Do ponto de vista externo há um engajamento do novo presidente no combate à corrupção”, começou por explicar o jornalista. Os sinais de uma mudança que João Lourenço foi dando desde que assumiu o cargo de Presidente da República serviram “para mostrar ao mundo que Angola está a mudar”. Rafael Marques referia-se a casos como o de Isabel dos Santos, que foi exonerada da liderança da Sonangol. No entanto, não bastam.

” Houve um surto de esperança com a chegada de João Lourenço”, que começou por dar a entender que ia colocar um ponto final nas “diabruras” de José Eduardo dos Santos. “Eu até fui julgado e absolvido, pela primeira vez “, revelou bem -disposto. O jornalista falou durante cerca de uma hora e meia num debate com a audiência, que contava com a presença do economista Ricardo Paes Mamede ou do histórico dirigente bloquista Fernando Rosas.

As atitudes mais simbólicas são importantes e Rafael Marques reconhece-o, mas “a nível interno” os sinais de mudança não estão a ser sentidos pela população. ” A economia estagnou, há cada vez mais fome em Angola e os serviços de Saúde e de Educação estão cada vez pior “, sublinhou o também activista.

Perante esta dupla realidade, Rafael Marques levantou duas questões que considerou fundamentais para compreender que caminho vai seguir Angola daqui em diante. ” O que é que realmente mudou na vida das pessoas? E o que é preciso fazer para que haja mudanças efectivas?” Quando as respostas a estas perguntas começarem a definir-se será então possível prever o rumo que João Lourenço quer dar ao país .

O maior obstáculo da mudança: o MPLA

As viagens de João Lourenço à Alemanha ou à Bélgica e os seus encontros com Merkel e Macron foram analisados por toda a comunidade diplomática. Houve quem entendesse que estes eram os primeiros passos rumo à democratização de Angola, mas também houve quem duvidasse desse preceito. Nas duas análises, opostas, existe um eixo comum : ” Mudou a percepção de que Angola já não é de José Eduardo dos Santos.” Mas as dúvidas sobre o que se segue são mais do que muitas e Rafael Marques fez questão de deixar isso mesmo esclarecido.

A leitura que faz deste primeiro ano de mandato é positiva mas desconfiada. ” É necessário que os gestos simbólicos se tornem em medidas concretas.” E o jornalista angolano tem dúvidas de que cheguem dando mais poder a João Lourenço, que em breve será eleito líder do MPLA. “As mudanças não dependem das vontades de um homem só, e quanto mais poderes esse homem pedir para poder efectuar mudanças mais alerta devemos estar.”

Mas se a vontade de João Lourenço merece o benefício da dúvida do jornalista, o mesmo não se pode dizer do MPLA. O partido do regime “continua a ser um partido de matriz ditatorial”, nem sequer permite que haja outras correntes internas. E acrescenta: “. O nepotismo mantém-se”. Todos estes factores fazem Rafael Marques ficar reticente quanto ao futuro do país.

Mas também aconselha os opositores a fazerem mais pela defesa de Angola.

” A oposição tem de ser mais agressiva, não pode apostar apenas em fazer concorrência num sistema que lhe é desfavorável”, defende.

A luta que pode permitir que se colham mais frutos é a da exigência de mais democracia “em todos os sectores”. Aceitar as regras do jogo não trará a mudança de que o país precisa.

Rafael Marques tem uma relação de proximidade com o Bloco de Esquerda desde que , em 1999, depois de ter sido detido em Luanda, foi apoiado pelos bloquistas através de uma condenação que apresentaram no Parlamento português em defesa do jornalista angolano.

Fonte: Observador

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