Editorial

Tuneza – O humor que comanda a vida

Tal como disse o poeta e professor português António Gedeão no poema Pedra Filosofal: “O sonho comanda a vida” também acho que o humor comanda a vida. O humor é uma interessante forma de interrogar a condição humana e apreciar a vida para além desta mesma dimensão. Gosto do humor que sai da sua zona de conforto e derruba muros para ver melhor o mundo. Gosto de pessoas que nos ajudam a perceber que a vida e o mundo devem ser encarados com uma pitada de humor.

As pessoas gostam de acreditar e alimentar teorias da conspiração com contornos políticos. Hoje, onde é mais fácil e conveniente ser mais polémico do que consensual, teorias como estas alimentam debates reais e virtuais, geram likes e visualizações, também servem como perfeitas manobras de distracção face à uma realidade que se vai tornando cada vez mais dura e cruel. O comunicado feito pelo colectivo de artes Tuneza sobre a saída de Gilmário Vemba foi claro, indicando um novo ciclo na vida do grupo e também na carreira profissional de Gilmário Vemba, mas ainda assim muita especulação e desinformação circula nas redes sociais contrariando o espírito da letra da comunicação. O colectivo de artes Tuneza é mesmo um colectivo no verdadeiro sentido da palavra, sendo isto bastante revelador na importância que cada membro tem na construção da tal colectividade. Esta profícua e invulgar polivalência criativa dos Tuneza assenta numa estrutura bem organizada e com linhas orientadoras definidas pelos seus integrantes, que desde 2003 (ano da criação do grupo) tem criado este crescendo a que temos estado a assistir. Há uma estrutura que não é visível aos olhos de todos que funciona de forma tão organizada, tão partilhada, com tarefas distribuídas, funções definidas, amizade, camaradagem, teamwork e irmandade, que resultam no sucesso que nos é dado em palco ou nas telas da televisão.

O Tuneza são o humor necessário num país que precisa de ser levado à sério mas onde as pessoas ainda precisam de “rir para não ter de chorar”. Eles, além de darem poder ao humor, também lhe deram valor. Reinventaram o humor em Angola e deram-lhe também uma dimensão internacional. Assumiram novas linhas e formas de comunicar com o público e de o fazer rir. É o humor que chega e toca as pessoas, é o chamado humor com piada. Angola viu nascer e ajudou a crescer os Tuneza, eles sabem disso e retribuem isso em cada espectáculo em que oferecem ao público humor com qualidade, versatilidade e espontaneidade. Conseguiram conciliar a sua afirmação profissional com a formação académica (todos os membros do grupo têm formação superior), sem esquecer as suas origens humildes. Com o programa No Cubico dos Tuneza, na Zap, são o único grupo de humor em Angola que já teve programas em três televisões (antes tiveram passagens pela TPA e pela TV Zimbo), além de programas de rádio e também de um livro sobre a sua trajectória. Tudo isso e muito mais faz com que os Tunezas estejam já a escrever uma nova, interessante e dinâmica página na história do humor em Angola.

Quem conhece e percebe as dinâmicas de grupo (e dos grupos), encara com naturalidade a saída de Gilmário Vemba dos Tuneza. Temos todos de aprender a respeitar as opções pessoais e profissionais, ler os sinais e ter visão dos novos tempos. As actuacões a solo e a agenda privada de Gilmário Vemba eram sinais de que o próprio precisava e “forçava” una certa liberdade de actuação. Havendo situações em que a sua agenda privada “chocava” com a agenda dos Tuneza, criando alguns constrangimentos, uma vez que eles são um colectivo de artes, é preciso que exista uma conciliação entre a autonomia colectiva e a autonomia individual. Estar no grupo não faz com que cada integrante perca a sua individualidade, mas é necessário que tal individualidade não seja vista como individualismo nem afecte a colectividade. Há muito tempo que Gilmário Vemba vinha escrevendo a sua “crónica de uma saída anunciada”, mostrando que tinha necessidade de se soltar, de respirar novos ares, de abraçar novos projectos. O formato da série No Cúbico dos Tunezas retirava protagonismo à sua personagem, que não tinha o mesmo destaque e a projecção do Ti Martins. Tentou-o conciliando com a presença no grupo, a experiência não correu bem, percebeu isso e teve o respeito e a humildade de sair para não prejudicar o grupo e seguir um novo caminho. Os Tuneza tiveram a capacidade de perceber que era preciso soltar, libertar um companheiro para outros voos.

É um momento difícil para o grupo e para Gilmário Vemba, mas que não significa o fim dos Tuneza como certos “mensageiros da desgraça” vão tentando espalhar por aí. Acho que mais do que fazer prognósticos sobre o fim do grupo ou da carreira de Gilmário Vemba, mais do que inventar e alimentar teorias de conspiração política, devemos neste momento retribuir com respeito, consideração e elevação por tudo quanto já fizeram e têm feito em nome daquilo que chamo: cidadania cultural. Pois é nestes momentos que eles precisam do respeito e da compreensão do público.

Que o colectivo de artes Os Tuneza continue firme nesta trajectória única e neste percurso profissional inspirador que muito aprecio e respeito. Que Gilmário Vemba seja bem-sucedido e que as suas qualidades profissionais e humanas se evidenciem ainda mais nesta nova fase. Contem sempre com o respeito, admiração, carinho e apoio deste amigo, ex-colega e eterno admirador, que também acredita que o humor comanda a vida.

“Eles não sabem, nem sonham,
Que o sonho comanda a vida
Que sempre que um homem sonha.
O mundo pula e avança
Como bola colorida
Entre as mãos de uma criança.”

António Gedeão, Pedra Filosofal.

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