Eugénio Costa AlmeidaOpinião

Reflexão 2-20: E da Justiça na CPLP…

Desde o final do ano que a Justiça na CPLP, em geral, e em Angola, Guiné-Bissau e Portugal e Guiné-Equatorial, em particular que tem estado em contínuo desenvolvimento. Desenvolvimento ou envolvimento num contínuo rodízio muito selectivo.

No caso de Angola e Portugal, e ainda no âmbito do Luanda Leaks, a circulação judicial é persistente, como adiante veremos, e continua a ter como factor comum as delações de um hacker, detido em Portugal por actividades que, segundo a acusação portuguesa, ultrapassam a mera invasão de sistemas informáticos. Não cabe aqui entrar neste pormenor.

No caso da Guiné-Bissau, é a estranha e incessante procura de quem terá vencido as eleições presidenciais do final e Dezembro de 2019. Todos, até entidades externas, se consideram válidos para decidir desta questão.

Sobre a Guiné-Equatorial impele uma sobra chamada família Obiang e todo um cenário de degradação e pouca transparência na gestão da coisa pública e que começa a ter caminho aberto para estar “bem representada” no livro Guiness de Recordes.

Além destes casos da CPLP, e porque é um caso e Justiça política e social, a tentativa de manutenção no poder do actual presidente da República da Guine.

1. Sobre o Luanda Leaks, ou no âmbito do LL e do combate à corrupção e à falta de transparência na gestão pública – não é só na Guiné-Equatorial – que Angola mantém activo, há dois factos que devem ser abordados:

  1.  Continua a saga contra Isabel dos Santos e seu marido, Sindika Dokolo, no sentido de fundos que tenham sio extraídos, indevidamente, de Angola, retornem ao País. Depois do arresto das contas e activos decretados pela PGR, em Luanda, contra os dois e de todos os movimentos de informação e contra-informação que o processo está a ter na área externa, do “despachar” da empresária Isabel dos Santos dos seus activos, em particular em Portugal – como são, ou foram, os casos do banco EuroBIC e da empresa de electrónica e material eléctrico EFACEC, que, pelo menos no caso do banco, parece estar quase resolvido – surge agora, e talvez, por causa destes processo, um pedido do Ministério Público angolano ao seu congénere português par congelar as contas dos dois empresários: Isabel dos Santos e Sindika Dokolo;
  2. Sobre esta questão, em particular, sobre a venda da sua participação no EuroBIC – e depois de ter circulado uma informação, entretanto desmentida por Luanda, que estava em equação um acordo entre a PGR e a empresária, para resolução do problema que existe sobre ela – comentei da quase certa inoperância da carta rogatória da PGR a Portugal, e, agora, reafirmo que esta solicitação da PGR aparenta ter surgido quase a pedido das carpições sociais.

Quem perceba, um pouco, de gestão empresarial, perceberia que um putativo vendedor de activos seus, mesmo que não esteja sob observação judicial – o que, na realidade, não seria bem assim, como se comprova a seguir – de um estado, como Portugal, com acordos com Angola, por exemplo, e no caso presente, e sabendo que está sob escrutínio jurídico do seu país de origem, a primeira coisa que fará é precaver-se de um eventual acto que coloque em causa os seus activos convertíveis: sejam contas bancárias, sejam acções, sejam fundos. O que se sabe é que a carta rogatória só mandou congelar as contas e nada mais.

Ora, alguém acredita que a empresaria venderia a sua participação – ou as suas múltiplas participações – que detém em Portugal e não exigiria que os pagamentos fossem efectuados por transferências bancárias para instituições onde a Justiça nacional não conseguisse fazer valer das suas prorrogações e direitos? Ainda não abemos como a instituição que comprou, ou acordou a compra, do EuroBIC vai proceder ao pagamento. Mas por certo que não será feiro em Portugal.

Nesta altura, e porque também já se constou que a PGR angolana já terá contactado a sua congénere dos Emiratos, só vejo como países possíveis de “evitarem” possíveis repatriações de capitais da empresária, Espanha e Rússia. Penso que é clara esta análise; principalmente quando, segundo algumas notícias, estarão em causa uma eventual devolução de 2 mil milhões de €uros ao erário público nacional…

  1. Tudo o resto é mera especulação e carece de clarificações, quer sobre estes dois empresários – no caso de Dokolo, é também um filantropo e é alguém próximo do actual poder de Kinshasa e não deve ser descurado este importante facto como, recentemente, abordei para um trabalho que será, em breve, publicado em Portugal sobre, precisamente, Sindika Dokolo –, quer sobre todos os actos que estão a ser praticados no País com base no combate ao tráfico de influências, à falta de transparência e à corrupção começada com as Leis 9/2018, de 26 de Junho, relativo ao «Repatriamento de Recurso Financeiros» (ou Lei do Repatriamento Voluntário) e 15/18, de 26 de Dezembro, a «Lei sobre Repatriamento Coercivo de Capitais e Perda Alargada de Bens» (ou Lei do Repatriamento Coercivo).
    Ainda esta semana, a pedido do MP no âmbito do Serviço Nacional de Recuperação de Ativos, vários imóveis foram coercivamente alvo de apreensão, nomeadamente mais de 1000 imóveis, concluídos ou inacabados, que se encontravam sob gestão da China International Fund – consórcio que já tinha sido alvo de um processo de recuperação de activos, em cerca de 262 milhões de euro, por causa do novo Aeroporto Internacional de Luanda (obra que deverá estar pronta quando os nossos bisnetos forem gestores públicos…) –; de notar que nas páginas sociais, nomeadamente no Facebook, há pessoas que reclamam já terem comprado apartamentos e agora não sabem como será, ou estará, a sua posição, Penso que o MP deverá ter em atenção estes factos porque, por certo, as compras foram efectuadas de boa fé e sem conhecimento do que se iria passar.

2. Na Guiné-Bissau, e ao fim de tanto tempo de magistratura de José Mário Vaz, o país viu ocorrerem as eleições presidenciais que tiveram uma segunda volta em 29 de Dezembro de 2019, entre Domingos Simões Pereira (DSP), do PAIGC, e Umaro Sissoco Embaló, que angariou o apoio do seu partido (Madem-G1, dissidentes do PAIGC) como de candidatos derrotado na primeira volta, alguns militantes ou ex-militantes do PAIGC e do recandidato derrotado, José Mário Vaz.

Os primeiros resultados da Comissão Nacional de Eleições da Guiné-Bissau (CNE), deram vitória – reviravolta nos resultados da primeira volta – a Umaro Sissoco Embaló. Só que A equipa de DSP contestou os resultados por erros formais e de escrutínio. Um dos erros, era que em certos círculos, haveriam mais votantes que eleitores. Infelizmente, em certos actos eleitorais no nosso Continente esse é um facto habitual…

A realidade continental – leia-se, União Africana –, em geral, a CEDEAO, em particular, e de Portugal, em especial, foi reconhecer directa ou tacitamente (caso de Portugal que recebeu o putativo vencedor pelas mais altas individualidades da República) a vitória de Sissoco Embaló.

Apesar da contestação junto da CNE, por parte da equipa de DSP, e daquela manter os resultados, e após recurso, por DSP, para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), este decretou que a CNE teria de rever os votos e elaborar algo que, estranhamente, não fez no final do escrutínio: elaborar um Acta eleitoral.

Só que em meados de Janeiro passado a CNE, mesmo quando decorria ainda um recurso final para o STJ, decidiu que o resultado da segunda volta das presidenciais “transitado em julgado e consequentemente tornado definitivo” pelo que validava, os resultados das eleições de 29 de Dezembro, que tinham dado a vitória a Sissoco Embaló.

Só que continua a decorrer um processo no STJ para que os votos sejam totalmente recontados – que a CNE, segundo DSP, não teria feito, porque aquela considera que o acórdão inicial do STJ não a obriga – ou, o acto eleitoral seja repetido.

Esta situação criou um mal-estar na União Africana e nos convites para a participação na Cimeira que decorre em Addis-Abeba. Inicialmente, Embaló tinha sido convidado para estar presente na Cimeira como Presidente eleito. Posteriormente, este convite foi anulado e o mesmo foi redireccionado ao ainda presidente José Mário Vaz que se fez representar por uma outra terceira pessoa.

Em circunstâncias normais, tudo ficaria por aqui. Ou seja, aguardar-se-ia o acórdão final do STJ.

Só que, infelizmente, o nosso Continente é (re)conhecido por haver quem não goste de acolher as decisões superiores da Justiça. E é o que se passa na Guiné-Bissau.

Apesar de ainda estar a decorrer o recurso no STJ, o candidato considerado vencedor pela CNE, decidiu que vai tomar posse «no próximo dia 27, com ou sem o consentimento do Parlamento do país» (de acordo com um artigo no portal da rádio Deutsch Welle); a CEDEAO, que mantém um dipositivo militar de controlo na Guiné-Bissau e tem gerido – será? – os problemas políticos sociais na Guiné-Bissau decidiu dar um prazo ao STJ para, até 15 de Fevereiro, apresentar o acórdão recurso apresentado por DSP (de acordo com um artigo da VOA).

Ou seja, um candidato que tudo parece indicar ter tido o apoio, não só dos candidatos derrotados e do seu partido – derrotado nas eleições legislativas, quando previa obter maioria absoluta –, como do presidente senegalês, Macky Sall, que foi o objecto da primeira visita de Embaló ao estrangeiro, e considerado por este como o grande amigo e apoiante da Guiné-Bissau – basta ver a História para ver o quanto Senegal tem sido muito amigo da Guiné-Bissau, principalmente na divisão fronteiriça e na exploração do petróleo nas águas ribeirinhas guineenses – não admite esperar pela decisão do seu STJ e exige ser empossado presidente, independentemente de tudo. Dá uma boa imagem de ser um candidato democrata e respeitador da Justiça…

Por outro lado, vemos uma sub-organização económica continental, a CEDEAO, onde litigam pela dominância, o Senegal e a Nigéria, a “pedir” a um Tribunal nacional, no caso, o STJ, que apresente resultados, até uma determinada data – 15 de Fevereiro (um prazo dado, não é uma exigência?) – «em conformidade com as disposições constitucionais da Guiné-Bissau». Uma reunião, de 3 horas (!!) que teve a presença do primeiro-ministro Bissau-guineense e que aconteceu à margem da Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana que, tinha acolhido a existência de um processo que carecia de ser correcta e devidamente bem tratada.

Resumindo, a Guiné-Bissau está entre 3 fogos, sendo que dois são internos onde um deles parece não acolher as regras democráticas do princípio que a Justiça está acima da Política e que é esta que deverá acolher os acórdão judiciais e não os impor; e um externo de uma sub-organização continental que parece estar a impor prazos a um STJ.

Disto tudo resulta que ninguém, fora deste âmbito, parece estar disposto a ajudar a Guiné-Bissau, exceptuado as Nações Unidas que já disseram só acolher os resultados finais após o que determinar o acórdão do STJ, nem – pasme-se (??!!) – da CPLP que se mantém muda e queda.

3. A mesma CPLP que continua a acolher no seu seio e sem problemas um país onde perdura o absolutismo político de uma família cujo líder, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, está no poder há quase 41 anos e onde a família Obiang é dominante na visa política, económica e social da Guiné-Equatorial.

Recentemente, em Outubro de 2017, um dos filhos e possível sucessor – sucessor???, mas a CPLP acolhe sucessores nas Repúblicas, em vez de eleitos??!! – e, também, actual vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodorin Obiang, foi alvo de um processo judicial em França devido a «corrupção, entre outros crimes [como, por exemplo] ter construído de modo fraudulento em França um património “considerável”» tendo sido condenado a «três anos de prisão com pena suspensa» de que o vice-presidente apresentou recurso.

Já agora, recorde.se que entre os bens confiscados pelo Tribunal Correcional de Paris, estavam «18 veículos de luxo, obras de arte avaliadas em mais de 16 milhões de euros, jóias cujo valor estimado é de dez milhões de euros, além de um bem imobiliário com uma superfície de 2.835 metros quadrados», bem como pagar uma multa de 30 milhões de euros se prevaricasse.

De notar que, em 2016, também na Suíça, a justiça deste país optou por arrestar vários carros de luxo de Teodorin Obiang que foram leiloados por 21 milhões de euros, valor depois doado à Guiné Equatorial através de um programa de ajuda social.

O recurso foi esta semana julgado pelo Tribunal de Recurso de Paris, que não só confirmou a sentença como tornou efectiva o pagamento da multa de 30 milhões de euros.

É certo de o vice-presidente Teodorin Obiang ainda pode recorrer para o Tribunal de Cassação de França a fim de travar a decisão do Tribunal de Recurso. Como, também, ainda aguarda uma decisão do Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, com vista evitar a Justiça em França. Uma decisão que já demora…

Interessante como a CPLP e alguns países desta organização continuam a assobiar para o lado, enquanto perdura uma ditadura de quase 41 anos num dos seus Estado-membros. Pois, «Money is God» e «Money has no political color»…

4. E por falar em Justiça e Democracia, que dizer da atitude do actual presidente da República da Guiné (vulgo, Guiné-Conacri, por acaso, também um país francófono da CEDEAO que faz fronteira, tal como o francófono Senegal, coma Guiné-Bissau), Alpha Condé, de 81 anos, que, independentemente dos protestos sociais e das instituições religiosas, decidiu avançar com o pedido de revisão constitucional, em referendo de 1 de Março, que lhe permitirá, se for aprovada, fazer eleger-se para um terceiro mandato.

Recordemos que Condé, um dos mais fortes oposicionistas de Sekou Touré, tendo conhecido o exílio e a prisão, foi o primeiro presidente da República da Guiné a ser eleito democraticamente.

Resumindo, tal como outros líderes africanos antes dele, Condé quer mudar as regras para se perpectuar no Poder.

É a velha questão do Poder gerar Poder e deste consolidar e perpectuar o Poder de quem já lá está, seja por que meios forem…

Este ensaio hoje ficou longo, dado não estar a cumprir o acordado com o nosso amigo Armindo Laureano de, semanalmente, escrever e deixar as minhas opiniões e ensaios para todos os que têm a disposição de me ler. Vários, foram os factores que levaram a isso e alguns já descritos no texto anterior. Prometo tentar voltar à regra habitual…

* Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL(CEI-IUL) e investigação para Pós-Doutorado pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto; Investigador associado do CINAMIL**

** Todos os textos por mim escritos só me responsabilizam a mim e não às entidades a que estou agregado

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