Cinosanda SandeleCronistas

Porque uso o meu cabelo natural?

Acho que até 2011 (mais ou menos) era “anormal” ver uma negra dos 16 ao 80 anos a usar o seu cabelo natural. O desfriso do cabelo e uso de tissagens tornou-se num automatismo que usar o teu cabelo natural, bem do jeito que nasceste tornou-se anormal. Felizmente nos últimos 7 anos isso tem mudado consideravelmente. Cada vez mais mulheres negras têm tomado a decisão de voltar a usar o seu cabelo natural. Algumas a tomam para se auto-aceitar e outras para aderir a uma tendência.

Porém, por mais incrível que pareça essa aderência tem gerado discussões enormes. Alguns a favor e outros contra. Devemos ou temos nós as negras que usar o nosso cabelo natural ou não? Obviamente que essa resposta jamais devia ser coletiva. Toda pessoa deve ter a liberdade de usar o seu cabelo como bem quer e entende. O que eu acho importante é que cada uma de nós saiba fazer uma definição sincera sobre esta liberdade. No poste de hoje vou explicar como é que eu o fiz.

Decisão
Em 2011 depois de ver uma palestra de uma youtuber americana sobre o cabelo natural, comecei a reflectir sobre as razões que me levaram a desfrisar o meu cabelo pela primeira vez (uma coisa que nunca tinha feito antes). Feito isso lembrei-me que na verdade não o fiz por mim, mas pelas “normas” de beleza criadas pelo mundo todo. Depois da vinda do famoso desfriso “à frio” não parava de ouvir comentários do género: “este teu cabelo desfrisado chega até as costas, ai vais ficar tão linda, tu já estás a ficar moça já podes desfrisar o teu cabelo, etc..”. Depois disso, antes mesmo que me apercebesse, ter o cabelo caído pelos ombros e bem liso era o que mais chateava ao meu pai para me permitir fazer (era adolescente na altura).

O meu cabelo ficou talvez “bonito” (mas não mais bonito como na altura acreditei) a primeira vez e depois ficou horrível. Eu tenho comparado os produtos de desfriso com droga. Porque uma vez que metes aquilo no cabelo, o teu cabelo não volta a ser o mesmo. E toda vez que o cabelo cresce um pouco tens que continuar a desfrisá-lo para manter a mesma textura capilar, “esticar a raiz”, como se diz. Como consequência disso o meu cabelo tornou-se cada vez mais fraco, feio e passou a ter uma cor castanha estranha. Mantê-lo saudável e bonito requeria muito esforço e energia.  Mas a vontade de ter o cabelo liso, ondulado ou encaracolado e até as costas não ficou por aí.

Antes que me apercebesse estava eu a usar as famosas tissagens e wigs. E claro, sempre desfrisando o cabelo primeiro. Afinal, a tissagem tinha que parecer o máximo com o meu cabelo (lol). Isso tudo tornou o meu cabelo mais fraco e sem que me tivesse apercebido, pós raramente eu usava o meu “próprio cabelo”. O uso das tissagens tornou-se um estilo de vida. Não caia na real porque mais de 80% das pessoas negras como eu, viviam assim.

Wake up call
Depois de fazer essa reflexão apercebi-me que durante e depois da escravatura foi-se consciente e inconscientemente criando um complexo de inferioridade comum pelo nosso cabelo. Isso em todo mundo e em todas classes sociais. Este complexo de inferioridade pelo nosso cabelo comum. Isso em todo mundo e em todas classes sociais. Este complexo é tão grande que comentários como “a tua mãe tem bom ventre”, simplesmente por teres ligeiramente o cabelo menos crespo do que o 4c por exemplo, tornaram-se normal e engraçados.

Pela primeira vez parei para pensar em quantas vezes eu saia a rua sem tissagem e a quanto tempo não via a textura do meu próprio cabelo. Obviamente que fiquei pasma ao me aperceber que em 1 ano provavelmente 1 ou 2 vezes ia a rua sem tissagem e que há mais de 14 anos não via a textura verdadeira do meu cabelo. Comecei a pensar nas vezes não corrigi os meus colegas e amigos de outras raças, ao receber elogios sobre como o “meu cabelo” era lindo e cheio, referindo-se as tissagens e as wigs que eu usava. Fiquei pasma e tive que reconhecer que infelizmente eu não era uma excepção.

Fazia sim parte das negras que inconscientemente tinham criado um complexo de inferioridade pela textura do seu cabelo.  Mas mesmo assim, eu não sabia o quão grande este complexo era até sentir a resistência em mim mesma, em finalmente sair a rua com o meu cabelo natural. Apesar de eu ter aderido ao processo de transição, do qual vai se cortando o cabelo desfrisado aos poucos enquanto o novo cresce, em Janeiro de 2012 eu cortei as últimas pontas lisas. O que significava que eu já podia andar com o meu cabelo natural. Porém, não foi antes de 2014 (2 anos depois) que deixei de cobri-lo com wigs e usuário orgulhosamente da sua forma natural. Essa resistência surpreendeu-me bastante pois sempre achei que tinha uma auto-estima elevada (só que não lol). Era elevada quando escondida nas wigs e tissagens, lol.

Vantagens
A primeira vantagem e a maior de todas é a liberdade. A sensação de liberdade ser tu mesma é inexplicável não tem preço. Comecei não só a conhecer e a amar de novo o meu cabelo, como também comecei uma jornada de aprendizagem sobre tudo o que é bom para o meu cabelo, corpo e alma. Como consequência disso comecei a levar uma vida muito mais saudável.

Hoje eu uso o meu cabelo natural 90% do ano. Os outros 10% faço uso de tranças apenas para variar. Não me imagino de tissagens e como bonus os meus olhos enchem-se de lágrimas de emoção toda a vez que a minha filhinha de 9 anos pede-me a fazer-lhe um afro como o meu.

A segunda vantagem é a absurda economia que se faz apenas por deixar de desfrisar o cabelo e usar tissagens. Já não se gasta em desfriso, tratamentos contínuos e nem em tissagens. Se fizer uma balança por ano é muito dinheiro que se poupa. Só de pensar que já paguei € 400 por tissagem quando nem sequer uma carta de condução tinha, quase que “me bato”. As tissagens e as wigs estão bem em cima das prioridades financeiras de mulheres negras. Hoje eu vejo que isso é um absurdo.

A terceira é a elevação da auto-estima. Ao voltar a usar o meu cabelo natural a minha auto-estima aumentou. E isso reflecte-se na minha imagem, forma de falar, andar, mover-se etc. Estou quase sempre de bom humor, o que por sua vez acrescenta na felicidade de pessoas mais próximas de mim.

Desvantagens
Excepto a chuva, a neve e o vento que dão cabo do afro, não vejo desvantagens em voltar a usar o meu cabelo.

Mensagem
Quer queiramos quer não, usar o nosso cabelo natural é um acto de resistência e de auto-aceitação. É dizer não a complexos e padrões de beleza definidos por uma sociedade complexada e racista. Portanto antes de defender ou criticar a decisão de voltar a usar o cabelo natural aconselho todas as mulheres negras a voltar atrás e pensar nas razões que as levaram a desfrisar o cabelo pela primeira vez.

Algumas nem sequer o fizeram por escolha própria. Esta escolha foi feita pela mãe ou educadora. O uso do nosso próprio cabelo é que devia ser o normal. As tissagens e o resto devia ser usado como um acessório, do mesmo jeito que o fizemos com brincos e pulseiras. E não porque consideramos o nosso cabelo feio, ruim, imanejável etc…

Espero que tenham gostado do poste. E não se esqueçam de sonhar e lutar sempre pela realização dos vossos sonhos.

Com amor,
AngoDiva

http://www.angodiva.com

Eu sou a Cinosanda Sandele, sou angolana, licenciada em economia e vivo na Holanda.Adoro escrever e poder expor em palavras as minhas ideias e emoções por detrás dos meus looks dá-me um prazer enorme.
A aproximadamente 11 anos atrás o meu interesse em conscientemente levar uma vida mais saudável física – e emocionalmente aumentou consideravelmente. Desde então tenho aprendido muito sobre assunto. Sendo o estilo, a moda ser muito ligada a estes assuntos

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