Cronistas

Marielle Anderson e ensinamentos para os países CPLP

O Brasil é a Guiné-Bissau em ponto muito maior, com pontos comuns: políticos aliados entre si por longos períodos, depois rompem as alianças com um ódio feroz; corrupção politico-empresarial em todos os quadrantes; projetos de desenvolvimento sempre adiados; impacto do trafico; população com medo.

É neste quadro que ocorreu o assassinato de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro por um pequeno partido de extrema-esquerda e do seu motorista, Anderson Gomes, causando comoção interna e repercussão internacional, neste caso muito acima do previsto pelos assassinos – sejam eles quais forem. Na verdade, a mensagem do crime parece ser a da intimidação, muito comum no Brasil de hoje, procedente de algumas faixas descritas no parágrafo anterior, consoante o local onde se considerem hegemônicas.   Em geral, mesmo em situações de população amedrontada, estes crimes acabam por produzir o efeito inverso – revolta – e acumulam forças contra os agressores.

Protesto em ambiente violento

Nos PALOP sabemos os riscos que os protestos representam e a História da Humanidade está repleta de momentos em que esse protesto tomou características especiais. Dada a atual conjuntura brasileira e a gravidade do crime, seria de esperar uma vaga de protesto mais ampla. Há dupla  agressão: contra uma militante (quer se concorde com ela ou não, os seus direitos e vida têm de ser respeitados) e, ao mesmo tempo, contra uma detentora de funções num dos poderes de Estado ( a sua autoridade é ainda mais legitima porque foi eleita). Portanto, violação de direitos humanos e agressão à autoridade estatal. Nenhuma destas duas coisas é novidade, ocorrem no Brasil todos os dias. De facto, o número de mortes violentas no Brasil anualmente está em torno das sessenta mil, equivalente ás mortes na Síria, dado que se tornou mais conhecido mundialmente em função dos assassinatos de Marielle e Anderson. Na passada segunda feira, no Rio de Janeiro, foram registados 29 tiroteios em diversos pontos da cidade número que, mesmo durante a fase de combates urbanos na Angola em transição para a independência, teríamos considerado muito elevado e perigoso.

Uma cidadã brasileira escreveu no facebook “se isto acontecesse num país civilizado, a cidade estaria em pé de guerra” (ou algo assim, cito de memória). Pode parecer contraditório mas pergunto: se matassem uma vereadora de extrema esquerda em Paris o que teria ocorrido? A França é “incivilizada”?

Temos aqui um primeiro ensinamento para o conjunto da CPLP, sobretudo nos PALOP. O que fazer se forças anti-democráticas passarem da intimidação à execução ? Li esta  semana no diário português “Público”, a propósito deste crime, um dos colunistas avisar para não se cometer o erro dos anos 30, quando a criação das convergências anti-fascistas só se produziu após o fascismo já ser dono do jogo.

Faz ainda parte do ambiente condutor ao crime a situação da mulher, sobretudo as que trabalham e são obrigadas a deslocarem-se a pé ou em transporte coletivo. Pelo menos nas cidades do Brasil, Angola e Moçambique, mulher sozinha na rua está sujeita a agressões: no mínimo ouvir linguagem porca emitida por porcos machistas ou complexados; em casos piores, sofrer agressão física, sexual ou não. E não falamos aqui da África do Sul, onde o ataque sexual é cometido à cadência de minuto a minuto. A morte de Marielle chamou – novamente – a atenção para este dado do dia a dia, tal como ocorreu há relativamente pouco tempo, com o assassinato duma apresentadora de televisão em Luanda. Está á vista de todos e, para reforço, aconselho a ouvir as nossas companheiras da PADEMA ou da OPM.

Claro que podemos (e devemos) ser mais abrangentes e sinalizar outras situações. É o caso da discriminação. No Brasil, um dos países mais racistas do mundo em termos de representação e oportunidades, com relação aos negros. Em todo o mundo, com relação aos migrantes e todas as Diásporas têm larga experiência na matéria. Podemos ser discriminados até pelo sotaque/pronúncia, se nossas imagens fizerem sombra em cima de alguém ou aparecerem como concorrência.

A canalha da calúnia

Outro ensinamento decorre das campanhas para destruir a imagem da assassinada. Em geral faz parte de planos assassinos muito elaborados. Sabemos isso perfeitamente, pois as lutas africanas estão cheias de crimes pelas forças coloniais ou pós coloniais, apresentados como atos pelos quais os responsáveis  são…as vítimas. Durante as nossas guerras chamavam-lhe ação psicológica.

Pouco depois da morte de Marielle e Anderson, uma desembargadora foi ao ponto de fazer uma sequência de acusações que, horas mais tarde, ela mesma considerou como precipitadas. Uma desembargadora não se pode precipitar em casos que se tornaram jurídicos de alta sensibilidade. Muita gente absteve-se de apontar culpados para respeitar a investigação policial-judicial. Assim faço nesta crónica. A desembargadora, uma jurista, não seguiu este caminho. Podemos agora perguntar se realmente se precipitou ou se foi uma das táticas, tipo “dejá vu”: fazer acusações para sujar alguém e depois amenizar. O alcance da acusação inicial é sempre muito maior que o desmentido e, ainda mais se for um simples empurrar para a “precipitação”. Desde o começo do século XX isto é sabido a propósito dos direitos de resposta na imprensa.

Neste âmbito, uma vaga de fake news invadiu as redes. Os países da CPLP têm sentido recentemente este fenómeno sendo o Brasil o maior palco, talvez por ser a maior superfície.. Durante as campanhas eleitorais (uma reportagem da BBC este mês deu detalhes), a propósito das averiguações sobre corrupção ou de calúnias nos meios desportivos, artísticos, académicos, etc. Por detrás das fake news há os fake grupos, criados para espalhar calúnia, por vezes clonando nomes de entidades respeitáveis, outras vezes apresentando-se como “movimentos sociais” ou “reivindicativos”. Mentem e injuriam para destruir reputações, apresentar os adversários sob um prisma oposto àquilo que de facto são ou apenas para se projetarem. Agem indiferentes à verdade e, portanto, não há dialogo possível com tais áreas. Quem se lhes opõem tem que se preparar para tudo. É guerra. Por exemplo, um dos nossos companheiros blogueiros da Mauritânia esteve preso 4 anos (e escapou por pouco à pena de morte) acusado de “apostasia e blasfêmia”. Uma egípcia que fez crítica social através de música no you tube foi presa acusada de “indecência”. E um grande numero de amigos e amigas nas regiões Oeste e Leste de África, esperam de nós  textos, sons ou imagens contrárias às interdições de governos ou de jihadistas, porque fazê-lo lá onde se encontram, abertamente nas redes, é risco de vida.

Sim, a nossa solidariedade ativa vai prosseguir, até porque ontem quando precisamos tivemos a vossa.

Mas na verdade, o fenômeno não é novo, basta lembrar os tabloides britânicos, a imprensa marrom do Brasil ou os instrumentos dos partidos únicos em vários continentes. Máquinas de falsidade, atualmente inseridas na chamada  “época da pós verdade”, ou seja, aquela em que não interessam os factos mas as crenças e estas podem ser inculcadas nas mentes desprevenidas ou estúpidas. Os serviços de Donald Trump têm tido sucesso na matéria…até aqui. O Facebook  ajuda, consciente ou inconsciente. enquanto pergunta estupidamente se estátuas gregas como a Vénus e o Apolo são pornografia (coitados, estão atrás da antiguidade clássica) a desinformação usa-o hora a hora. Segundo as ultimas noticias, há divergências entre executivos do FB sobre a ética  a adotar.

Assim, as fake news e as calúnias na sequência das mortes da ex vereadora e do seu motorista, fazem parte duma gangrena muito maior e muito para além do Brasil. Por exemplo, está presente em todos os países da CPLP como inimigo que o campo democrático e a comunicação social rigorosa têm de combater e derrotar.

2 Comentários

  1. Adorei seu texto : ( exposição do pensamento ) . contudo ; adoraria mais ainda mais se usa-se totalmente ortografia antiga. – com c,t, p. ….

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