Eugénio Costa AlmeidaOpinião

Reflexões 9 – Africa Austral em crise social

Recentes e tristes acontecimentos estão a colocar a África Austral nas notícias e análises da comunicação social internacional, mas com principal destaque na da africana.

São três os principais destaques sobre os quais farei uma análise rápida, ainda que a um dos temas, e porque já extravasou a área de acontecimento, deva abordar, mais tarde e com algum distanciamento: a crise social na África do Sul; o outro, ocorreu hoje, ainda que, quanto a “tristeza” por certo que serão muitos a não o pensar desse modo, mas, ainda assim, haverá quem veja no acontecimento algo por que todos passaremos, mas que não eixa e ser considerado “um lamento”. Finalmente, ainda que comece por esta, a seca em Angola e como está – estará? – a ser tratada pelas autoridades nacionais.

Três crise sociais que perpassam na África Austral.

Não se compreende, por exemplo, que o Governo tenha gasto até Junho, 12 milhões de dólares (de Janeiro a Junho) para importar arroz, quando se leem nas páginas sociais, nomeadamente no Facebook e colocado por pessoas cuja credibilidade é inquestionável – em alguns casos acompanham com fotos – que há, em certos locais do país, excesso de arroz e outros produtos agrícolas cujo escoamento não existe, ou deficientemente existe, e estão a apodrecer por ninguém, ficar com eles. Isto contraria as palavras do Secretário de Estado da Agricultura para o Sector Empresarial, Carlos Alberto, quando em Novembro de 2018 afirmava que tínhamos um défice de cerca de 340 mil toneladas de arroz/ano. Poderemos continuar a ter esse défice, mas já não seria assim tanto…

1. Há já uns anos que Angola, em particular o sul do País, vem registando períodos quase contínuos de seca. Diria que, já há uns 4 ou 5 anos. Tempo mais que suficiente para que o país e os nossos Governos tivessem criado condições para o que se passa agora – fome extrema, gado a morrer, pessoas em total má-nutrição e desidratação – pudesse estar, se não debelada, o que seria quase impossível, pelo menos, debelado porque ter-se-ia criado condições para provir algum do preciso líquido e muita da comida.

Em vez de importarmos arroz, em vez de fazermos um apelo à comunidade internacional, porque o Governo – ou os Governos – nacional e locais não compram os referidos excedentes e distribuem pelas populações.

Mais que a imagem o País que está em causa, é a terrível imagem que damos do (quase) desprezo pelos nossos compatriotas. O que vale é que há pessoas e algumas ONG que estão a tentar ajudar interna e externamente os nossos compatriotas.

Mas que fique bem assente, não será só com estas ajudas de permeio que iremos debelar estas sucessivas – e cada vez mais contínuas – crises de falta de água e alimentos. A prova é que o deserto, por exemplo, está a progredir em vários quadrantes geográficos. E se nós nada fizermos par conter essa progressão iremos ter mais províncias com fome e sede.

As autoridades nacionais e locais têm de tomar rédeas ao assunto!

2. A África do Sul está a passar por um período de crise sociais que já atingiram não só os locais como, e por extensão, os imigrantes. Os recentes acontecimentos em Johannesburg e Pretória são prova disso.

A falta de trabalho, ou a existência de trabalhos precários e de baixos salários que atraem imigrantes estrangeiros, que aceitem receber esses reduzidos salários que, na sua grande maioria, não só são mais elevados do que aqueles que teriam nos seus países de origem, ou a falta de emprego também nestes, levou a este eclodir de xenofobia contra estrangeiros, em particular, nigerianos. Só que moçambicanos e até portugueses (madeirenses. Ver, por exemplo, estes textos do Expresso https://expresso.pt/lusa/2019-09-06-Roubaram-lhes-tudo-dispararam-uns-tiros-era-como-uma-cena-de-guerra-os-relatos-de-quatro-portugueses-atacados-na-Africa-do-Sul e do madeirense JM https://www.jm-madeira.pt/comunidades/ver/70873/Madeirenses_vitimas_de_ataques_queixam-se_de_passividade_policial_na_Africa_do_Sul) começam também eles a sentir essa sanha xenófoba.

O mais grave é que o Governo sul-africano recusa indemnizar as vítimas os ataques xenófobos, em particular, os nigerianos que já o solicitaram. Segundo o ministro de Relações Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor, o pagamento de compensações, por estes casos, não estava na lei do país- Só que o Governo federal nigeriano já avisou que tudo fará para que os seus concidadãos sejam compensados. Para já, há uma campanha para boicotar tudo o que for produtos sul-africanos.

Mas estes casos, e como e sabe, não são factos únicos ou recentes. Têm a sua génese em comentários políticos antigos, nomeadamente de Julius Malema – o líder dos Combatentes para a Liberdade Económica (Economic Freedom Fighters – EFF, e antigo militante do ANC – foi um dos impulsionadores de ataques a estrangeiros que ocupavam cargos e lugares na economia sul-africana sendo, por isso, acusado por muitos analistas sul-africanos de poder desencadear conflitos raciais e xenófobos, matéria que foi aproveitada pelo actual presidente Cyril Ramaphosa, durante a campanha eleitoral, dado o crescimento do EFF e de Malema que mantiveram estas questões na ordem do dia.

E se a estes factos já de si preocupantes, de ataques por falta de empregos e de alimentos ou capacidade de os aceder, juntarmos o que, hoje o MRE sul-africano Pandor, terá afirmado e que o site nigeriano Legit cita, «que muitos nigerianos no país estão envolvidos no tráfico de drogas e de seres humanos; que os sul-africanos acreditam que seus jovens estão sendo prejudicados pelos nigerianos – (https://www.legit.ng/1258207-xenophobia-my-countrymen-nigerians-harming-young-people-sa-foreign-minister.html)» então entramos num populismo que se poderia pensar não conseguir entrar nos países africanos.

Infelizmente, não poderia estar mais errado…

O certo é eu em alguns Estados africanos, nomeadamente na RDC e na Zâmbia estão ocorrer protestos contra os ataques e saques contra imigrantes na África do Sul o que levou, já, os zambianos a cancelarem o encontro amistoso, em futebol , que iria ocorrer com os Bafana-Bafana e algumas empresas sul-africanas como a telefônica MTN, a audiovisual Multichoice e a rede de supermercados ShopRite – algumas em Angola –, que fecharam suas lojas em vários países.

E tudo isto quando na Cidade do Cabo, está a decorrer o Fórum Económico Mundial para a África…

3. Aos 95 anos Zimbabwe vê desaparecer Robert Mugabe que, no início e juntamente com Joshua Nkomo e, de certa forma, com o bispo Abel Muzorewa, foi o seu libertador, aquele que contribuiu para ajudar a sair a África do Sul do apartheid, aquele que foi visto como o Pai da Nação ou como o presidente zimbabwiano, Emmerson Mnangagwa, num tweet o denominou de “um ícone da libertação, um pan-africanista que dedicou a sua vida à emancipação e empoderamento do seu povo. A sua contribuição para a história da nossa nação e continente nunca será esquecida. Que a sua alma descanse em paz eterna” acabou por ser um déspota, um ditador.

Não esquecer que Mugabe foi deposto num Coup d’ État militar em Novembro de 2017, quando se preparava para afastar o seu, então, vice-presidente Emmerson Mnangagwa (o presidente eleito nas últimas eleições presidenciais) a favor da sua mulher Grace Mugabe.

Não esquecer, também – e há muitos que politicamente o esquecem – que o Zimbabwe, que há época já não estava economicamente de boa saúde, viu serem expulsos os agricultores brancos que ainda mantinham alguma capacidade económica no país. Interesses políticos e crises sociais já emergentes levaram Mugabe a expulsá-los. A partir daí, foi descalabro total, ainda que Mugabe e a sua corte mantivessem um estilo de vida nada consentâneo com a realidade do Zimbabwe: luxo e faustosidade!

A questão que se coloca é esta: será eu o zimbabweanos o vão chorar ou vão felicitar este acontecimento. E como ficarão os seus familiares? Que me recorde, Mugabe só aceitou sair depois do Parlamento zimbabwiano concordar em negociar um acordo que o protegia a si e à sua família de condenações futuras, que pudessem manter os seus vários interesses empresariais e assegurar a casa, os carros, os criados e o estatuto diplomático.

Com a sua morte, e as críticas que Grace Mugabe e os filhos do falecido vêm acumulando não irá o Parlamento reverter essas benesses? Por certo que o Povo Zimbabweano iria agradecer…

* Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e investigação para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**

** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado

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