Eugénio Costa AlmeidaOpinião

Reflexões 4: Da queda de presidenciáveis eternos a eternos presidenciáveis

Numa diferença de quase uma semana, assistimos à queda de dois representantes da gerontocracia presidencial africana: os presidentes Abdelaziz Bouteflika, da Argélia, e Omar al-Bashir, do Sudão.

Em ambos os casos, as suas saídas da presidência se deveram a revoluções populares internas que – e foi, também, em ambos os casos – levaram os exércitos a intervir e obrigar ambos a entregarem o Poder. Em ambos os casos o exército tomo o poder de forma provisória.

1. No caso da Argélia, Bouteflika, de 82 anos, estava no poder há cerca de 20 anos – desde 27 de Abril de 1999 –, e tinha tido, períodos de doenças graves, em 2005, uma úlcera gástrica hemorrágica, e em 2013, a mais grave, um acidente vascular cerebral (AVC) que o deixou numa cadeira de rodas e lhe causou a perda da fala.

Apesar disso, em 2014, venceu – e com muita contestação – as eleições, onde não fez campanha, mas que obteve cerca de 81% dos votos. Já na altura todos percebiam que Bouteflika não mostrava condições de estar à frente da presidência. Ainda assim, em 2017, e segundo as crónicas, o considerado “último dirigente árabe do século XX”, terá exigido uma alteração da Constituição para que pudesse ir a um quinto mandato presidencial que, face a uma levada crise económica e social por que passava a Argélia desde o ano anterior, provocou inúmeras manifestações e desenvolveu uma crise política e social – as páginas sociais foram importantes para a manutenção das manifestações – que já não acontecia desde a guerra civil do final do século passado com os islamitas da Frente Islâmica de Salvação (FIS) e do Grupo Islâmico Armado (GIA).

Esta contestação ao regime de Bouteflika não terminou com a sua deposição forçada – note-se que Bouteflika já tinha declarado que não iria às eleições previstas para 18 de Abril, mas que desejava manter-se até finais de Abril – pelo exército liderado pelo general Ahmed Gaid Salah, até agora ministro da Defesa, que desejava manter o Poder, de forma transitória, e através da nomeação de um Presidente interino, Abdelkader Bensalah – até agora presidente do Senado e próximo de Bouteflika –, nomeado pelo Parlamento dado que a “revolução popular” não deseja a manutenção dos dirigentes próximos do deposto – esta é a palavra correcta – presidente, nem a manutenção de uma autocracia político-militar, ainda que de forma transitória, pelo que, Gaid Salah  e os comandos do Exército acabaram por acolher as pretensões dos manifestantes e impuseram a aplicação do Artigo 102.º da Constituição, que exige eleições imediatas, tendo as mesmas sido marcadas para 4 de Julho.

2. Ainda o mundo árabe não tinha absorvido as alterações num dos maiores países e uma das referências políticas de África, e no Sudão o ditador Omar al-Bashir, no poder desde Outubro de 1993, e depois de muitas semanas de manifestações contra o seu regime, acabou por ser destituído pelo exército liderado pelo, até agora – uma vez mais –, ministro da Defesa e vice-presidente, general Ahmed Awad Bin Auf, que, inclusive, declarou ter colocado sob detenção o antigo líder sudanês.

Ao contrário de Argélia, os militares desejam manter-se no poder durante cerca de 2 anos, período que consideram mínimo para preparar a população para novas eleições. Para isso nomearam um Conselho Militar de Transição (CMT), liderado pelo antigo Vice-Presidente e Ministro da Defesa

Só que as “manifestações”, via páginas sociais, não consideram viável nem aceitável essa posição e imposição militar e consideram que a mesma mais não é que tentar calar as manifestações e manter, provisoriamente, al-Bashir – até porque se desconhece onde o mesmo está – retirado provisoriamente ou só ter mudado a forma de tocar novas “cadeiras musicais”, como denuncia, num tweet, a antiga jornalista e activista sudanesa Dallia S D.

Uma das razões que levam os observadores a temerem pela “manutenção” do regime é o facto de o CMT recusar entregar al-Bashir ao Tribunal Penal Internacional (TPI), onde existem duas acusações e mandados de detenção contra al-Bashir, de 2009 e de 2010, por crimes de guerra, crimes contra a Humanidade e genocídio, na região do Darfur. (Note-se que, ainda recentemente, o governo da África do Sul, se recusou a deter o antigo ditador, contrariando, inclusive, uma ordem de um Tribunal sul-africano que ordenava a sua detenção…)

Aguardemos pelos capítulos que se seguem.

3. Mas porque estes dois casos podem influir outros que estão nas mesmas condições, ou como lhe chama o FolhaPress, de São Paulo, a “liderança grisalha”, como são os casos de Teodoro Obiang Nguema, da Guiné-Equatorial, no poder desse Agosto de 1979, ou de Paul Biya, dos Camarões, desde 1982, ou Denis Sassou Nguesso, da República do Congo, Presidente de 1979 a 1992 e que foi reeleito em Outubro de 1997 ou, mais recentemente, Yoweri Museveni, do Uganda, que até quer alterar a Constituição para permitir um sexto mandato.

As páginas sociais têm contribuído para essas manifestações e para as alterações no Poder. Zimbabwe e Mugabe, directa ou indirectamente, viram ocorrer a mudança não só por causa de problemas económicos, como sociais que foram mantidos actuais devido aos apelos nas páginas sociais.

E são estas que têm contribuído para a moralização do poder político e governativo em muitos países, nomeadamente em África e junto de dirigentes africanos.

4. Um dos casos mais recentes, está a acontecer em Angola com a objecção à continuação de Isaías Henriques Ngola Samakuva, como presidente da UNITA, onde permanece como líder desde 2003 – com reeleições em 2007 e 2011, sendo este o mandato mais longo – e que, tudo parecia fazer crer, se manteria para além de 2020, ou pelo menos, até esta data, período que se pensa irem ocorrer as eleições autárquicas.

A posição de Samakuva tem sido um pouco ambígua no que tange à sua eventual continuidade na liderança o Partido do Galo Negro e isso tem-se reflectido, na minha opinião, enquanto académico observador, na estagnação da UNITA, face ao decréscimo eleitoral do maior partido do País, MPLA.

Também a democraticidade interna da UNITA tem visto serem levantadas algumas dúvidas face a alguns rumores de manipulação de votos. Por exemplo, no último Congresso da JURA (Juventude da UNITA), à manifestação de eventuais tomadas de decisão que possam ter sido não consonantes com os Estatutos do Partido – reclamadas mas nunca cabalmente provadas –, ou que os Estatutos aprovados em Dezembro de 2015, no XII Congresso, em particular no seu art.º 50.º (Mandato), n.º 2, terão sido elaborados com vista à manutenção de um qualquer líder por tempo indefinido, bem como à contestação e alguns dos seus mais reconhecidos militantes, como foram os casos de Chivukuvuku, Fernando Heitor ou do falecido médico Carlos Morgado, ou alertas como o de Alcides Kopumi.

Penso que Samakuva deveria olhar para esta reclamada viragem das lideranças grisalhas, ou seja, de líderes acima dos 70 anos. Novos líderes, ou mais novos, têm levado partidos e coligações com reduzido ou pouco espaço eleitoral a posições de relevo, mesmo que isso seja contrariado por líderes como Yoweri Museveni, Presidente do Uganda e com quase 74 anos, que consideram os líderes mais novos – como o caso, paradigmático da Etiópia (da Presidente Sahle-Work Zewde, de 69 anos e do primeiro-ministro Abiy Ahmed Ali, de quase 43 anos) ou do Ruanda (Presidente Paul Kagamê, de 61 anos) – como “saltadores da fila” sem respeitarem a antiguidade dos líderes ou candidatos a líderes…

É certo que as últimas notícias afirmam, sem confirmação por parte de Samakuva, que este não se vai recandidatar a uma nova liderança, no XIII Congresso Ordinário, de Dezembro próximo, na linha do que teria já adiantado que “não vai continuar a dirigir o partido”.

Mas o certo é que há, ou diz-se haver, eventuais pressões de alguns Mais Velhos, ou séniores, do Partido para que Samakuva se mantenha à frente da UNITA. Talvez sejam seguidores de Museveni ou, temam que haja novos “etíopes” e se vejam colocados em brônzeas prateleiras. Talvez sejam os mesmos que consideram que o mais aconselhável é, caso Samakuva deseje, de facto, libertar-se da liderança, colocar alguém politicamente manobrável. E nomes já se cogitam…

Aguardemos pela ponderação e pelo bom-senso que sempre norteou o pensamento dos nossos Mais Velhos. Se o Poder gera Poder, também leva os menos avisados a quedas pouco salutares. Recordemos os que, inicialmente, foram aqui referidos…

*Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e investigação para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto**

** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado

One Comment

Deixe o seu comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Botão Voltar ao Topo

Discover more from Vivências Press News

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading