Lidar com a Realidade

Há pouco tempo, articulistas, comentadores, académicos embandeiravam em arco com a vertiginosa subida do Produto Interno Bruto, PIB, classificando Angola de potência africana, augurando alguns que, em breve, ultrapassaria a República da África do Sul. Isto passou-se quando as altas cotações do barril do petróleo enchiam os cofres do Estado assim como os bolsos de gente grada do poder e de gente ligada a bancos e à recuperação de infraestruturas: estradas, caminhos de ferro, barragens, etc.
Os que assim pensavam e escreviam não cuidaram de saber que Angola partia dum patamar muitíssimo baixo em vários factores de ordem económica e social e que, portanto, muito havia a recuperar. Angola tinha e tem enormes carências no que respeita a infraestruturas sociais e serviços de saúde e educação; é gravíssima a situação no sector da saúde; o ensino, além de não atingir substancial parte da população, é, no geral, de fraca qualidade; a formação profissional é reduzida. Falta pessoal com a devida qualidade em todos os serviços desde os sociais aos administrativos. É baixo o Índice de Desenvolvimento Humano definido pela ONU, havendo mesmo uma população maioritariamente em situação de pobreza ou pobreza extrema.
Também não tiveram em conta o facto de a economia angolana ser profundamente desequilibrada, onde impera um produto, o petróleo. Uma economia cujas receitas estatais se baseiam esmagadoramente nos proventos fiscais e outros do petróleo, portanto à mercê de terríveis crises, no caso de demoradas baixas de cotação do crude.
Além disso (e sobretudo por isso) era fundamental que tivessem atentado na realidade da economia angolana: uma incipiente agricultura, uma quase inexistente indústria transformadora (para os mais cépticos quanto a estas minhas afirmações, aconselho-os a comparar o aparelho produtivo e as produções actuais com as do fim da era colonial). Sabemos que o aparelho produtivo foi destruído, quer pelos erros da governação do regime implantado com a Independência, quer pela posterior guerra civil que acabou em 2002. Mas também por erros do poder nos anos subsequentes ao fim da guerra civil. Se devemos louvar o enorme esforço feito então na recuperação das infraestruturas, também é de realçar que o poder não se decidiu por uma efectiva política de diversificação da economia. E as consequências aí estão, perante todos os cidadãos angolanos.
A realidade que hoje se vive em Angola nada tem a ver com o que prediziam os textos que acima referi, mais voluntaristas que realistas. Todavia, o importante, agora, é termos os pés bem assentes na terra, a cabeça fria e alerta para pensar, o coração disposto a agir para o bem do país e suas gentes.
Isto sucede quando o Estado precisa mais do que nunca de ser credível perante os cidadãos e o Mundo; quando o país precisa de receitas para investimentos públicos em infraestruturas e serviços sociais; quando o país precisa de investimento externo para relançar a economia; quando o país precisa de divisas necessárias à sua actividade; quando o país precisa de equipamentos e de gente com adequadas formações profissionais e saberes; quando o país precisa de produzir para si e para exportar; quando o país precisa de tirar milhões de cidadãos da pobreza.
Esta é a realidade que o executivo e os cidadãos têm pela frente. Dela não podemos fugir, e é ela que teremos de enfrentar. E isso é tarefa do executivo e dos cidadãos.
Portanto há que aproveitar esta janela de oportunidade que se abriu: a nova postura do poder político, desde Setembro passado, assim como a esperança dos cidadãos em mudanças absolutamente necessárias e urgentes para o país. Cabe a todos, cidadãos e poder político, conseguirem dialogar, debater, saber fazer escolhas e agir.