Eugénio Costa AlmeidaOpinião

Reflexões 5: E dos actos eleitorais…

1. Alguns dos vectores mais relevantes da Democracia prende-se com o direito que todos terem capacidade e plano de eleger, de questionar, de criticar, de exigir, de repudiar, ou, mais concretamente – e é um caso nada virgem – o de solicitar de deposição ou destituição, vulgo, impeachment – um termo norte-americano para cassar um presidente e adoptado pelos nossos irmãos brasileiros –, de um Presidente.

Se ele foi eleito e não cumpre com as regras democráticas constitucionais, este é um dos meios para fazer cassar um eleito.

2. Pois foi isso que a deputada Welwitschea “Tchizé” dos Santos em entrevista à agência portuguesa LUSA e ao matutino português Público o exigiu. É um direito, enquanto cidadã e enquanto deputada, que lhe assiste.

Já as razões e a forma não me pareceram a mais adequada, ou seja, fazê-lo por via da comunicação social e fora do espaço para que foi eleita e onde, segundo o partido, o MPLA, por qual foi eleita, diz não fazer assento há mais de 90 dias. Creio que de acordo com o regimento e sem justificação plausível, pode dar direito à cassação – leia-se impeachment –, do seu cargo de deputada. Parece, e a fazer fé nas mesmas declarações partidárias, que no início, as suas ausências seriam por razões de apoio a um filho doente; agora, pelas suas declarações explosivas, seria porque teme pela sua vida.

Ninguém põe as mãos no fogo por ninguém. Mas nem mesmo outros familiares da Tchizé, embora criticando – como é o seu direito, enquanto cidadãos, diga-se – a governação do Presidente João Lourenço, alguma vez os ouvi reclamar de protecção por sentirem a sua vida em perigo.

Em eventual perigo de poderem ser detidos por efeitos de averiguações judiciárias, sim; por temerem pela vida, não.

Mas a deputada Tchizé, que quer que a Assembleia Nacional, onde ela não tem estado presente, crie uma Comissão Parlamentar de Inquérito (VPN) à administração Lourenço que, segundo a ainda deputada, estará a abusar do poder (Folha 8) e «a fazer um golpe de Estado às instituições” (Novo Jornal)», é que sabe. E ele afirma ter documentos que podem sempre a salvaguardar. De quê? Ela que o afirme em local próprio. Como diz que tem a protecção da justiça britânica, onde paga todos os seus impostos – estranho para quem é deputada nacional –, deveria entregar àquela os tais documentos que a podem salvaguardar…

3. Por norma, e quando se trata do mais alto magistrado de um País, escrevo, em maiúsculas, a palavra presidente. Mas quando se sabe o que se soube esta semana, só posso escrever que o presidente do Togo, Faure Gnassingbé, um jovem, face ao habitual alto sexagenismo de muitos dos nossos líderes africanos – tem 52 anos e está no poder desde 2005, após suceder(!!) a seu pai, o general Eyadema Gnassingbé, – fez aprovar , na passada quarta-feira (08.05.2019) pelo Parlamento, uma «reforma constitucional que põe “a zeros” o contador de mandatos e [lhe permitira] ficar no poder até 2030» (Deutsch Welle).

A medida constitucional – leia-se, a nova Constituição (aprovada por 90 dos 91 deputados presente e onde a oposição, que boicotou a eleições invocando fraude eleitoral, não está presente – institui que «o Presidente da República é eleito através de um sufrágio universal, livre, direto e secreto para um período de 5 anos, que pode ser renovado uma vez». A nova Constituição permite que Gnassingbé possa não só se recandidatar, como estará «coberto de uma imunidade vitalícia» (DW). Resumindo, tirando a “vitalícia” tudo o resto não nos é estranho…

4. A Guiné-Bissau, nosso parceiro na CPLP e na lusofonia, mesmo após as eleições legislativas que deu a vitória minoritária do PAIGC – não era altura de estes alterarem a sua sigla e denominação só para PAIG-B, dado que se só circunscrevem, e bem, à Guiné-Bissau? – e permitiu ver criada uma “coligação” de incidência parlamentar visando a governação pelo PAIGC, continua a não só não ter governo, como a Assembleia Nacional Popular (AN) está inoperacional porque dois dos partidos da oposição – o MADEM-G15 (M-G15) e o Partido da Renovação Social (PRS) (VOA em português) – a boicotarem os inícios dos trabalhos porque o M-G15 viu o seu deputado ser recusado para o cargo (por direito do M-G15) de primeiro vice-presidente e não quer substituí-lo. Ora recordo que em Portugal, um partido, no caso, o PSD, também viu o seu candidato a Presidente da Parlamento ser derrotado pelos seus pares e esse partido ter de o substituir. Se houvesse vontade democrática do M-G15 e do PRS em avançar com o Parlamento, isto já tinha sido ultrapassado. É assim a Democracia representativa.

Mas parece que haverá quem esteja de acordo com a situação. Se não está, nada faz por a resolver ou modificar o actual status quo. No caso o Presidente José Mário Vaz – também reconhecido por JOMAV – diz que espera que haja nomeação da mesa da AN para marcar eleições presidenciais e para formar o Governo.

Não deveria Vaz, como Presidente e com o grau de influência que, naturalmente, detém, exigir que os contestatários – por acaso são os mesmos que despoletaram a crise política anterior e com beneplácito daquele, ou talvez seja isso mesmo… – acolhessem democraticamente, o resultado da eleição que reflecte o voto do eleitorado? É assim a Democracia.

Estes atrasos já começa a agastar a ONU e a CEDEAO levando-os a estarem impacientes e a exigirem não só a nomeação do Governo, que já deveria ter sido efectuada, independentemente do que se passa na AN, como a marcação das eleições presidenciais (Agência LUSA).

Já agora qual – se é que alguma vez existiu – o grau de influência da CPLP para a resolução – ou tentativa de resolução – desta (nada) anómala situação política? Até lá os Bissau-guineenses mantêm-se sem Governo e sem perspectivas de (bom) futuro.

5. Finalmente, na passada quarta-feira (8.05.2019) ocorreram as eleições legislativas e presidenciais na África do Sul.

Como se previa, e apesar de haver alegadas violações e fraudes eleitorais – ocorreram 4 detenções por causas destas alegadas fraudes (JM-Madeira) – e, principalmente, da acentuada abstenção (cerca de 30% a 35%, segundo alguns media), em particular entre os eleitores abaixo dos 30 anos (Jornal de Angola) o ANC e Cyril Ramaphosa venceram as eleições, com 57,51& dos votos, a maior queda eleitoral, em termos legislativos – em 2016, nas eleições locais e face aos escândalos sob a presidência de Jacob Zuma (2009/2018), o ANC só obteve 54% dos votos…

Segundo o portal da BusinessTech South Africa, a Aliança Democrática (Democratic Alliance – DA)viu reduzida a sua influência nacional de 22,2% para 20,76% – ainda que na província de Western Cape obtivesse 55,45% e na diáspora onde conseguiu 74,5% (as únicas que o ANC não venceu, tendo ficado em segundo com respectivamente, 28,64% e 10,83%) – o Economic Freedom Fighters (EFF), de Julius Malema, claramente o principal vencedor, ao passar de 6,35% para 10,79% e, finalmente, o Inkhata Freedom Party (IFP) quase desaparecia do mapa eleitoral, ao obter somente 3,38% face aos – de notar que a única província onde os radicais da EFF conseguiram obter votos significativos foi na de KwaZulu Natal, onde ficaram em segundo com 16,34%. Quem também se pode dizer que emerge como um dos vencedores das eleições sul-africanas, terá sido o Freedom Front Plus (FF+ ou Vryheidsfront Plus VF+) que obteve 2,38% votos escrutinados e é já a quinta força política nacional.

Face a estes resultados, o ANC e Ramaphosa vão ter de modificar muito da sua política interna se quiser conseguir governar o País até ao final da legislatura que deverá iniciar no final de Maio. Não esquecer que há um elevado número de desempregados jovens, não esquecer que durante a campanha, face ao radicalismo xenófobo do EFF contra, nomeadamente, nigerianos, e porque a facção pró-Zuma ainda é muito activa no seio do ANC.

6. Como referi anteriormente em Democracia representativa a voz do Povo deve ser ouvida com atenção. Tchizé, Gnassingbé, José Mário Vaz e Ramaphosa deveriam tê-la bem presente. A voz forte do voto popular, e principalmente para os 3 primeiros, é manifestamente mais forte do que todas as iniciativas contrárias ao bom-senso popular. O Povo é soberano e sabe sempre elevar bem alto, quando precisa, a sua voz…

*Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e investigação para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**

** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado

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