Eugénio Costa AlmeidaOpinião

O porquê de haver uma boa Marinha de Guerra

Ontem, 13 de Dezembro, a Marinha de Guerra do Brasil comemorou o seu dia, o Dia do Marinheiro brasileiro.

Numa sessão na Câmara Municipal de Lisboa, o Adido de Defesa e Naval, do Brasil em Portugal, Capitão de Mar e Guerra Manoel Luiz Pavão Barroso, apresentou algumas das características – leiam-se estratégias e particularidades – que norteiam aquela que tem como patrono o Almirante Joaquim Marques Lisboa “Tamandaré”, nascido nesta data em 1807.

Nesta sessão Barroso ofereceu-nos uma visão do que a Marinha de Guerra brasileira faz por defender aquilo que os brasileiros denominam de “Amazónia Azul” e a contribuição que as investigações da Marinha para a indústria nacional.

Mas é a questão da Amazónia Azul (https://www.marinha.mil.br/amazonia-azul) que mais nos interessa para fazer compreender o nosso Governo o quanto é necessário desenvolver e apetrechar, o mais célere possível, a nossa Marinha de Guerra.

Senão vejamos:

  1. A Marinha brasileira ocupa cerca de 80,5 mil pessoas entre militares e civis; a nossa Marinha pouco ultrapassa os 1000 efectivos.
  2. O poder naval da Marinha brasileira entre vazos de guerra, de formação e de investigação é constituído por cerca de 110 navios, dos quais o maior e mais importante é o porta-helicópteros Atlântico, além de 4, em breve 5, submarinos. A nossa Marinha, segundo um artigo do Vice-Almirante Valentim Alberto António (antigo comandante da Região Naval Norte da Marinha de Guerra de Angola), na Revista da Marinha (portuguesa), nº983, janeiro-fevereiro,2015 (https://revistademarinha.com/o-poder-naval-em-angola/), teríamos, entre as que foram “ofertadas” por Portugal, por quando da independência e das obtidas junto de soviéticos e espanhóis, cerca de 30 navios, a quase totalidade lanchas e 3 barcos de desembarque. Actualmente, não deveremos estar muito longe deste número, ainda que já tenhamos em operação marítima, um navio Patrulha Oceânico (P200) “NGOLA KILUANGE”.
  3. A Marinha brasileira tem uma esquadra sempre em prontidão cujos vazos e guerra percorrem a costa em patrulhas contínuas e, não poucas vezes – bem pelo contrário – fazem vigilância quer na área do Atlântico Sul, quer na região do Golfo da Guiné, quer – e aqui deverão verificar num mapa a área de vigilância – na ZOPACAS/ZPCAS (Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul) que, na concepção brasileira inclui a Antártida até ao paralelo africano Guiné-Bissau e Senegal e Cabo Verde.
  4. A nossa Marinha, apesar de Agostinho Neto, por quando da sua criação em 1976, ter afirmado que era necessário uma Marinha de guerra para defender o nosso território, continua insignificante quase não conseguindo defender os nossos interesses, sejam as zonas de pesca – recordemos o quanto tem os nossos pescadores criticam a exaustão que os bancos piscícolas vêm sofrendo continuamente (a falta de carapau ou o elevado preço do marico nacional face ao importado são provas de que não conseguimos defender as nossas áreas protegidas) – seja, recordemos, a protecção de petroleiros e outros navios, tanto nas nossas rotas marítimos, como numa região que tentos nos diz respeito e que teve como impulsionador o falecido general João de Matos, ou seja o Golfo da Guiné – recordemos o caso do petroleiro ou navio-tanque Kerala, fretado pela SONANGOL e que foi sequestrado em Janeiro de 2014, por piratas do mar, perto da nossa costa e como puderam, livremente, sair e roubar todo o conteúdo do petroleiro nas águas territoriais nigerianas. Recordemos que a BBC, na altura e citando o BBC cita o capitão da Marinha Augusto Alfredo, afirmava que um barco teria sido visto próximo do navio-tanque quando aquele deixava o porto de Luanda. Se tivéssemos uma média marinha, por certo que este facto não teria passado despercebido a um navio patrulha marítimo e seria questionado a presença daquele navio junto do Kerala.
  5. Ainda relativamente à, e por causa da, Amazónia Azul (https://www.marinha.mil.br/amazonia-azul), cuja área é próxima dos 4,5 milhões de km2 (cerca de metade da área da República Federativa do Brasil), a Marinha de guerra brasileira prevê criar uma segunda área naval de e para protecção da foz do Amazonas, a fim de evitar penetrações e violações territoriais do país e desta enorme área fluvial, elo de ligação entre vários países da América Latina.
  6. Ora, aqui está um exemplo que poderíamos e deveríamos seguir. A nossa área marítima (incluindo, mar territorial, zona contígua, e zona económica exclusiva (ZEE) e a futura plataforma continental) deverá ser bem superior à nossa área territorial (entre 1,650 e 1,800 milhões de km2; a nossa área é de 1.246.700 km2). Ou seja, face ao Brasil, e caso seja aprovada pelas Nações Unidas a nossa pretensão de extensão da plataforma territorial, comparativamente a nossa “Amazónia Azul” é, de longe, muito superior à brasileira e, comparativamente, somos exíguos quanto a uma Marinha de Guerra.

Poderia desenvolver mais este pequeno ensaio, mas o que desejei foi mostrar que continuamos a apresentar uma deficiente Marinha de Guerra para a defesa nas nossas águas territoriais (porque não denominarmos de “Maiombe Azul” ou “Savana Azul”?) e de todos os seus recursos.

Continuamos a ser “visitados” por pesqueiros ilegais que exploram ou se acoitam em águas nacionais – recordo um artigo que escrevi, em para o portal do CEI-IUL “Changing World” (https://blog.cei.iscte-iul.pt/angola-e-a-incipiente-proteccao-maritima-nacional/), sobre esta matéria e que foram detectados e apresados por patrulhas namibianos – e por navios de guerra de outros países que fazem o nosso trabalho; mas que, por certo, farão mais o trabalho deles em defender navios de pesca com quem celebramos contractos de pesca mas que, a maioria das vezes, nada cai nas lotas nacionais.

E, finalmente, para vermos até onde nos apresentamos muito deficientes em termos de Marinha de Guerra e o quanto ela pode, ou poderia, defender os nosso interesses nacionais, basta ver os portais da Marinha de Guerra brasileira (https://www.marinha.mil.br/) e a o portal da nossa Marinha de Guerra (http://mga.ao/) que se mantém em situação de «Portal em manutenção planificada / Desculpe pelos transtornos / Volte sempre!» há imenso tempo.

Precisamos de uma Marinha de Guerra que defenda os nossos interesses nacionais. Conforme afirma o comandante português Nuno Sardinha Monteiro, citado por o Vice-Almirante Valentim A. António, na Revista da Marinha, «As Marinhas são caras e difíceis de edificar. (…) Com efeito, ter uma Marinha é caro, mais, muito caro seria ter duas, e ainda mais caro,  incomensuravelmente mais caro, (…) seria não ter nenhuma» (https://revistademarinha.com/dominio-maritimo-angola/).

Pois, recordemos que há dois ou três anos que vamos lendo que Angola iria comprar 16 ou 17 barcos de guerra, mas não vemos quando chegarão e se chegarão. Recordemos que chegou a haver um princípio de acordo – ou mesmo um acordo – com a Marinha brasileira para equipar a nossa Marinha através da construção de navios em território nacional.

Que se saiba, há na zona de Porto Amboim, uma área naval para isso.

O que parece é que não construímos e não compramos. Preferia que construíssemos através de convénios com marinhas de outros países. Criávamos, de vez, uma boa Marinha de Guerra e daríamos emprego a muitos angolanos.

É certo que a crise económica travou muitas ideias; mas não justifica, de per si, todos os travões, principalmente quando está e jogo a Defesa, a Estratégia e a Segurança Nacionais.

Com a extensão da nossa plataforma continental, com o crescimento da pirataria marítima no Golfo da Guiné, é de todo interesse que tenhamos uma boa e consistente Marinha de Guerra. É cara, é, mas como já foi referida, pior é não ter nenhuma!

*Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e Pós-Doutorando da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**

** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado

 

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