Liberdade e cultura
Ontem, numa longa aula-debate alguém me perguntou se África está preparada para a democracia. Há algumas décadas perguntavam-nos se África estava preparada para a independência. Ontem eram europeus que faziam a pergunta, hoje entre os que perguntam grande parte são africanos. Em ambos os casos pessoas simpatizantes de regimes autoritários. Desta forma e em virtude dos interlocutores a melhor resposta é sempre perguntar se África está preparada para ser oprimida e se os africanos querem viver sob despotismos ( externos ou internos).
Outros países de outros continentes ouviram no passado perguntas orientadas no mesmo sentido e, a larga maioria das pessoas, acabou por nem responder ou rir dessas formulações. Nos casos africanos atuais citam, para sublinhar a dúvida, algumas desordens eleitorais ou pós eleitorais. Argumento muito fraco: quem provoca isso não são os eleitores, são certos políticos – eles sim despreparados para aceitar o veredito popular e a tolerância inerente ao debate.
Portanto, África como qualquer outro lugar do mundo, está preparada para ser livre porque livres nascemos. Ora, não há liberdade sem respeito pelas regras democráticas. O triste é ainda ser necessário lembrar isto nesta altura do campeonato.
Outro assunto de importância na conjuntura africana – ligado ao anterior- é a crise geral vivida por África a nível económico e ético, cujos efeitos são arrasadores no plano social e com ondas de choque na política. Todos sabemos e sentimos isso muito bem, a qualquer hora do dia. Porém, há um detalhe de primeira grandeza: não há crise cultural.
A criatividade em todo o continente mantêm-se e moderniza-se (que dizer, não fica para trás nem cai na estagnação), dando uma imagem totalmente diferente da produzida pelos shows da má gestão socioeconómica (publica ou privada) e de lamentáveis comportamentos políticos (em governos e oposições).
Interessante é constatar que esta criatividade é, acima de tudo, produto de práticas sociais com fortes raízes na História, talentos individuais ou iniciativas de grupos à margem da política Quer dizer, esta mesma criatividade demonstra o que a liberdade pode construir.