Cronistas

Pensando o Poder Autárquico

Foi um facto extremamente relevante o entendimento havido na Assembleia Nacional entre o partido governamental e a oposição para procurarem consensos sobre o pacote legislativo referente ao poder autárquico. Surgiu dias depois do lançamento oficial do PIIM (Plano Integrado de Intervenção nos Municípios). Estes dois acontecimentos vêm centrar as atenções sobre a próxima implantação do poder autárquico e convoca a sociedade civil a intervir para ser a necessária parceira em todo o processo.

O PIIM – para lá da intenção de remediar grandes carências que se verificam nos municípios – é um exercício do Executivo para testar as suas possibilidades e os obstáculos a vencer na implantação do poder autárquico. A execução do PIIM põe logo várias questões: a capacidade de os actuais municípios gerirem as verbas orçamentadas; encontrarem os empreiteiros adequados; fiscalizarem as obras; coordenarem as diversas benfeitorias materiais e sociais; encontrarem o pessoal qualificado para todas estas tarefas e as administrativas; assegurarem a necessária e atempada colaboração do Executivo nacional. Por sua vez, este terá de fornecer aos municípios os meios adequados em tempo certo e escrutinar a realização dos projectos.

Num excelente artigo intitulado REINVENTAR A VIDA NOS MUNICÍPIOS COM O PIIM, publicado no Novo Jornal de 26 de junho passado, Ismael Mateus, depois de evocar os benefícios que esse plano pode trazer às populações e à economia, propõe abordagens bem fundamentadas para superar obstáculos. Uma delas é a formação dos administradores municipais; outra é a estrutura de governação do PIIM; a última é a comunicação, afirmando Ismael Mateus: é importante que o diálogo com os cidadãos se faça de modo transparente e participativo.

Esta questão do diálogo com os cidadãos é fundamental não só para os envolver na realização dos projectos do PIIM, mas também para o debate sobre o próprio poder autárquico. E agora é o momento para se relançar esse debate. Na Assembleia Nacional os deputados deram excelente exemplo ao procurar meios de consenso sobre o substancial pacote legislativo que está a ser discutido (cerca de setecentas páginas de leis e respectivos artigos).

Pela minha parte, tenho dado aqui contribuição para esse debate. Também, em 19 de Junho, participei numa mesa redonda, em Lisboa, sobre poder autárquico em Angola de que darei pormenores na próxima crónica, pois foi uma interessante sessão onde houve também participantes de Luanda, em vídeo directo. Nessa sessão, terminei a minha intervenção escrita sobre poder autárquico com as seguintes conclusões:

  • o regime implantado com a independência instituiu a intolerância e uma cultura de exclusão que ainda marcam a sociedade angolana onde  ainda é débil a cultura democrática; também é relevante o facto de que o MPLA tem um papel hegemónico na vida nacional
  • porém, hoje uma situação política com significativas diferenças em relação à existente na presidência anterior; governação, partidos, sociedade civil, cidadãos em geral querem ir mais longe na democratização do país
  • A verdadeira democratização passa obrigatoriamente pela implantação do poder autárquico
  • a criação do poder autárquico deve estar subordinada aos objetivos de democratização da vida nacional, inclusão, empoderamento dos cidadãos, correcção das assimetrias regionais e coesão social
  • no processo de implantação do poder autárquico será importante a conduta dos partidos: vão privilegiar o combate pela obtenção de hegemonia local e quiçá, regional, ou vão dar primazia à democratização da sociedade e ao bem-estar dos cidadãos?
  • se certos pressupostos organizativos e de controlo estatal não funcionarem e se for nulo o escrutínio dos cidadãos,  corre-se o risco de se formarem feudos de poder com responsáveis locais agindo arbitrariamente e em seu proveito pessoal
  • importante é a questão da articulação do poder autárquico com as autoridades tradicionais
  • na questão da implantação do poder autárquico, parece que será adoptada a opção  gradualismo geográfico
  • um argumento em favor do gradualismo geográfico é a grande carência de meios materiais e humanos. Um problema real que exige uma urgente e adequada formação de pessoal a todos os níveis e com os diversos saberes que o poder autárquico requer
  • se houver gradualismo geográfico, a escolha dos municípios tem de ser muito criteriosa e consensual para evitar conflitos políticos e hegemonias que desvirtuarão o processo do poder local e aniquilarão a confiança das populações
  • será necessário calendarizar a sucessiva atribuição de competências ao poder local, para que cada município se prepare para a etapa seguinte.
  • para o êxito do processo de implantação do poder autárquico é fundamental que a sociedade civil se mobilize para discutir, apresentar propostas, ser parceira e escrutinadora do poder político
  • também é fundamental que o poder político tenha uma atitude de colaboração com a sociedade civil: auscultando-a, aproveitando as suas ideias, associando-a à elaboração de projectos e à sua realização.

Se estas minhas conclusões enunciadas na citada Mesa Redonda do ISCTE servirem para se lançar uma discussão, é sinal de que queremos pensar os problemas do país, nomeadamente a implantação do poder autárquico.

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