Portugal: Maioria dos jornalistas que passaram a assessores não regressa ao jornalismo

Os “jornalistas que mudaram de lado e foram trabalhar como assessores de imprensa do Governo português” continuaram ligados “ao Estado ou ao poder político após deixar o trabalho governamental”, escreve o autor, no resumo da tese, a que a Lusa teve acesso.
“Enquanto jornalista estrangeiro em Portugal, vi muitas vezes essa passagem” de jornalista para assessor, relatou à Lusa o autor, jornalista brasileiro a viver há mais de 30 anos radicado em Portugal, justificando a escolha do tema.
Na tese, Jair Rattner analisa o percurso profissional dos jornalistas que passaram a assessores do Governo português entre 6 de Abril de 2002 e 12 de Junho de 2011, abarcando dois governos PSD-CDS/PP, chefiados por Durão Barroso e Santana Lopes, e dois governos PS, ambos liderados por José Sócrates.
No período analisado, o autor identificou 129 assessores de imprensa (65 homens e 64 mulheres) para os quatro governos. Quase dois terços (64,4%) eram jornalistas e, destes, mais de metade (51,8%) eram mulheres.
Os 129 dividiram-se em quatro grupos após concluírem funções: os que ficaram na órbita do Estado ou em organismos dependentes do Estado e nos partidos políticos (33,3%); os que voltaram ao jornalismo (28,7%); os que foram para comunicação empresarial (19,5%); e os que se retiraram da comunicação (18,4%).
Sobre o número dos que regressaram ao jornalismo, Jair Rattner estima que seria muito menor hoje, porque os órgãos de informação “perderam capacidade financeira” desde 2011. A ideia do regresso ao jornalismo divide-os, entre os que gostavam de voltar , mas não no actual contexto do sector, e os que puseram “um ponto final”.
Segundo o autor, a elevada percentagem dos que ficaram na esfera jurídica deve-se às “redes de poder” a que “passaram a estar ligados”. Para o justificar, assinala que mais de dois terços (71,4%) desses 129 assessores estiveram com mais de um ministro ou o mesmo, em diferentes pastas ou diferentes governos, ou ainda mais de um ministério.
“Apenas 37 foram nomeados apenas uma vez nesse período de pouco mais de nove anos e apenas três foram assessores de governos de esferas políticas distintas”, contrapõe.
Neste aspecto, Portugal distingue-se do Brasil, onde “a assessoria de imprensa é considerada actividade exclusiva dos jornalistas” e “o jornalista pode ser assessor de imprensa de manhã e jornalista à tarde”, com a única limitação de não trabalhar sobre a área que assessora.
“No Brasil, o paradigma é que os assessores de imprensa sejam contratados por concursos públicos e na qualidade de funcionários públicos e têm como função dar transparência às decisões tomadas nesses organismos públicos”, distingue o autor.
Ora, em Portugal, a assessoria de imprensa governamental é “uma situação profissional transitória”, porque “são cargos de confiança, escolhidos pelos governantes segundo critérios de lealdade e proximidade política”. Portanto, “quando os governantes abandonam os governos, com eles também saem os assessores, que, durante o período em que ocuparam o lugar, foram os responsáveis por gerir a visibilidade dos mandatários”, observa.
Nas entrevistas, o autor questiona os assessores sobre a sua actuação junto dos jornalistas, que vai desde a mera gestão e disseminação informativa a intervenções mais activas, que passam por influenciar a agenda e definir o que será noticiado (gatekeeping) ou mesmo pela construção das narrativas. Os vários assessores realçaram que “a verdade” é uma linha vermelha, mas consideraram “perfeitamente natural omitir informações que poderiam ser prejudiciais aos políticos” que representam.
A maioria dos assessores descreveu a relação com os jornalistas como sendo de colaboração, “ainda que divergissem sobre qual o lado mais forte nesse intercâmbio”. Muitos destacaram a “fragilidade económica actual do campo jornalístico como responsável pelo facto de os assessores, enquanto representantes do campo político, terem maior força”, assinala o autor.
“Os governos do PS tiveram sempre um maior número de assessores de imprensa do que os governos PSD-CDS”, constata, sem conseguir identificar a razão, mas arriscando quatro hipóteses: maior duração dos governos PS; aumento dos canais de comunicação com a população; maior preocupação com a imagem por parte dos socialistas; maior influência do PS entre os jornalistas.
A passagem dos jornalistas para a área da assessoria de imprensa é “uma tendência” pouco estudada em Portugal, em grande medida, por causa da falta de um registo profissional dos assessores, que no caso dos jornalistas, é assegurado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.
“Poucos desses profissionais cumprem o que está previsto no Estatuto do Jornalista, que prevê a suspensão da carteira profissional para exercer actividades consideradas incompatíveis [entre as quais se encontra a assessoria] “, apurou.
Entre 1990 e 2006, “apenas 268 jornalistas suspenderam a sua carteira para realizarem trabalhos incompatíveis e apenas seis declararam que o objectivo da suspensão era trabalhar em agências de comunicação”, menciona.
Sobre as motivações dos jornalistas que foram para as assessorias, Jair Rattner diz que “uma grande parte deles” fez essa opção “num momento de crise pessoal em relação à profissão”, relacionada com o que ganha, com o trabalho, injustiças ou cansaço. Em comum, “a relação entre eles e o jornalismo está abalada”, resume.
Fonte: Diário de Notícias.