O Estado da Nação e o Futuro

Penso que das ideias mais marcantes do discurso de João Lourenço sobre o Estado da Nação foram as relacionadas com a imperiosa construção da democracia. Seja através de referências directas, seja através do anúncio de medidas sobre corrupção, transparência das instituições, sistema judicial e sua actuação, o presidente da república falou concretamente dos meios para se construir e fazer funcionar um estado de direito.
Relevo as referências aos princípios democráticos na parte inicial do seu discurso:
“o reforço do sistema democrático será uma das grandes apostas do Executivo que dirijo, o que vai implicar (…) a promoção do respeito pelas instituições e pelas liberdades fundamentais, o reforço dos princípios cívicos e a aceitação da diversidade e das diferenças de opinião e de escolha“.
O presidente retomou o tema na parte final do discurso e assumiu o compromisso de governar com os cidadãos:
“Tive a ocasião de afirmar que o meu mandato vai ser marcado pelo esforço de valorização do cidadão e por uma governação aberta, inclusiva e participativa, mas para isso conto com o concurso das organizações da sociedade civil, das igrejas e de todos os patriotas de boa vontade comprometidos com a Nação acima de quaisquer outros interesses“.
E prosseguiu deste modo:
“Reitero perante vós, dignos representantes do povo angolano, o compromisso da defesa e cumprimento da lei e do fortalecimento do sistema democrático“.
Creio que é muito importante a assunção destes compromissos num contexto em que já se registaram medidas quanto à moralização do Estado. Não me parece que sejam afirmações de circunstância ditadas por tácticas do exercício do poder. João Lourenço é homem do sistema, é verdade, mas compreendeu que o momento difícil que Angola atravessa, fruto de muitos erros acumulados desde a Independência, exigia uma mudança radical na postura do poder político perante os cidadãos e na tomada de medidas de reorganização do Estado e medidas governativas de carácter social e económico.
Na abordagem dos problemas económicos, João Lourenço forneceu bastantes dados sobre o estado actual da economia angolana. No entanto, no que respeita ao problema enorme que o actual presidente herdou: a diversificação da economia, parece não haver ainda um plano suficientemente definido por parte do Executivo. É um problema cuja solução não é apenas diminuir as importações e aumentar as exportações. Interessa saber como se fará a diversificação da economia de modo a trazer benefícios à grande maioria da população. Na minha opinião (igual à de alguns outros analistas), a solução passa essencialmente pelo recurso ao fomento de pequenas e médias empresas no sector produtivo: agricultura, pescas e indústria transformadora (desde o agro-alimentar à metalo-mecânica). Serão muitos empresários produtores a criarem muitíssimo emprego.
João Lourenço enunciou no seu discurso as tarefas governativas para corrigir erros e lançar as bases da recuperação em todos os sectores, nomeadamente o social. A amplitude dessas tarefas requer meios de que há muita carência. Faltam meios financeiros, são ainda diminutos os recursos humanos capacitados e é pouco eficiente a administração pública. Ora o que vai determinar o sucesso das medidas em cada sector será a capacidade operativa (plano operativo e meios para o realizar). Essa capacidade só se consegue com recursos humanos adequados, estruturas e serviços estatais que funcionem bem e sociedade civil estimulada.
Hoje é evidente que o discurso político tem mais clareza que no passado e mobiliza os cidadãos, mas a magnitude dos problemas exige que se acelere a sua solução. O penoso quotidiano dos angolanos não pode prolongar-se por muito mais tempo, sob pena de esmorecerem rápida e perigosamente as esperanças criadas no ano passado com a mudança da liderança do país.
O reforço do sistema democrático e o respeito pelas instituições referidos por João Lourenço, só deixarão de ser apenas componentes dum discurso de conveniência política, com caracter ilusionista, quando JLo, enquanto PR expurgar as instituições das estruturas do partido a que também preside, o MPLA.
É esse o mal fundamental por resolver, o mal de que decorrem a maioria dos males gravíssimos que inquinam o Estado, a sua administração, órgãos de justiça, etc. Enquanto a hegemonia do partido MPLA sobre o estado não for extinta, não será possível a JLo nem a ninguém realizar a agenda que apregoa.
Essa hegemonia nunca foi posta em causa por JLo e constitui matéria que nem está no seu foco nem da maioria dos atores políticos angolanos, sejam partidários ou de organizações da sociedade civil.
Para poder-se abordar com seriedade e de forma consequente os problemas que o pais vive e implementar as transformações necessárias, tem que se começar pela abordagem da hegemonia que o MPLA exerce sobre o estado.