Editorial

O custo das ajudas de custo

“Houve um ministro, meu colega, que se deslocou para uma conferência internacional que se realizava do outro lado do mundo, algures, não sei se era no Japão, se era na Austrália. As pessoas que eram necessárias para a participação na conferência era o ministro e mais três. Sabe quantas foram? 19! Eu recusei-me a assinar o despacho. Pessoas cuja missão era aceitar o convite do ministro para um passeio ao outro lado do mundo à custa do Estado. Ouça, isto são casos diários, isto não é uma vez por ano, se fosse uma vez por ano não tinha importância nenhuma, mas isto é diário”, disse numa entrevista à RTP em 2014, Diogo Freitas do Amaral, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal no Governo de José Sócrates.

Há dias foi tema de conversa nas redes sociais, o facto de a recém-nomeada ministra das Finanças, Vera Daves, viajar para Washington, chefiando uma delegação do Governo angolano às reuniões anuais do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional composta de 22 pessoas. E voltou outra vez a discussão das grandes delegações que Angola apresenta quando vai para reuniões de trabalho ou conferências internacionais, pois na maior parte dos casos, grande parte das pessoas não tinha necessidade de lá estar, como exemplo daquilo que Freitas do Amaral criticava em relação à Portugal. Bem escrutinado, chegaremos à conclusão de que das 22 pessoas que fazem parte da delegação na realidade só 12 ou 15 tinha razão para lá estar.

A mania das grandezas criou em nós hábitos nocivos e difíceis de combater. Temos em Angola a mania de apresentar delegações numerosas quando se vai viajar em representação e com o dinheiro do Estado. Presidente, vice-presidente, ministros, secretários de Estado, governadores, embaixadores, cônsules, directores-nacionais, presidente de conselho de administração de empresas públicas, viajam sempre acompanhados de um verdadeiro séquito, que mesmo em tempo de crise não diminui. Um exemplo foi a delegação angolana que esteve na Rússia há uns anos para acompanhar numa estação espacial o lançamento do satélite angolano Angosat-1, foi um verdadeiro exagero, o número de pessoas que faziam parte da delegação. Entre governantes, técnicos , jornalistas e convidados falava-se em perto de 50 pessoas, um exagero. E na maior parte dos casos, o facto de termos delegações numerosas não se reflecte nos resultados alcançados para o país.

A verdade é que ninguém controla as viagens de funcionários públicos aos estrangeiro. São milhares de viagens de ministros, secretários de Estado, embaixadores, cônsules, governadores, presidentes de conselho de administração, directores-nacionais, chefes de gabinete e assessores que ninguém controla. E tudo com elevados custos para o Estado, pois como alegadamente viajam em representação do Estado, recebem ajudas de para as despesas com as viagens. Ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço da entidade patronal, em razão da sua deslocação do seu local habitual de trabalho para outro local e com carácter temporário. Representam uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações ocasionais que teve de efectuar em serviço.

É nas ajudas de custo que está montado há anos um esquema fraudulento e bastante lesivo para o Estado. É um misto de falta de ética, sentido de justiça, egoísmo, ganância e até mesmo ausência de sentido de Estado, o que se sabe e se vai ouvindo nos esquemas em torno das ajudas do custo. É um dos terrenos mais férteis para se enganar os contribuintes angolanos. Nestes esquemas fraudulentos das ajudas de custo em que estão envolvidos funcionários públicos do topo à base é um verdadeiro chico-espertismo burro, que é arrogante e pensa que os outros são menos inteligentes que eles. As falsas ajudas de custo alimentam luxos de bon vivant e o pior é que quem paga isso são mesmo os contribuintes.

Uma larga maioria dos dirigentes angolanos tem um sentido bem apurado para contornar leis e arranjar formas de sacar um pouco mais para o seu bolso. Existe um espírito de “kia safala”, ou seja, “estou aqui no cargo e vou-me safar enquanto posso”. Criar viagens fictícias só para acumular mais uns ricos tostões. Como é que alguém que viaje em serviço durante cinco dias acabe por colocar 10 ou até mesmo 15 dias ? Como é que são colocadas nas ditas delegações pessoas alheias à estrutura do Estado e a usufruírem de ajudas de custo em nome do Estado? As ajudas de custo são um clássico exemplo da nossa vocação para o fácil enriquecimento e cultura de “lixar” o erário.

Fazem-se grandes discursos sobre contenção de custos mas há práticas que diariamente lesam o Estado em milhares de dólares. Os esquemas das ajudas de custo começaram como se fosse um conto, tornaram-se uma história e agora já são uma antologia. Parece que há uma espécie de solução-Tiririca: “Pior do que está não fica!” Nesta história do custo das ajudas de custo quem será mais limpinho? Aquele que mete as mãos na massa, ou aquele que lava as mãos já lavadas? E continuam os contribuintes a pagar o elevado custo das ajudas de custo. Custa assim tanto organizar as coisas ?

2 Comentários

  1. Isto tem uma solução técnica:
    1. análise do convite dirigido ao Ministro ou Chefe;
    2. Definição dos objectivos da delegação para com o evento;
    3. Indicação dos técnicos que podem contribuir para o alcance dos objectivos;
    4. Proposta dos integrantes da delegação;
    5. Elaboração do pré-relatório;
    6. Agendamento da definição dos passos seguintes.

    Vinte membros de uma delegação é um número complicado para fazer um briefing de concertação no quarto de hotel do chefe da delegação ou no restaurante para analisar uma situação inesperada. Muitos deles não serão achados nem tidos e poucos deles irão dar o litro e soar a camisola.
    Eu ficaria muito satisfeito se o autor deste trabalho fizesse chegar a análise que fez à jovem ministra ao invez de expo-la neste espaço público que talvez tenha uma audiência numerosa. Mas “vamos fazer mais como entao?” O exercício da comunicação social vai à busca das grandes audiências e uma ministra é uma figura proeminente que desperta curiosidade pública…
    Com os meus respeitosos cumprimentos
    António Oliveira

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