
O Presidente angolano, João Lourenço, prolongou a partir de ontem o estado de emergência, que vigora no país desde 25 de Março, por mais duas semanas, depois de ouvido o Parlamento e por considerar “que persistem as razões que fundamentaram” a sua declaração, “nomeadamente o risco de propagação” dos casos de covid-19.
O Decreto Presidencial 128/20 segue a linha do anterior e inclui algo não previsto no primeiro mês de confinamento, a suspensão da “inviolabilidade da correspondência e das comunicações”, que se junta, assim, aos outros direitos suspensos “no todo ou em parte”. João Pinto, jurista e deputado do MPLA, partido do Governo, garantiu ao jornal Público que esta inclusão visa dar aos tribunais a possibilidade de usar mensagens, imagens e denúncias nas redes sociais como matéria de prova contra os infectados com covid-19 que violarem o dever de quarentena. “Até porque circularam mensagens que vieram provar que os cidadãos envolvidos na transmissão local” teriam estado em festas. “Não estando previsto no decreto presidencial, abria uma lacuna tomando em conta o facto de o decreto presidencial ter de elencar, por força da Lei 17/91, quais os direitos suspensos ou limitados”, explicou.
O facto de, por via do decreto presidencial, as autoridades angolanas poderem ler as mensagens dos seus cidadãos, escutar as suas conversas e usarem esse material privado como prova pública é relativizado por João Pinto.
“Tem carácter geral e abstracto, mas é para situações adequadas ao combate da situação que nós vivemos e que é uma situação nova”, justifica o deputado do MPLA. “Sempre que houver o interesse de aferir se um cidadão não cumpre as exigências da quarentena, marca encontros, publica fotografias, não aparece nos sítios, a polícia terá como prova esses dados.”
Nélson Domingos, jurista e cientista político angolano, lembra que a Lei da Identificação ou Localização Celular e da Vigilância Electrónica (Lei n.º 11/20 de 23 de Abril) foi “aprovada em plena vigência do estado de emergência”, o que por si só “é bastante sugestivo, abrindo espaço para legitimar o arbítrio”.
É provável, afirma o professor da Universidade Agostinho Neto, que venha “daí o interessa na manutenção da suspensão do direito à inviolabilidade das correspondências e das comunicações”.
Embora concorde que permitir ao Estado aceder à correspondência e comunicações dos seus cidadãos “tem carácter geral e abstracto”, o deputado sublinha que a sua aplicação visa apenas “situações adequadas”, como o “combate” à actual pandemia, e deve ser aplicada “com adequação e proporcionalidade”.
Algo que não convence Nélson Domingos, até porque o académico não vê ligação entre a emergência de saúde pública e a necessidade de ler e escutar as conversas alheias ao espaço público. “O estado de emergência declarado em Angola decorre da pandemia da covid-19, o que torna difícil estabelecer alguma correlação com a supressão do direito à inviolabilidade das correspondências e comunicações.”
Fonte: Público