Reflexões 7: Democracia, manifestações e migração (ir)regular

1. O matutino português Público, nesta edição de domingo, faz referência a um estudo sobre o Índice de Democracia Liberal (LDI – de sublinhar, Índice de Democracia Liberal e não Democracia geral) no Mundo, segundo um relatório de 2018, da Variety of Democracies (V-Dem Institut, Universidade de sueca de Gotemburgo – https://www.publico.pt/2019/07/07/politica/noticia/mundo-autoritario-portugal-sobe-ranking-democracias-1879018).
Neste relatório estão demarcados os 10 países “mais democráticos” do Mundo, segundo a qualidade das eleições, baseando-se áreas como: “aspectos sociais, a liberdade de expressão e os meios de comunicação social, a sociedade civil, o estado de direito e a força dos controlos do executivo”.
De acordo com este relatório, e segundo o Público, há uma crescente tendência para um aumento do autoritarismo, principalmente em muitos regimes democráticos que registam uma forte erosão no IDL, “e a onda actual de autocratização afecta principalmente as três regiões com os níveis médios mais elevados de democratização: Europa e América do Norte, América Latina e Europa Oriental e Ásia Central”. Ao ponto de, neste actual contexto, cerca de 1/3 da população mundial, algo como cerca de 2,3 mil milhões, já viver em sistemas ou regimes autoritários, ou como refere o estudo da V-Dem, em 2018, haveria 80 autocracias em todo o Mundo.
Ora, segundo este estudo, ainda assim, há algumas que verificam claras melhorias no nível da Liberdade: Angola, no lugar 104, em 202 Estados analisados, ou seja, a meio da tabela, é um dos 6 países considerados como “Países que, embora sendo autocráticos, melhoraram os níveis de liberdade”. Infelizmente, não consegui melhores e mais dados que me permitam comparar os principais itens: democracia liberal, democracia eleitoral, liberdades, igualdades, participação e decisão política – uma nota, e importante, a classificação global incorpora, ou é uma média, períodos tão distintos como 1900 a 2018; e no caso de Angola, só somos independentes desde 1975…
Dentro da CPLP, segundo este Índice da Democracia Liberal, de acordo com o índice global, o Brasil é o melhor classificado (19º – não esquecer que é um estudo que se refere a 2018) seguido de Portugal em 21º, no global (segundo o Público, é o que melhor da CPLP, no que se refere à democracia liberal, em 8º lugar, sendo que no item “Liberdades” está o 12º, e na participação eleitoral em 42º), , Moçambique (57º), Cabo Verde (70º), Timor-Leste (74º), Angola (104º), Guiné-Bissau (119º), Guiné-Equatorial, um dos 10 piores (o 8º no grupo dos “10 piores países do mundo”) está em 160º e São Tomé e Príncipe (196º – considero esta classificação geral um pouco estranha – talvez por causa do tal período abrangente –, mas o documento também admite que há países em que faltam ou estarão incompletos muitos elementos para “uma descrição mais detalhada das unidades do país e sua cobertura por ano” – https://www.v-dem.net/media/filer_public/e6/d2/e6d27595-9d69-4312-b09f-63d2a0a65df2/v-dem_codebook_v9.pdf)
2. Recentemente, no início do mês, no Lobito, um grupo de jovens, sete, foi detido por se manifestar diante a Administração Municipal do Lobito, reclamando contra a falta de água potável na zona alta do município, e de acordo com a acusação, os manifestantes foram detidos por “crime de desobediência aos agentes de Ordem Pública, associada a injúrias e desacato” pelo que o Tribunal os condenou a 6 meses de prisão, com pena suspensa e ao pagamento de uma multa no valor de 67 mil kwanzas, cada. É certo que não se conhecem as razões objectivas que levaram à detenção dos 7 jovens, mas quando se descreve como crime de desobediência a primeira coisa que um leitor lê – habituado a que está de outros casos similares – é que as autoridades não terão permitido algo que a Constituição permite: liberdade de manifestação – desde que, sublinhe-se, seja participada ao Governo civil; ora que me recorde, porque dela recebi informações via WhatsApp, esta já havida sido anunciada antecipadamente, pelo que, naturalmente, fora as “injúrias e desacatos”, é estranha a desobediência aos agentes da Ordem Pública.
E são factos como estes – e, recorde-se, os recentemente ocorridos no Sambizanga, em Luanda –, que nos colocam, ainda que estejamos a melhorar no ranking das Democracias e Liberdades, em parâmetros pouco satisfatórios; ou se verifiquem casos de pedidos de residência (emigração) ou asilo em Países como Portugal e, ou, EUA, como a seguir verificaremos.
3. Recentemente, o VPN, em vários artigos e citando estudos dos Ferviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal, mostrava um número crescendo de emigrantes angolanos a solicitar direito de residir na sede da CPLP. De 2017, quando 1831 angolanos emigraram para Portugal, o número cresceu para 2,877 em 2018, sendo que já somos a 9ª comunidade estrangeira em Portugal. E, destes que têm demandado Portugal como como habitação legal no estrangeiro, 1.953 solicitaram a nacionalidade portuguesa.
É certo que grande parte destes emigrantes nacionais e nacionalizados, querem usar Portugal como plataforma legal para outros países da União Europeia e, em particular, os “melhores países” do espaço Schengen, casos da França e Alemanha.
Além da já grande comunidade que vive em Portugal, somos – ou estamos –, também, entre os que mais solicitam asilo a Portugal. Em 2018 liderámos com 224 pedidos de asilo, seguidos dos ucranianos. Só que alguns casos são recusados com a indicação que Angola já tem boas condições políticas que não credibilizam alguns destes pedidos…
Por sua vez, e segundo o portal da VOA em Português, é crescente o número de emigrantes africanos, e no nosso caso, angolanos, que demandam as fronteiras dos EUA via México.
Em Maio passado, cerca de 151 emigrantes africanos detidos por agentes da Patrulha da Fronteira dos Estados Unidos quando tentavam entrar no país através do Estado do Texas, eram constituídos por pessoas provenientes da RDC, dos Camarões e de Angola.
Também, recentemente, o matutino Público referia que, nos últimos 4 meses, o número de emigrantes que procuram atravessar a fronteira sul dos EUA com o México tem subido exponencialmente, sendo que a maioria é proveniente de Angola – estranho? e, parece, via Brasil –, Camarões, RDC e Congo.
Se nos casos da RDC, Camarões e Congo, os mais visados, se compreende, por causa das crises sociais, políticas, religiosas, separatismo e militares, no caso de Angola, poder-se-á questionar o que levará os nossos nacionais a procurarem asilo. Tirando caso particulares de quem não se sente bem com as novas directrizes políticas e económicas, a minha perspectiva é que alguns dos que solicitam direito de residência e, ou asilo, poerão estar ligados a uma das nossas províncias…
* Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e investigação para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**
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