Cronistas

“Não gostei nada do que fizestes”

(ou: Façam o que dizemos e não o que fazemos)

Quarta-feira, 3 de Maio. Eram oito e quarenta e tais. Estava fazendo o meu habitual exercício matinal ( Zappar pelas estações radiofónicas ao telefone) quando me vejo nos 97.5, a frequência da Rádio Ecclesia. No ar, estava um programa especial (mesa-redonda), aproposito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Os convidados eram Alexandre Solombe, presidente do MSA-Angola, e o Teixeira Cândido secretário geral do sindicato de jornalistas, dois miúdos meus que eu aprecio p’ra caraças, sobretudo por terem muito boa lábia. Segundo o pivô do programa, cujo o nome não fixei, ele que me perdoe, devia também estar presente um gajo do ministério, mas ninguém da instituição foi enviado para falar de sua justiça. É quase sempre assim.
Quando conheci o Alexandre Solombe, em finais dos anos 80, estava muito longe de imaginar que ele pudesse vir a ser algum dia deputado pelo Galo Negro movimento no qual, se calhar já militava embarradamente na altura. Aliás, o nome dele nem era esse. Era Alexandre Neto. Não me lembro se nos demos encontro pela primeira vez durante uma reportagem que fora fazer ao Lubango ou por altura de uma missão de serviço no estrangeiro, ambos como «agentes do governo» ele como jornalista da Rádio Nacional e eu como repórter do Jornal de Angola. Bons velhos tempos.
Já o Teixeira Cândido vi-o pela primeira vez no início dos anos 90, quando ele foi pedir emprego no Jornal dos Desportos, ao lado do Honorato Silva e de outros mizangalas. Na altura, eu era a terceira figura mais influente desta publicação, depois do Victor Silva e do A. Ferreira, o meu compadre Aleluia ou Didelas. Ou seja, no fundo fui eu quem os recebeu e se calhar ensinou os primeiros passos da profissão. O Honorato é o único que reconhece isso. E ele é bem mais craque que muitos gajos que não têm um pingo de humildade, armados em carapaus de corrida.
Os môs dois miúdos saíram-se bem nessa mesa-redonda especial da Ecclesia. Mas permiti-me descordar deles em alguns pontos. Por exemplo, não gostei do papel de «comissário político» que o Solombe adoptou a dado momento exortando os jornalistas a assumirem-se até como camicases, em nome de um certo sacerdócio, no entanto, já reconhecidamente fora de moda entre nós, chegando a evocar o nome de Jesus Cristo a desproposito, coitado do senhor nunca foi jornalista nem coisa que se parecesse. Só quem nunca passou fome é que induz outrem a fazê-lo. Nesses tempos todo mundo quer é o bem-bom. Ninguém quer mais sofrer ou morrer por ideologias fora de moda. Apeteceu-me sugerir-lhe que perguntasse a algumas figura do seu partido que já andam na boa vida aqui em Luanda se lhes ocorreria regressarem a mata comer cogumelos para ver qual seria a resposta…
Já em Relação ao Cândido não gostei quando ele disse que cobrir as eleições não é um desafio para os jornalistas. É sim senhora pá, já que é coisa muito fora da rotina.
Bom deixemos lá essas conversas do Solombe e do Teixeira, até porque o puro assunto não é esse.
Quer dizer, depois da mesa-redonda é que veio o assunto. O pivô despede-se e logo de seguida alguém põe uma keta inusitada: Era o bonga a entoar uma velha canção que ficou famosa nos finais dos anos 80, embora banida da Rádio Nacional, pelo seu conteúdo alegadamente injurioso contra o Presidente da República, camuflado em imensas metáforas. Aliás, no álbum que bonga produziu nessa altura em que estava ao serviço da resistência armada, figuravam também outras canções anti-regime, com mensagens tipo « Maria Casputo/ teu funge tem borbulha/ não soubeste dicular…». O curioso é que a canção estava mutilada. A letra toda estava lá mas retiraram o refrão: Cala-te a boca Zé Kitumba/ tu não podes reclamar. Sinceramente, não percebi qual foi a intensão assim de rompante.
E a seguir, veio o Galo Negro do Sam Mangwano também do tempo em que ele estaria igualmente ao serviço da resistência armada. Por instantes até pensei que tivesse recuado no tempo e estivesse a ouvir a vorgan.
Para me deixar mais baralhado, entra a seguir um separador, no qual um Padre ou um Bispo ensaia apelos aos cidadãos no sentido de se coibirem de recordar coisas que nos façam recuar aos episódios e crispações dos tempos quentes da Guerra Civil, em nome da tolerância política da unidade nacional nessa hora de eleições . Caramba, aí estava a mais pura manifestação do aforismo que diz: Façam o que digo e não o que faço. A Rádio Ecclesia estava a fazer precisamente aquilo que abomino na Rádio Nacional e noutras estações da mesma órbitra quando põem a tocar canções de intervenção política já completamente descabidas, tipo « Avante Poder Popular» e tal.
Concluindo: « Não gostei nada do que fazestes», como diria o artista na canção «Qual é a idea?», que para mim foi o melhor kuduro do ano, mais não lhe ligaram no Tope da Rádio Luanda. Não sei se é por os miúdos serem mbora roboteiros ou unheiros vindos do Balombo. A keta é toda atoa, mais é precisamente nisso em que recai a sua beleza. Ò Luís Candeias arranja lá uma gravação desse brinde. Me cuia bué!

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