Quando os privados se substituem à Marinha de Guerra nacional

Quando os Estados marítimos não têm ou não apresentam uma Marinha de Guerra qualificada acontece o que se passa na Nigéria.
Para combater a pirataria marítima no Golfo da Guiné são – ou continuam a estar a ser – criadas entidades privadas de segurança marítima.
Para exemplo imediato, relevo o caso de uma empresa do antigo Presidente nigeriano Goodluck Jonathan, a Ocean Marine Solutions (OMS), que opera com 42 pequenas patrulhas costeiras, armadas; sublinhe-se, 42 (quarenta e duas) pequenas, mas rápidas e bem armadas – ainda que discretamente – vedetas costeiras.
Ora, a Nigéria, enquanto Estado, a sua Marinha de Guerra, tem cerca de 127 navios, dos quais 110 são patrulhas costeiras ou ribeirinhas; os outros navios de guerra são oito patrulhas de alto-mar e fragatas, três corvetas e seis outros tipos de navios (entre embarcações de treino e anfíbias).
Daqui se mostra que se o, ou um, Estado não está bem preparado, ou se se atrasa na elaboração de programas de defesa marítima, acabam por entidades privadas fazerem esse papel.
E o caso da Nigéria é o mais prototípico. O país tem várias empresas de segurança privada de segurança e para-militares, sendo a maioria para defesa das costas nigerianas e da dos países vizinhos dos ataques de pirataria marítima e no delta do Níger. Na globalidade, essas empresas são detidas por antigos dirigentes políticos e por (antigos?) oficiais superiores das Forças Armadas nigerianas.
Na criação destas empresas, o caso da Nigéria é o mais paradigmático. Muito se deve ao atraso no desenvolvimento do programa Deep Blue Project, da Nigerian Maritime Administration and Safety Agency (NIMASA), para defesa das águas territoriais nigerianas, em particular, e no Golfo da Guiné, em geral, especialmente no combate à pirataria marítima. Este programa está parado há mais de um ano, à espera de desenvolvimentos e autorizações do Parlamento nigeriano.
Sabe-se que o Golfo da Guiné, está, presentemente, entre as duas maiores zonas de risco de prataria marítima – a outra, é na zona das Caraíbas –, pelo que carece de controlo apertado das marinhas de guerra dos diferentes países que ornam o Golfo.
Ainda há cerca de um mês, três navios foram abordados e atacados por piratas marítimos, um dos quais de pavilhão português, mas detido por uma empresa alemã e a maioria dos tripulantes de origem ucraniana, e os outros dois, com tripulantes russos raptados. A particularidade de, no primeiro, o navio estar em águas territoriais de Benim, e os outros dois – ambos em águas da Guiné-Equatorial – estarem, um atracado no porto de Malabo (o navio Rio Mitong) e outro estar no porto de Luba (navio Djibloho), a cerca de 40 quilómetros de Malabo.
Recentemente, sobre esta matéria da necessidade da defesa da, cada vez mais importante, rota marítima do Golfo da Guiné, escrevi pelo menos dois textos em que abordava a necessidade de a nossa Marinha de Guerra se melhor apetrechar – já não é a primeira vez que os piratas abordam nas nossas águas territoriais ou próximas delas –, seja pela compra de navios de alto-mar (no imediato), seja através da recuperação e construção de patrulhas em estaleiros que podemos e devemos construir para nossa defesa marítima (não esquecer a defesa da plataforma continental); o outro texto, mais recente, foi sobre a preocupação de São Tomé e Príncipe em desenvolver a sua marinha mercante, mesmo mostrando uma preocupação crescente face ao incremento da pirataria na área, sem se preocupar em desenvolver uma – mesmo que pequena – marinha de guerra. STP continua a manter uma incipiente Guarda Costeira, com alguns pequenos barcos de tipo zebro, e a depender do apoio da presença de um navio de guerra português.
Por outro lado, não esquecer que, além da presença significativa, de piratas marítimos, também o narcotráfico se mostra em ascensão. E, com este, o recrudescer e o reaparecer, na área e na parte ocidental, de países conotados com o tráfico de estupefacientes; uns provenientes do outro lado da costa atlântica, outros fabricados em laboratórios de países do Golfo…
E sabendo que o Golfo precisa de muita vigilância, então alguém está a ganhar muito, mas mesmo muito dinheiro com estas insuficiências nacionais. Seja com o tráfico e a pirataria, seja com a existência de seguranças privados. Alguns só operam na área e são de proveniência euro-asiática, como recordam analistas do norte-americano Carnegie Endowment for International Peace e do Departamento de Estado dos EUA…
*Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e investigação para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto; Investigador associado do CINAMIL**.
**Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado.