Pós verdade: Da política às relações Sociais ou a metáfora de James Baldwin

A noção de pós verdade é mais uma daquelas coisas muito conhecidas, às quais põem um novo nome para fingir descoberta e aí mesmo começa a falsidade, a impostura, a deformação e até inversão da realidade. A partir desses adjetivos, conhecidos da humanidade desde os primórdios, criam-se neologismos em inglês como fake news. Mas o objetivo é sempre idêntico: enganar e, em casos extremos, caluniar. Também não é novidade. Muitos de nós fomos alvo dessa prática durante os nossos combates pela liberdade, quando nos chamavam até de terroristas. Ganhamos, enquanto os caluniadores repressivos caíram no caixote do lixo da História cobertos de excrementos e assim vai ser com os atuais agentes da pós verdade e fake news.
Aviso a quem esteja distraído
Sob esses mantos, figuras tenebrosas muitas vezes doentes, destilam veneno, não por invejarem nossos bens materiais, pois até têm mais dessas riquezas que nós, mas sim porque – como já referi, citando uma frase anónima veiculada nas redes – porque não conseguem apagar o nosso brilho. Duas grandes amigas minhas e nossas conhecidas compatriotas, reproduziram ontem frases, também de sites das redes, no mesmo sentido. A Paula Simons mencionou: “quando as pessoas tóxicas não conseguem manipular você, elas tentarão manipular como as pessoas enxergam você, mentindo, difamando e caluniando”, frase do blog frasespararefletir03.blogspot.com. Há blogues alvo de muito ódio pelas faixas da pós verdade e tive um camarada blogueiro da Mauritânia à beira da pena de morte em virtude do que escreveu. Eu também tenho um blog: www.jonuel34.blogspot.com
A outra frase foi usada pela Maria Emília Cerqueira, citando o site partilha.pt : “ eu até compreendo as pessoas que não gostam da minha sinceridade. Deixem lá, pelo menos temos algo em comum! Eu também não gosto da falsidade delas”.
Outra vertente do tema é o movimento pós verdade pensar que nos engana e intimida. Não nos subestimem nunca, pois nós não confundimos o significado dos atos, dados e posturas na vida e além disso, deixamos os medos nas picadas da História que fizemos.
Já quando o saudoso – e por nós muito respeitado – escritor negro norte-americano James Baldwin escreveu “Next Time Fire” nós dizíamos “não brother, é fogo já!”.
Então, olhemos algumas áreas dos fogos apresentados como lindas praias ou onde os pirômanos acusam inocentes.
No Burundi, o presidente Nkurunziza algemou o país num referendo manipulado e vai ficar no poder até para lá de 2.030. Nos Camarões, Paul Byia nem precisa de referendo já tem há muita legislação para lá ficar até morrer. Em muitos países do continente africano as contas públicas continuam cheias de mistérios, ao mesmo tempo que setores privados, com fortunas no exterior, dizem estar no prejuízo. No Sahel, jihadistas criaram um agrupamento chamado Estado Islâmico do Grande Sahara que se exprime através de terrorismo e ameaças até contra companheiros/as nossos. Manifestações de pessoas desarmadas são combatidas com rajadas de metralhadora na fronteira Israel-Gaza, comportamento que mesmo algumas ditaduras hoje evitam. Na Venezuela decorreram eleições mais que duvidosas com boicote da oposição (dois figurantes tentarm ocupar-lhe o lugar) e abstenção reconhecida de 54% ( já é maioria mas pode ter sido mais). Donald Trump e Kim Jong-un depois de muitas promessas falam em anular ou adiar o encontro previsto, trocando ameaças ou chantagens (na verdade contra o mundo), embora não seja surpresa vindo de quem vem.
Os viciados agentes da mentira
Podia aumentar a lista de falsidades sobre como o mundo é governado, mas limito-me a assinalar os pontos comuns a todos estes: todos culpam os adversários, todos deformam os acontecimentos, todos revelam egos sufocantes e todos procuram na prática criar desorientação social. É a pós verdade acionada por um bando de canalhas. Mas não são os únicos.
A nível social eles aparecem ainda em dois pontos crucias: mercado de trabalho e cultura e educação. Diversos governos têm aprovado ou proposto novas legislações do trabalho e segurança social, agravando a precariedade ou criando empregos de salário muito baixos ou ainda pressionando as aposentadorias de mais velhos em luta pela sobrevivência. Por vezes avançam com tudo isto junto, chegando ao cumulo da falta de vergonha ao dizerem que tal é ótimo para a sociedade. Não dá vontade de seguir um colega da Ilha Mauricio há anos, quando perdeu a cabeça num artigo político e
escreveu “allez vous faire foutre” (vão se foder”) ?
O mesmo poderia ser endereçado aos agentes da pós verdade na cultura e educação. Antes de mais no cinema, antiga sétima arte que virou primeira, o assédio sexual tem sido regra, como se fosse um direito de diretores ou realizadores dispor de atrizes, chantageando através do natural entusiasmo por uma carreira artística com brilho. Alguns desses cineastas fizeram obras com forte conteúdo moral e agora verificamos como essa moral era por eles mesmos pisoteada. Assim age muita gente que usa a moral como cobertura apenas. A Academia afastou vários deles mas fica a duvida se os membros da mesma não sabiam destas agressões há muito tempo, dada a sua extensão.
Podemos imaginar o inferno por que passam as jovens cantoras para gravar o primeiro disco.
Falsificando a educação
Nas chamadas Ciências Sociais a falsidade começa muitas vezes na palavra Ciência, pois grande número de disciplinas em muitos países o que se “leciona” nada mais é que ideologia. A Ciência Política não existe, sendo muito mais adequado ´- e menos pós verdade – chamar-lhe Estudos Políticos como ocorre em algumas universidades. Os debates sobre Cultura em si, por sua vez, são marcados pela chamada “identidade”, emissora de raios racistas em todos os sentidos e de todas as cores. É o colorismo em progresso com insultos histéricos a quem se oponha e apelos á autenticidade, recordando por um lado Salazar e Mobutu por outro. A existência de culturas com pessoas de várias cores é negada com sacrilégio por elementos de várias “origens” . Muito bem, aqui está um sacrilégio que vale a pena porque em acordo com a verdadeira origem comum de nós todos: aquele trecho do vale do Rift, ali no Quénia.
Em países como Estados Unidos, França e Brasil, o bullying é pratica assinalada no corpo discente e parece só parar a partir do momento em que as vítimas reajam sem medo aos agressores. O assunto amplia-se e, num quadro diferente, atinge professores. Por exemplo, maus alunos reprovados caluniam professores de os perseguirem, discriminarem ou até humilharem com as exigências escolares e as notas. Exigências de trabalho e notas, são duas condições para ensino de qualidade; abandoná-los conduz à queda de nível das escolas ou faculdades, como acontece cada vez mais. Na verdade, maus alunos/as de estabelecimentos de ensino públicos – portanto pagos com dinheiro
do povo – que reprovam, deviam sair desses locais por desperdiçarem o dinheiro do povo, abrindo assim vagas a pessoas de condição modesta. Ao contrário, alguns até usurpam com falsas declarações, direitos atribuídos a grupos desavantajados historicamente.
Conforme todos sabemos, em Angola, é corrente professores pedirem dinheiro aos alunos (muitos deles de condição modesta) para serem aprovados e passarem de ano.
A chantagem sexual ou financeira, o racismo, o bullying e a calúnia, são formas de assédio, mas quem as comete atribui a culpa às vítimas. É a inversão das responsabilidades, grande meta da pós verdade. Também não é novo. Até Hitler apontou como agressores na segunda guerra mundial Reino Unido, França, Polónia e, mais tarde, disse igual absurdo contra os soviéticos. Acresce, hoje, que muita gente de claro comportamento direitista faz-se passar por esquerda em movimentos sociais e parte importante da esquerda é autoritária faz tempo.
Enfim, um contexto em criação parece somar vários destes ingredientes. O governo em formação na Itália é aliança da extrema direita com um movimento populista, aviso conhecido de que o discurso patriótico vai esconder desígnios repressivos e buscar bodes expiatórios para as crises, no caso, já sabemos, serão os imigrantes. As medidas económicas propostas por esta aliança são uma estupidez total e, de novo ao invés do discurso, vão piorar tudo e a Europa está em alarme. O chefe preparado para o cargo de primeiro ministro declarou ter estudado na Universidade de Nova Iorque. Falso, nunca esteve matriculado nessa Universidade, como ela própria esclareceu.
Então, a chamada era da pós verdade corresponde à emergência do neo-autoritarimo, como sublinha o sociólogo francês Edgar Morin e, desculpem, não consigo deixar de pensar na metáfora de James Baldwin com o anexo por nós acrescentado há anos.