Cronistas

Nós, os filhos dos homens da geração de utopia…

Nós, a geração dos “meninos à volta da fogueira”, que apreendemos o que custou a liberdade e a quem ensinaram como se ganha uma bandeira», estudámos, lemos, ouvimos e vibrámos com histórias da geração dos nossos avós e dos nossos pais sobre a vontade de resistir à segregação racial, à estratificação entre cidadãos, assimilados e indígenas. Nós que nos deleitámos, decorámos e declamámos as poesias/poemas dos TEXTOS AFRICANOS, sentíamos correr nas veias as penas e o sangue de Neto, Viriato da Cruz, Jofre Rocha, António Jacinto, Aires de Almeida Santos, Alda Lara, Luandino Vieira, Arnaldo Santos e tantos outros…

Nós, os filhos de mães que não sabiam assinar, pois para muitas delas era inexistente a possibilidade de estudar e o acesso ao ensino. Nós, que sofríamos com o sofrimento descrito do MONANGAMBA, que apesar do duro chicote do CIPAIO, (que era como ele) e do COLONO que lhe dava PEIXE PODRE, FUBA PODRE E PORRADA SE RECLAMASSE, eram para nós (e os “camaradas professores” faziam questão de sublinhar) a totalidade da resistência por uma causa de todos. A forma como enfrentaram a opressão e tudo o que lhe estava associado, personificou a CORAGEM, AUDÁCIA, DETERMINAÇÃO com que enfrentavam os dissabores e constrangimentos que o regime colonial lhes impunha.

Nós sentimos este vibrar na luta e nos sacrifícios que os nossos pais sentiram e, de facto, quais NGANGULAS, ensinaram-nos que A RECONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO era fazer TUDO PELO POVO, porque o tempo não pára!

Assistimos a os nossos pais – A GERAÇÃO DE UTOPIA – desvirtuarem tudo em que acreditaram e a viverem como o COLONO, a tratar a nossa GENTE como o COLONO tratava o MONANGAMBA e vimo-nos num grande dilema: vivermos como nos tinham ensinado as lições e os poemas ou vivermos segundo o exemplo da “GERAÇÃO DE UTOPIA”.

Nós, os filhos da geração já conhecida, optámos, em estrondoso número, por nos acomodar e viver segundo o ideal, não dos nossos heróis, mas segundo os intentos do PATRÃO, optámos por negar a liberdade, que a muito custo foi conseguida, para nos calarmos a troco de uma vida cómoda onde apenas interessa “EU E A MINHA FAMÍLIA”. Transformámo-nos nuns autênticos “LIMPA MERDAS” a troco de benesses vindas das terras de onde a GERAÇÃO DE UTOPIA regressou em nome da liberdade e da independência. Uma vez que, na esmagadora maioria ou numa minoria barulhenta, colocámos tudo o que o ensino e a educação nos deram ao serviço de justificações fúteis, ofensivas à dignidade do povo, fundamentadoras do fosso entre pessoas com dinheiro e a maioria paupérrima e miserável! Em vez de fazermos pelo POVO, fizemo-lo pelo dinheiro, pela moeda estrangeira, pela “casa”, fruta, peixe, carne, carro, fatos e saúde importados.

Justificámos que não queremos deitar nada a perder, pois tudo foi conseguido com “imenso sacrifício”… Como se existisse algum sacrifício maior do que aquele consentido pelo MONANGAMBA ou pelo SOLDADO DESCONHECIDO! “Não queremos deitar nada a perder”…como se assistirmos serenos à morte de milhares de crianças todos os dias, vermos meninos e jovens de e na rua com a mesma idade que temos e com a idade dos nossos filhos significasse trabalhar para deixar como legado um país bom para nós e para os nossos filhos!

A culpa é nossa! A responsabilidade é nossa! Somos nós que obedecemos a ordens para forjar Constituição, Leis, contas, contratos, concursos em benefício de uns poucos e em prejuízos de quase todos. Somos nós que estendemos o TAPETE VERMELHO aos jovens, nossos contemporâneos, que tiveram “a sorte” de serem filhos de governantes e por isso mesmo foram “transformados em empresários de sucesso”… Para aproveitarmos as migalhas vendemos-lhes a nossa amizade, os nossos serviços e/ou pomo-nos ao serviço deles, cortejamo-los e, numa atitude hipócrita, corremos para ao lado e junto deles adquirirmos o estatuto de “ASSIMILADOS DA NOVA ANGOLA”…

Nós, os filhos dos DAQUELA GERAÇÃO, estamos a desperdiçar aquilo que ELES conseguiram com tanto sacrifício… Estamos a entregar de bandeja a LIBERDADE, porque preferimos ser escravos do dinheiro e por isso fingimos que não vemos o problema. Preparamo-nos para exercer cargos na estrutura da função pública e politica com a única ambição de enriquecermo-nos a todo vapor, pois é a “nossa” vez e a FEZADA pode não voltar a passar por nós.

Eles lutaram pela causa de todos e nós preferimos lutar e defender as causas de alguns, poucos por sinal… Eles legaram-nos a OUSADIA e a ATITUDE e nós devolvemo-las e preferimos a COBARDIA e o SILÊNCIO. ELES resistiram ao suborno e à tentação do ter (aplicável apenas quando estavam em luta) para assegurar a DIGNIDADE e o RESPEITO e NÓS trocámos isso pela MIXA, pelo JEITO e transformámo-nos em emissários dos esquemas, da corrupção e da auto-humilhação, verdadeiros detractores de amigos e colegas, fomentamos intrigas e catalogamos os nossos para impedir a contratação e/ou progressão na carreira, vivemos com medo de quem é mais competente que nós, continuamos a defender um sistema de ensino obsoleto e transformamo-nos em medíocres docentes que deformamos os estudantes transformando-os em “meros papagaios”, damos o corpo ao manifesto pela totalidade das politicas públicas e respectivos serviços (educação, saúde, saneamento, etc.) entretanto para os nossos filhos preferimos sistemas alternativos de educação e saúde na esmagadora maioria.

Isto faz-me chegar a esta simples conclusão: se Nós, com esta apetência pelo ter, preocupando-nos apenas com o nosso umbigo, com a defesa de leis, decisões e opções injustas a troco de manutenção do emprego ou da promoção na carreira, com a ignorância das condições em que vive a maioria da população e da fragilidade, propositada, das nossas instituições, se tivéssemos vivido na época dos nossos PAIS NÃO TERIAMOS CONTRIBUÍDO EM NADA PARA A LIBERDADE E INDEPENDÊNCIA! Falta-nos frontalidade, atitude e coragem para dizer a quem decide:

Isto não pode ser deste modo! Isto está mal! Esta decisão não pode ser tomada porque não promove a justiça social e a igualdade de oportunidades!

Por tudo o já exposto, tenho mais receio da nossa geração que, apesar de estudar bem, tem hoje escassas referências morais e de tolerância e quando chegar a “nossa” vez de dirigirmos o país faremos pior do que dos da GERAÇÃO DE UTOPIA, que até no que diz respeito a determinadas coisas e modelos de “bem-fazer” ainda tiveram a “sorte” de presenciar, ter e viver contrariamente à nossa geração, correndo sérios riscos de COLOCARMOS AO SERVIÇO DO MAL TUDO O QUE A INSTRUÇÃO E O ENSINO NOS DERAM por completa ausência de referências sociais e morais. Ainda vamos a tempo de nos corrigir? De corrigir a sociedade enferma de materialismo e egoísmo profundos, esquecida de valores tão simples como a solidariedade, justiça e amor ao próximo? Cabe a cada um de nós lembrar e cultivar estes valores e referências morais em nós mesmos e nos nossos filhos. Praticá-los e não apenas mencioná-los. Caso contrário seremos lembrados como a GERAÇÃO DA COBARDIA que tudo trocou por um “PRATO DE LENTILHA”.

«Ensina ao jovem o caminho que deve seguir; mesmo quando envelhecer, não se desviará dele…» Provérbios: 22, 1-16.

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