Vistos Gold: julgamento prossegue em Lisboa

Esta terça-feira ocorre mais uma sessão do julgamento dos vistos Gold, cujos principais arguidos são Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna, António Figueiredo, antigo director do Instituto de Registos e Notariado e Manuel Jarmela Palos, antigo director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Ao longo do julgamento, já depuseram vários arguidos que desmentiram aquilo em que acredita o Ministério Público. Jarmela Palos foi o primeiro, para dizer: “Enquanto director nacional do SEF, recebi das mais variadas pessoas solicitações deste género.” Referia-se ao acompanhamento de processos de atribuição de Vistos Gold, quando questionado acerca de uma chamada de António Figueiredo sobre o caso de uma empresária chinesa.
Apesar de os dois dirigentes se tratarem por tu, Palos disse conhecer Figueiredo apenas no âmbito institucional. Jarmela Palos assegurou que nunca interveio junto dos serviços e que nunca privilegiou qualquer cidadão chinês. “A partir do momento em que transmitia [as informações aos serviços], desligava-me das situações, nem tinha capacidade para fazer o acompanhamento das mesmas”, explicou, citado pelo Observador. Sobre os 33 processos indicados como suspeitos pelo Ministério Público, Jarmela Palos reforçou que “demoraram substancialmente mais tempo que a generalidade” dos casos que passaram pelo SEF. Também afirmou desconhecer as garrafas de vinho entregues e destinadas a si, pelo empresário chinês Zhu Xhiadong.
A terceira sessão do julgamento incidiu sobre as acções de formação do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) em Angola, entre 2013 e 2014. Ocorreram no âmbito de um acordo de cooperação entre os governos de Portugal e Angola, mas o MP suspeita que serviram para que Figueiredo conseguisse algum dinheiro. Os funcionários do IRN foram pagos em numerário, entregue em envelopes. Abílio Silva, um dos formadores, afirmou ter recebido cinco mil euros por uma formação e €2500 por outra mais curta. “Disseram-nos que era a única maneira de sermos pagos, porque os kwanzas não podiam sair de Angola”, afirmou Silva em tribunal.
Depois destas formações, Figueiredo foi convidado para rever os códigos do registo civil, predial, comercial e automóvel de Angola. Eliseu Bumba, empresário da Merap e alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores angolano, terá prometido 1,2 milhões de euros a Figueiredo. Este trabalho tinha sido adjudicado a ACPC, uma sociedade de advogados angolana, mas não estava pronto. O acordo entre a Merap e a ACPC valia entre 300 e 400 milhões de euros.
Abílio Silva foi interrogado sobre uma escuta em que acusou João Salgado, um dos administradores da Coimbra Editora, que não “largava” o suficiente e que “mil era muito pouco, não dava para nada”, cita o jornal Público. A editora era a que deveria publicar os códigos legais angolanos actualizados. Silva assegurou que não se referia a dinheiro a dividir com Figueiredo na véspera de Natal de 2013, como acredita o Ministério Público, mas à tiragem de exemplares.
Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna e suspeito de quatro crimes (um de tráfico de influência e de três de prevaricação de titular de cargo político) só deverá ser ouvido no fim do julgamento. António Figueiredo, antigo director do Instituto de Registos e Notariado, é acusado de 12 crimes, que englobam corrupção activa, recebimento indevido de vantagem, peculato, tráfico de influência, branqueamento de capitais e prevaricação. Jarmela Palos, antigo director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, é acusado de corrupção passiva para acto ilícito e prevaricação. O julgamento conta com 21 arguidos (17 pessoas singulares e quatro empresas).