Editorial

Os idiotas úteis e a arte de cultivar polémica

Para contrariarem o politicamente correcto que, segundo eles, assola o Ensino Superior, no final de 2018, um grupo de estudantes universitários internacionais anunciou o lançamento do Journal of Controversial Ideias, ou seja, uma revista de ideias controversas com o fito de dar lugar ao pensamento não conformista no debate público. A revista permitirá que os universitários publiquem o seu trabalho sob pseudónimo e naturalmente tal situação gerou polémica. Os fundadores do Journal of Controversial Ideias sustentam que vão concordar com as “normas universitárias em vigor” para avaliarem os artigos, mas já se colocam várias questões como se o tal “comité de leitura” numa revista consagrada à liberdade de expressão não terá uma certa tendência para publicar ideias muito polémicas em nome da liberdade de pensamento. A possiblibilidade de publicar anonimamente poderá gerar o risco de se criar uma situação em que toda e qualquer ideia, mesmo que imoral, discriminatória ou repugnante possa ser debatida numa plataforma e em pé de igualdade. Além de que conceder o anonimato aos autores não permitirá responsabilizá-los pelas suas afirmações. E está lançada mais uma polémica num país (EUA) e num meio (a academia) onde a arte de criar polémica já se vai tornando o prato do dia.

Hoje a polémica chegou e reina no mundo virtual. Sob uma aparência bem-educada, as novas estrelas do debate virtual e dos “assuntos actuais e polémicos” servem-se da Internet para espezinharem todos os princípios de uma discussão aberta e civilizada. A estratégia deles é descredibilizar os adversários para melhor aniquilar os argumentos destes. Calúnias infundadas e ostracização pessoal, onde passa a ser aceitável atacar as pessoas em vez das ideias delas. Normalmente desconfio das pessoas que fazem actos de contrição a políticos para fazer política, são verdadeiros lobos com pele de cordeiro para atacar ovelhas. Dizem que não morrem de amores pela participação na política partidária directa mas no fundo desejam-na tanto como aqueles que estão no activo. Estes populistas que se dizem apartidários e até apoliticos, tresandam a uma obsessiva paixão pelo poder. Criar polémica faz deles activos e assertivos, assim pensam eles.

São os tais “idiotas úteis” na incessante arte de cultivar a polémica. “Idiota útil” é alguém que se acha muito inteligente, mas, mesmo sendo-o, é tão facilmente manipulado e persuadido pela bajulação de pessoas no poder (ou que já tiveram poder), que está preparado para servir os seus fins e permite-se ser manipulado e mesmo enganado. É alguém muito ingénuo que se julga muito inteligente. Um “idiota útil”, de forma consciente ou inconsciente, permite-se ser enganado. Um “idiota útil” é um idiota por opção. Uma parcela considerável dos “idiotas úteis” são pessoas que alinham com um movimento, com um pensamento porque acreditam honestamente que estão a trabalhar por justiça e por um mundo melhor. Sentem-se numa espécie de justiceiros ou paladinos das nobres causas. Actuam cegamente em nome de interesses obscuros e de causas que não são suas. Quando descobrem que foram enganados costuma ser tarde demais e logo depois são descartados. Depois de a sua missão ter terminado, deixam de ser úteis e são substituídos por outros “idiotas” que passam a ter maior “utilidade” na visão de quem os cria, alimenta e sustenta.

Os “idiotas úteis” são os bobos da Corte dos tempos modernos. O bobo da Corte era um artista contratado pelas cortes europeias na Idade Média para divertir os Reis e seu séquito. Como era um palhaço, era considerado cómico e muitas vezes desagradável. Além de fazer a corte rir, ele também dançava, tocava instrumentos e era o mestre de cerimónias nas festas. Os “idiotas úteis” de que falo são uma versão moderna e melhorada dos bobos da Corte e, hoje, encontram na Internet ou nas redes sociais o palco perfeito para destilar fel e toda a verborreia. São idiotas pronto. A maior parte deles não sabe disso e seria útil se o soubessem. Mas quem os manipula e faz isso deles sabe bem quão parvos são e de que nada valem. Mas enquanto forem úteis para defender os seus interesses não custa nada utilizá-los em seu proveito.

“Ser assertivo é muito diferente de ser agressivo. As pessoas assertivas conseguem dizer tudo aquilo que deve ser dito, mas sem perder a noção do real e do ridículo e, acima de tudo, sem abdicar do respeito pelo outro, mesmo que o outro esteja nos antípodas do nosso pensamento. As pessoas agressivas são exactamente o oposto. Quase sempre gente que lida com algum tipo de frustração, convencida pela sua superioridade intelectual e moral, que recorre ao insulto como forma de sobrevivência na luta pela permanente visibilidade. Acreditam-se gravemente subvalorizadas. Para ganhar protagonismo, não há nada mais eficaz do que a verborreia, mas isso é como andar em bicos dos pés. No meio desta gente, até existem pessoas com real valor, infelizmente perdem-se numa vaidade desmedida, enquanto aplaudidos por uma trupe de fiéis seguidores, transformado sem claque, porque “haters gonna hate“, escreveu há tempos o amigo e jornalista português, hoje a trabalhar em Cabo Verde, o Nuno Andrade Ferreira. Melhor definição é impossível e qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

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