Editorial

Uma estranha forma de comunicar

Na Trova do Vento Que Passa, Manuel Alegre escreve: “Pergunto ao vento que passa/ Notícias do meu país/ E o vento cala a desgraça/ o vento nada me diz.” Já não estamos no tempo em que imperava o analfabetismo, a censura, a iliteracia, a desinformação. Hoje temos umas coisas interessantes que se chamam democracia e liberdade de expressão; hoje temos o direito à informação e o dever de informar. A qualidade da democracia está directamente relacionada com a qualidade da informação, da formação, da comunicação, da educação, da cultura cívica e política.

Hoje começa a ser cada vez mais evidente que temos em Angola um Governo que comunica mal a todos os níveis. Numa sociedade que se pretende livre e democrática é necessário que o Governo exerça comunicação com abertura, rigor, transparência, credibilidade e isenção.

“Da análise feita, concluiu-se ter havido falta de diálogo e comunicação entre a Sonangol e as instituições do Estado, o que terá contribuído negativamente no processo de importação de combustíveis”, dizia o comunicado da Casa Civil do Presidente da República, que indirectamente explicava aos cidadãos que a crise dos combustíveis, afinal, resultava de um problema de comunicação institucional; ou seja: entre a Sonangol e as demais instituições (Ministério dos Recursos Naturais e Petróleos, Ministério das Finanças, Ministério da Energia e Águas e BNA), a comunicação não fluía. O comunicado anulava completamente os argumentos de razão da Sonangol, que dias antes tinha explicado que na origem dos constrangimentos no abastecimento de combustíveis tinham estado factores como: dificuldades no acesso às divisas, elevadas dívidas aos principais clientes, avarias sistemáticas dos navios de cabotagem, estado técnico das estradas nacionais entre outros. Certo é que em menos de 48 após o comunicado da Casa Civil do Presidente da República, o Conselho de Administração da Sonangol liderado por Carlos Saturnino era exonerado. Tramado pelo novo modelo de organização do sector petrolífero, o então PCA da Sonangol foi vendo esvaziar-se certos poderes e serem-lhe retiradas competências, num sistema em que burocracias, guerrinhas e egos o iam impedindo, cada vez mais, de comunicar directamente com o Titular do Poder Executivo, privilégio de que quase todos os seus antecessores usufruíram. O comunicado vindo da Cidade Alta soou como uma espécie de crónica de uma demissão anunciada.

Informação, contra-informação e desinformação, o certo é que durante este período da novela da crise dos combustíveis, e os seus episódios hilariantes, quem ficou sem perceber nada e sofreu na pele foi o povo e quem ficou mal na fotografia foi o Governo. Se quer ser entendido, apoiado, respeitado, conquistar credibilidade e ser levado a sério, o Governo de João Lourenço precisa de investir num sistema de informação/comunicação eficiente, prático, objectivo e coerente. Um sistema que tenha base na Cidade Alta com vasos comunicantes ao Executivo, aos governos provinciais, às missões diplomáticas e consulares, às empresas públicas, etc.

Uma estrutura burocrática, fechada em si mesma, muitas vezes distante e autoritária faz deste um Governo que informa mais por comunicados e decretos e que praticamente não estabelece diálogo com as pessoas. Há muitos comunicados e pouco diálogo. Fica a ideia de que não há uma estratégia global de comunicação como tal. Há estruturas que não comunicam entre si. Para a comunidade angolana que vive no exterior do país, é visível que, muitas vezes, Luanda pensa e diz uma coisa e, por outro lado, as representações diplomáticas e consulares pensam e agem de outra forma. Quando não comunica mal faz outra coisa pior: decide não comunicar. E esta não comunicação tem frequentemente efeitos negativos. Depois existem os timings, pois num dia tomam a decisão de não comunicar e no dia seguinte alguém decide que é preciso comunicar e lá se vai comunicando tarde e a más horas.

O caso do Bairro da Jamaica em Portugal foi um exemplo de um Governo que, perante a alegada agressão de seis membros de uma família de angolanos por efectivos da  Polícia de Segurança Pública, minimizando o seu dever de defesa e protecção dos seus cidadãos, decidiu primeiro não comunicar (é a regra) e, depois, quando decidiu fazê-lo já a máquina da informação circulava à velocidade da luz pelas redes sociais, pelos órgãos de comunicação social e foi literalmente ultrapassado pelo PR do país acolhedor, o Ti Celito, que mesmo sendo criticado pelos compatriotas lá assumiu e chamou a si tais competências. Outro exemplo é o caso recente do governador de Benguela, que se esquece que enquanto servidor público deve, em nome do interesse público, responder com respeito às perguntas dos jornalistas, deve ser ele o promotor da liberdade de expressão e de informação, não lhe ficando bem um certo tipo de arrogância e soberba.

Outra situação que também evidencia um problema e dificuldades de comunicação, é quando o Presidente da República faz visitas oficiais ou de Estado e não fala com os jornalistas angolanos privilegiando sempre os jornalistas estrangeiros. Além de ser uma desvalorização do trabalho dos jornalistas, é também um exemplo de que a comunicação entre o nosso Presidente e os seus jornalistas não é tão eficiente, fluente e frequente como devia ser. No caso destas viagens, é um cenário desolador ver os jornalistas estrangeiros a “desfrutarem” a seu bel-prazer de um chefe de Estado que é nosso e nós, os jornalistas angolanos, “proibidos” de comunicar.

Penso também que é altura de o Presidente João Lourenço e os seus auxiliares perceberem que o povo não matabicha comunicados, não almoça exonerações e não janta demissões. Os cidadãos alimentam-se de outras coisas, têm sonhos e expectativas. Precisam de ser abordados de uma forma diferente e mais humana (pelo senhor e pelos seus auxiliares). É preciso que o PR respeite e observe os “sinais de trânsito”, conduza dentro dos “limites de velocidade” nesta Via Expressa que o povo lhe abriu no dia 26 de Setembro de 2017, caso contrário, será este mesmo povo a passar-lhe uma multa em 2022. É este povo que vai dizendo que o seu “exonerador implacável” exonera bem e nomeia mal.

O imbróglio criado em torno da crise dos combustíveis é um excelente momento para reflectir sobre a comunicação institucional do Governo. Ninguém saiu bem na fotografia. Quando se passa a ideia do que pode ser verdade hoje amanhã pode ser mentira, não é um bom sinal em política. O povo percebe esses sinais e reage. É este mesmo povo que diz que o seu Governo fala muito e comunica pouco. É este mesmo povo que diz que o seu Governo tem uma estranha forma de comunicar.

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