Eugénio Costa AlmeidaOpinião

Os feriados e os símbolos nacionais; que debate?

A Assembleia Nacional, ontem, 9 de Agosto, na sua terceira reunião plenária extraordinária da 1.ª sessão legislativa da quarta legislatura votou ontem, por maioria, a adopção de novos feriados e da consolidação (?) dos nossos símbolos nacionais ou, mais concretamente, a “deferência do uso da bandeira nacional, insígnia e hino nacional de Angola”, bom como “promover o conhecimento massivo, o respeito e a utilização uniforme dos símbolos nacionais.

Pelo menos um facto sobressaiu. Não houve consenso para nenhum dos casos, mas também ninguém votou contra.

Todavia, de entre a Oposição houve quem considerasse que quer nos feriados, como para os símbolos nacionais, deveria ter havido o maior consenso possível.

O porta-voz da CASA-CE, Lindo Tito, realçou que, mais do que acatar e promover o uso dos símbolos nacionais, temos de “estabelecer um conjunto de regras no sentido da utilização e respeitabilidade dos símbolos nacionais” enquanto o deputado da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, recordou que a falta de consenso se deve(u) ao facto dos actuais símbolos nacionais (bandeira, insígnia e hino) “não são factores de consenso por carregarem representatividade partidária.

Tal como estes deputados, o consenso deveria ter sido o factor primordial para que, na minha opinião, não persistisse a ideia da imposição de uns sobre outros.

E isso pode ser tomado como tal, seja num caso, como no outro.

Se não vejamos.

Em 28 de Agosto de 2003, a então Comissão Constitucional que estava a elaborar a nova Constituição, apresentou uma nova bandeira que tinha sido “acolhida” entre as várias propostas e que entraria em vigor após as programadas eleições de 2005.

Para quem não se recorde, a bandeira proposta era constituída por 5 faixas horizontais, sendo que as faixas inferior e superior seriam em azul escuro, representando a liberdade, justiça e solidariedade; as duas faixas intermédias, de cor branca, representariam a paz a unidade e a harmonia; por sua vez, a faixa central, de cor vermelha, revelava o sacrifício, tenacidade e heroísmo. Nesta faixa ficaria um sol amarelo com 15 raios, composto de três círculos irregulares concêntricos e simbolizaria a identidade histórica e cultural e a riqueza de Angola. A imagem foi inspirada nas pinturas rupestres de Tchitundo-Hulu, da província do Namibe. (podem aceder à imagem em https://pt.wikipedia.org/wiki/Bandeira_de_Angola#/media/File:Flag_of_Angola_(2003_proposal).svg).

Interesses de um grupo impuseram-se aos interesses de um global.

Acabou por vingar os actuais símbolos nacionais. Estão, foram, aprovados respeite-se e, como afirmou, no final da sessão o Presidente da AN, numa clara crítica a um certo sector partidário, Fernando da Piedade Dias dos Santos, a maioria dos deputados “parece ter estado deslocada do assunto” porque a “análise da proposta era para a deferência aos símbolos nacionais, quaisquer que eles sejam, os actuais ou os futuros”. Ou seja, os deputados tinham de olhar para além do que hoje olham.

Os actuais símbolos estão e foram aprovados por quando da Constituição de Fevereiro de 2010. Respeite-se e cumpra-se.

Mas isso não impede que, pelo menos o Hino, possa ser readaptado às actuais circunstâncias políticas e sociais deixando um pouco as referências às razões que levaram à sua escrita por quando da República Popular. Por certo que os autores não se importariam de ver essa readaptação. Até lá que se preste a necessária deferência!

Mas fica a sugestão.

E por causa da deferência que se exige pelos símbolos nacionais, não é compreensível que um deles, o Estandarte Nacional, continue a ser suporte, insígnia de um partido político. A deferência deve começar por aqui. Daí, talvez, e cordo, as palavras de Nandó: « a maioria “parece ter estado deslocada do assunto” porque a “análise da proposta era para a deferência aos símbolos nacionais, quaisquer que eles sejam, os actuais ou os futuros”».

Mas quando os interesses de um grupo se sobrepõem aos interesses de um global, a imagem que transmitem é de arrogância e imposição.

E isto não se vê só no caso dos símbolos nacionais. Tal-qualmente, nos feriados, essa sobranceria é evidente.

A manutenção do 4 de Fevereiro como a principal data Nacional ou Dia do Início da Luta Armada de Libertação Nacional” – o que, sectorialmente, não deixa de ser verdade –; quando, para mim, deveria ser tomada em consideração como o verdadeiro ou principal início da Revolução Nacional, o 4 de Janeiro, data do massacre de Cassange/Kassange ou “Dia dos Mártires da Repressão Colonial. Já foi e já deixou de ser e não voltou se não como “celebração nacional”. Porque será?

Não é a questão de ser o 4 de Fevereiro. É histórico que nesta data, também em 1961 como Cassange, ocorreu a rebelião que seria o despoletar da primeira luta de Libertação Nacional. Mas é o facto de um grupo achar que pode arrogar o direito a ser dele quando, todos os historiadores já o provaram que nesta rebelião participaram várias correntes – se é que de correntes se pode falar – de ideias.

Saudemos os heróis que nele, directa ou indirectamente participaram – um dos quais deveria ser mais recordado, o Cónego de Manuel da Neves, como lembra Alberto de Oliveira Pinto, no seu belíssimo “ensaio ego-histórico” «A Criança Branca de Fanon” e que o historiador Jean-Michel Tali, no Prefácio, realça. São de todos, não de uns!

Mas não é neste ponto que chamo à atenção para a “soberba” de quem propôs e votou os feriados. Para o novo feriado de 23 de Março, que recorda o fim da batalha de Cuito Cuanavale, como o Dia da Libertação da África Austral!

A quem requeremos nós o direito de apresentar uma data que, quer queiramos, quer não, representará para toda uma região do Continente, a África Austral?

Falando só da região, ou seja, já nem questionado a União Africana, será que os tswanos, os sotos, os moçambicanos – que, mais de um, já me disseram não se rever nesta data como global, mas tão-só angolana, apesar de terem estado na Batalha com um contingente militar da Frelimo – foram consultados e a acolheram? Será que os namibianos consideram com sua esta data e não, por exemplo, aquela que lhes permitiu vir a serem senhores dos seus destinos, ou seja, a que celebrou o Acordo Tripartido entre Angola, Cuba e África do Sul?

E os sul-africanos concordaram em ser acoplados a uma data que, podem considerar mais angolana que sul-africana, até porque, segundo os registos militares angolanos a batalha de Cuito Cuanavale redundou na derrota dos sul-africanos? Não podemos esquecer que a História não vai dizer que foi a derrota do regime do apartheid, mas do País e, por causa, dela, ajudou a acabar com o decrépito regime do apartheid.

Não poderão, por exemplo, os sul-africanos acolher como data de libertação da África Austral – porque também foi tão ou mais importante, num ponto de vista mediático e social – a revolta do Soweto?

Penso que é altura de começarmos a deixar de olharmos para terceiros como Nós. Se queremos que nos respeitem como baluartes da Liberdade e do respeito, não podemos continuar a impor o “Meu” a Todos.

Só perdemos a face; e não é só internamente. Mais, ainda, a nível externo.

Talvez fosse interessante lerem, com atenção, as palavras do Presidente da Assembleia Nacional e o que nelas acarreta de muito bom senso!

Já nem falo em Referendo. Mas um bom e amplo, muito amplo debate – incluir toda a Sociedade Civil e Académica –seria muito pertinente.

 

*Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e Pós-Doutorando da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**

** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado

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