Cronistas

Pequena nota sobre condições e significados da fundação de Luanda

Luanda é uma cidade de origem colonial, dado histórico comum a muitas grandes cidades do mundo. Londres, Paris e Lisboa foram fundadas pelos colonizadores romanos e Alexandria pelos colonizadores gregos, em homenagem a Alexandre o Grande. Aliás, os gregos criaram a palavra colónia para designar os seus estabelecimentos fora da Grécia. A maior parte das grandes cidades do continente americano também foram fundadas no período colonial. Alguns países apresentam esse fator com orgulho cultural. Churchill, ao justificar a expedição britânica para expulsar as tropas hitlerianas da Itália na segunda guerra mundial, disse “devemos Londres a Roma” e os egípcios nunca mudaram o nome de Alexandria, apresentando-a oficialmente como demonstração da diversidade de fontes da sua cultura e história.

Outros países, em vários continentes, optaram por mudar  os nomes de cidades fundadas pelo colonialismo ou corrigir-lhes a ortografia,  em certos casos mudaram  o nome dos próprios países e o valor de diversas datas. É um longo debate entre a leitura politica ou cultural e marcas ou feridas da História, de consenso impossível e mesmo equilíbrios muito difíceis.  

A expressão colónia, criada pelos gregos, só foi aplicada à colonização europeia em África, Ásia e Américas a partir de finais do século XVII. Nos séculos XV, XVI e grande parte do XVII, conforme refere Marc Ferro no seu “Colonialismo Explicado a Todos” (Paris: 2016; tradução em português Ediunesp, São Paulo 2017), usavam a expressão  “conquistas”. Em muitos casos, notamos a ausência de ação militar para tais conquistas (São Tomé e Cabo Verde, por exemplo, eram desabitadas) mas implicavam sempre algum nível de posse e implantação

Luanda foi fundada em 1576 no dia de São Paulo (25 de janeiro) daí o nome de São Paulo da Assunção de Luanda, homenagem ao nome do seu fundador oficial, Paulo Dias de Novais. Anos mais tarde seria fundada São Filipe de Benguela, reverência ao rei Filipe, que ocupava o trono português.

Novais era “capitão donatário”, ou seja, dirigia como proprietário uma “capitania donatária”, entidade mista de funções administrativas, militares e empresariais. A concessão  implicava diversos objetivos e também pagamento de tributo à fazenda real. A localização de minas de prata e a fixação de cem famílias de agricultores europeus, faziam parte desses objetivos e não forem alcançados.

A fundação de Luanda é componente do projeto, sobretudo porque a baía facultava proteção ás embarcações e o morro era propício a edificar instalações militares, administrativas e religiosas, estas de elevada influência na época. A fundação da vila de São Paulo da Assunção de Luanda não afetou, no momento, o poder das unidades políticas africanas (Patrice Batsikama tem razão ao considerar que o Kongo não era uma monarquia do tipo indo-europeu e o mesmo pode aplicar-se ao Ndongo; as suas apresentações como tal derivavam de analogias eurocêntricas pelos primeiros europeus chegados, inclusive os cronistas). O que vai afetar essas duas unidades serão as operações militares motivadas em larga escala pela procura de minerais: prata em Cambambe (inexistente) e cobre no norte (que mais tarde deu lugar a exploração até meados do século XX, no Mavoio), uma das grandes causas da batalha de Mbwila, cerca de um século depois.

Não há notícias de combates relacionados com a fundação de Luanda, mas a breve trecho começaram as batalhas das margens do Kuanza, com destaque para Massangano que aparece até com mais importância para a “capitania donatária” que Luanda. Os minérios tiveram, portanto, grande relevo na definição da política colonial para Angola, confirmada no século XX, primeiro com os diamantes (durante muitos anos maior exportação) e depois, até hoje, o petróleo (de que há noticias a sul de Luanda, sem saberem exatamente do que se tratava, desde o século XVIII), além de explorações menores.

A “capitania donatária” como instrumento central do colonialismo, faliu tanto em Angola como no Brasil e a ausência de prata deu lugar à intensificação da escravatura, a partir de então direcionada às plantações de açúcar do Brasil. Este elemento reforçou a visibilidade de Luanda em todo o Atlântico Sul. Só se tornou centro administrativo central em 1627, mas a sua fundação é o primeiro marco na longa delimitação territorial de Angola, tal com a conhecemos hoje.

Há ainda outro significado de relevo. No periodo pré-fundação, a área era frequentada por emissários ou funcionários do Ngola Ndongo e do Mani Kongo, por diversos motivos, incluindo afirmações de soberania e o famoso Zimbo. Este é um dado com valor histórico no sentido da unidade nacional, função que Luanda continua a desempenhar.  

 

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