
Ainda há gente que hoje se pergunta se Jonas Savimbi morreu mesmo nesse dia 22 de Fevereiro de 2002, perto do Lucusse, na província do Moxico, no Leste de Angola. Apesar das peregrinações ao túmulo no aniversário da morte, apesar das cerimónias anuais organizadas pelo partido que Savimbi fundou em 1966, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o mistério mantém-se.
“Fala-se tanto hoje em Angola do Dr. Savimbi como de alguém que estivesse vivo, que talvez esteja no Cuando Cubango ou esteja em Cabinda”, conta Alcides Sakala, dirigente da UNITA, hoje instituído no papel de porta-voz do partido angolano. Não admira, por isso, que a transladação dos seus restos mortais da campa onde está enterrado no Cemitério do Luena, capital do Moxico, para a sua terra natal de Lopitanga, município do Andulo, província do Bié, no planalto central angolano, esteja envolvido em tantos cuidados.
Três equipas de médicos legistas, uma angolana, outra portuguesa (do Instituto de Medicina Legal do Porto) e mais uma sul-africana, recolheram amostras em Janeiro no Cemitério do Luena para garantir que se trata mesmo de Jonas Savimbi. Não é um processo fácil, nem rápido: para corpos enterrado há mais de 15 anos, existem apenas três laboratórios no mundo capazes de analisar as amostras, explica Sakala, um na Suíça e dois nos Estados Unidos da América.
O Governo angolano já tem nas suas mãos os resultados, falta chegar a conclusão do laboratório sul-africano ao pedido solicitado pela família e pela UNITA. Dois dos testes usaram como referência filhos de Jonas Savimbi, o outro comparou os restos mortais com o ADN da irmã.
Apesar de notícias avançadas esta semana de que o partido do Galo Negro já teria recebido os resultados, tanto Alcides Sakala como Adalberto da Costa Júnior, líder da bancada parlamentar da UNITA, garantiram ao PÚBLICO que estes ainda não chegaram. Nem sequer estão atrasados, porque a data-limite dada pelo laboratório é 30 de Abril.
Se nada acontecer em contrário, se o resultado vindo da África do Sul não se atrasar, se a conclusão a que chegar é de que se trata mesmo dos restos mortais do fundador da UNITA, então, é muito provável que a cerimónia das exéquias de Jonas Savimbi venha a acontecer no dia 25 de Maio. Data simbólica importante, por ser o Dia de África.
No entanto, essa é, por agora, uma data de trabalho em cima da mesa, dependente de vários factores, e a UNITA não se quer comprometer com a sua fixação, depois de a cerimónia já ter estado marcada para o dia 6 de Abril e depois de ter sido adiada sine die.
“Continuamos a aguardar que nos cheguem os resultados destes exames para depois se fazer o cruzamento das informações. E a seguir tomar-se-ão as decisões apropriadas no âmbito desde programa das exéquias”, explicou Sakala. “Sempre dissemos isso, que eram datas indicativas”, acrescentou o porta-voz. “O importante, agora, é que cheguem os resultados, e que haja consensos em volta desta situação, para depois se darem os passos a seguir.”
Penúria financeira
O segundo maior partido não abunda em dinheiro e para fazer face às despesas que acarreta este enterro oficial do seu fundador abriu uma petição para angariar fundos que ainda decorre. Alcides Sakala preferiu resguardar-se num “a seu tempo será divulgado”, quando o PÚBLICO lhe perguntou sobre quanto é que já conseguiram angariar e quanto é que poderá custar o programa das cerimónias.
No entanto, tudo indica que a recolha de contribuições junto dos militantes da UNITA não está a funcionar tão bem como os dirigentes do partido esperavam. E não é por Jonas Savimbi não continuar a gerar entusiasmo, mas porque a crise económica que Angola atravessa deixou as suas marcas no bolso dos apoiantes do partido do Galo.
Junta-se a isso a penúria financeira do partido neste momento, porque a verba proveniente do Estado, principal fonte de financiamento, está atrasada. Definida a partir da quantidade de votos nas eleições, segundo o cálculo de 1.000 kwanzas (2,80 euros) por cada voto, dá a UNITA o equivalente a 5 milhões de euros por ano (1,25 milhões por trimestre), tendo em conta que obteve 1.800.860 votos nas eleições de 2017.
O partido está a contar que as exéquias se transformem numa enorme peregrinação, um dia de demonstração da importância que ainda tem a figura de Jonas Savimbi em Angola e de afirmação da UNITA como força política pujante.
No interior do partido fala-se na possibilidade de que dois milhões de pessoas possam rumar à aldeia de Lopitanga, localizada perto do Andulo, cidade da província do Bié que tem 235 mil habitantes (dados do Censo de 2014). Mesmo tendo em conta que nas províncias do Bié, Huambo e Benguela o partido tem muita implantação, a expectativa parece exagerada (teriam de comparecer todos os que votaram no partido em 2017 e mais uns 200 mil que não votaram ou que apoiaram outros partidos).
Mesmo assim, é muito provável que várias centenas de milhares de pessoas estejam presentes ou tenham intenção de lá chegar, algo que se tornará mais difícil se a antiga picada colonial continuar no mau estado em que as chuvas a deixaram.
Fonte: Público